CRÍTICA | ‘Motorrad: A Trilha da Morte’ não cumpre o que promete e flerta com o terror americano genérico

Bruno Giacobbo

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28 de fevereiro de 2018

A experimentação de gêneros é importante em um cinema condicionado a filmar apenas o que dá dinheiro, justamente o caso do Brasil, onde prevalecem as comedias televisivas. Logo, estas experiências não devem ser desestimuladas. A lógica capitalista do mercado só será invertida se houver um leque grande de filmes a ser consumido. Como reeducar o público se não existirem obras diferentes daquelas com as quais este está acostumado? O princípio é simples: faça-se mais terror, suspense, ficção científica e as pessoas acabarão assistindo. Bons longas são capazes de gerar boca a boca e, consequentemente, vender mais ingressos. Pode parecer ingênuo da parte deste crítico acreditar nisto, mas não é não. Claro, dinheiro para rodar uma produção de grande porte e realizar uma chamativa campanha de marketing ajuda, mas quem quer investir em um filme sem plateia? Dito isto, analisado somente sob este prisma, Motorrad: A Trilha da Morte tem o seu valor. Só que existem outros aspectos.

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Baseado nos personagens do quadrinista Daniel Beyruth, um colaborador da Marvel, e dirigido por Vicente Amorim, o longa-metragem conta a história de um grupo de jovens motoqueiros em busca de aventura. Atraídos pela misteriosa Paula (Carla Salle), Hugo (Guilherme Prates), Ricardo (Emílio Dantas), Maurício (Alex Nader), Rafa (Rodrigo Vidigal), Bia (Juliana Lohmann) e Tomás (Pablo Sanábio) se embrenham numa trilha situada dentro de um paraíso ecológico onde encontram lagos, cachoeiras e paisagens estonteantes. E é neste cenário idílico, filmado no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, que eles terão que lutar com afinco por suas vidas ao atravessarem o caminho de outros quatro motociclistas que, carinhosamente ou ironicamente (aí é com vocês), chamarei de Morte, Guerra, Peste e Fome. Os espectadores que forem ao cinema esperando muita adrenalina, ficarão satisfeitos. Em compensação, aqueles que desejam um mínimo de lógica, sairão bastante frustrados.

Em uma entrevista, o diretor disse que o bom cinema de gênero precisa ser doido e estranho. Não acredito que esta seja uma condição sine qua non, em todo caso, aceitando esta proposição como verdadeira, tais características não exigem que os roteiros de seus filmes sejam repletos de furos ou promessas não cumpridas. Há uma corrente de críticos e espectadores que defende que uma boa película precisa ser hermética e possuir um final aberto, que permita múltiplas interpretações. Ao longo de todo o seu desenvolvimento, o texto, escrito a seis mãos por Vicente Amorim, L.G. Bayão e L.G. Tubaldini Jr, investe, repetidamente, em situações que parecem estar ligadas ao cerne do mistério da trama: Porque aqueles jovens estão sendo perseguidos pelos Motoqueiros do Apocalipse? Alguns detalhes são mostrados pela câmera de forma didática e simplesmente abandonados no fim. Ao término da projeção, diversas perguntas permanecem sem respostas ou permitir algum tipo de interpretação.

Com uma trama temporalmente indefinida, seus acontecimentos podem tanto acontecer no presente como em um futuro próximo, o visual do filme remete a algumas das melhores coisas produzidas pelo cinema australiano, entre elas, a franquia “Mad Max” (1979 a 2015), de George Miller, e “The Rover: A Caçada” (2014), de David Michôd. Só que remeter não significa emular com igual competência. O desenho de produção é simples por usar muito das paisagens naturais que foram filmadas, mas eficiente, entretanto, a fotografia que começa de forma primorosa, lá pelas tantas, se perde ao alternar padrões e cores de uma maneira inexplicável. Algumas cenas são acinzentadas, outras são coloridas, e nada disto é embasado ou fundamentado pelo que vemos na telona. A impressão é de que tais mudanças são fruto de escolhas arbitrárias e a cargo de várias pessoas. Era necessário que alguém desse a palavra final.

Os quinze minutos iniciais, ou algo próximo, de Motorrad: A Trilha da Morte é mais uma destas promessas não cumpridas. Sem ouvirmos uma única palavra, somos arrebatados por um furacão de adrenalina. Cria-se assim a expectativa de um grande filme pela frente. No entanto, tudo vai pelos ares no primeiro diálogo. A partir daí, falas mal-ajambradas e situações surreais (uma dica: prestem atenção num revólver e numa lanterna de celular) se multiplicam aos montes, para a infelicidade geral. Complicado também é o uso do som e de determinados movimentos de câmera para, de uma forma clichê, provocar sustos nos espectadores. Nestes instantes, esta produção tupiniquim de gênero flerta com alguns dos exemplares mais genéricos do cinema de terror que são produzidos em escala industrial pelos americanos. Uma pena, pois o melhor mesmo seria continuar dialogando com os australianos.

Desliguem os celulares.

Em tempo: E o poço? Vocês sabiam do poço? Vejam e entenderão!

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Motorrad: A Trilha da Morte
Direção: Vicente Amorim
Elenco: Carla Salle, Guilherme Prates, Emílio Dantas
Distribuição: Warner
Data de estreia: qui, 01/03/18
País: Brasil
Gênero: suspense
Ano de produção: 2017
Classificação: 16 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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