CRÍTICA | ‘Moonlight: Sob a Luz do Luar’ tem inúmeros méritos que justificam sua forte presença no Oscar

Bruno Giacobbo

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31 de janeiro de 2017

Existem muitos filmes sobre a infância e as agruras do amadurecimento forçado. Estas historias já foram contadas por diversos cineastas, logo, escolher um novo foco ou arranjar uma maneira de ser original é fundamental para que uma obra se destaque em meio a multidão e não pareça mais do mesmo. O último e, provavelmente, mais inovador produto desta leva de longas foi “Boyhood: Da Infância a Juventude” (2015), de Richard Linklater. Aclamado como ousado, o grande triunfo da trama foi ter o tempo a seu favor. Ela levou exatos 12 anos para ser rodada, o que nos proporcionou a chance de acompanharmos de perto o crescimento do seu protagonista. De resto, é um filme comum, sobre um garoto com problemas iguais a de qualquer outro da classe média norte-americana. Dito isto, pode parecer estranho que outra história focada no desabrochar de um menino, só que filmada em um punhado de meses e utilizando um ator distinto para cada fase de sua vida, tenha tanto destaque, agora, a ponto de ser um dos favoritos ao Oscar. Mas, não é. Apesar do plot similar, Moonlight: Sob a Luz do Luar, de Barry Jenkins, é uma grande surpresa, cheia de diferenças, que flerta com o clássico “Pixote: A Lei do Mais Fraco” (1980), de Héctor Babenco.

CRÍTICA #2 | Individualidade reprimida dá o tom em ‘Moonlight: Sob a Luz do Luar’

Para começo de conversa, a história não mostra mais um garoto com um mínimo de conforto, como ocorre na película de Linklater. Inicialmente interpretado por Alex Hibbert, Chiron, o protagonista da vez, mora em Liberty City, um bairro pobre de Miami onde vivem apenas negros e cubanos expatriados. Estamos no meio dos anos 80, o crack começa a se disseminar pelas ruas da cidade e Paula (Naomie Harris), sua mãe, é um dos muitos usuários da nova droga. O vício a faz ser relapsa com o filho que acaba andando por aí, sem direção e proteção. É assim, completamente perdido, que ele conhece o traficante de drogas Juan (Mahershala Ali). Órfão de pai, o menino desenvolve com este homem e sua namorada, a linda Teresa (Janelle Monáe), uma relação de afeto, carinho e, aos poucos, descobre o significado da palavra lar. Eles são importantes para que Chiron entenda o seu lugar no mundo, descubra e aceite sua homossexualidade. Com o passar dos anos e o envelhecimento do personagem principal, Hibbert é substituído por Ashton Sanders e Trevante Rhodes. Os dilemas também mudam, ainda que não totalmente, pessoas  vão e vem e, além de Paula, só o amigo Kevin, encarnado por Jaden Piner, Jharrel Jerome e André Holland, respectivamente, o acompanha nas três fases desta jornada de vida.

A Miami de Jenkins, ou melhor, de Tarell Alvin McCraney (artista que escreveu a peça experimental que inspirou o filme), e a São Paulo de Babenco são contrastantes e similares, simultaneamente. Porém, aqui, o que interessa é onde elas se assemelham: na pobreza da periferia, no desalento cotidiano que rasga o tecido social e ajuda a moldar o caráter de pessoas como Chiron e Pixote. Neste contexto, chega a ser irônico e engraçado que as boas lições venham, justamente, do criminoso que serve de figura paterna para o protagonista e as ruins da mãe, mesmo que esta pareça gostar sinceramente da cria, apesar dos pesares. Algumas das melhores cenas do longa-metragem são dívidas por ‘pai’ e ‘filho’: uma conversa na praia, em que Juan aconselha, implicitamente, o garoto a não ter vergonha de assumir sua opção sexual e uma singela aula particular de natação nas águas cristalinas do mar da Flórida. São momentos de ternura que ele não compartilha com Paula. Desta maneira, é bastante natural que aos olhos dos espectadores, ao crescer, Chiron se torne uma cópia, no jeito de se vestir, agir ou seguindo trajetória análoga, de quem lhe deu algum tipo de amor.

Em tempos de premiações, é interessante ver como, de vez quando, certos filmes podem ser comparados. Diferentemente de “Um Limite Entre Nós” (2016), de Denzel Washington, que também foi indicado ao prêmio de melhor filme da temporada, ao adaptar esta história para as telonas foi deixada de lado qualquer preocupação em seguir uma rígida concepção teatral. São muito mais locações, com diálogos concisos e pontuais. Não é exagero dizer que estas diferenças entre as formas de rodar uma película distinguem um realizador do outro. Mesmo estando somente em seu segundo longa-metragem, Barry Jenkins se revela um cineasta detalhista e seguro de si, seja pelos closes que dá em seus atores como se estivesse a perscrutar suas almas, seja por algumas cenas que se conectam intimamente, ainda que espaçadas em quase duas hora, ou pela capacidade e sensibilidade de produzir belíssimas tomadas. Neste ínterim, destaque para a já citada passagem da natação e para as imagens de um grupo numeroso de crianças jogando futebol americano, na várzea, e de um carro percorrendo uma estrada ao som de Caetano Veloso.

Com oito indicações ao Oscar, Moonlight: Sob a Luz do Luar tem inúmeros méritos que justificam sua forte presença na festa da Academia. Além do filme e do diretor, por algumas das razões expostas neste texto, não há como deixar de falar das atuações e da fotografia. Os intérpretes Mahershala Ali e Naomie Harris são os representantes da película. Até mais do que ela, pelo que temos visto nas outras cerimônias, ele tem todas as condições de levar a estatueta. Contudo, apesar de admirá-lo bastante, não é a minha atuação favorita entre todos os atores coadjuvantes indicados. Quanto a este longa, especificamente, junto com Hibbert e Sanders, é Harris quem rouba a cena. Seu desempenho é dolorosamente bom. Já em relação ao trabalho do fotógrafo James Laxton, só existe uma palavra para defini-lo: fascinante. Ele valoriza cada uma das tomadas idealizadas. E aí uma curiosidade peculiar. Diversos tons de azul podem ser observados tanto na fotografia, como no vestuário de alguns personagens e em determinadas locações. A opção por esta cor é explicada por uma fala que leva ao entendimento, também, do seu título: “Sob a luz do luar, garotos negros ficam azuis”.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Título original: Moonlight
Direção: Barry Jenkins
Elenco: Mahershala Ali, Naomi Harris, Janelle Monáe
Distribuição: Diamond Films
Data de estreia: qui, 23/02/17
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2016
Duração: 111 minutos
Classificação: 16 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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