CRÍTICA | ‘O Castelo de Vidro’ é quase uma versão realista de “Capitão Fantástico”

Bruno Giacobbo

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22 de agosto de 2017

Entre o fim de 2016 e o início deste ano, muitos cinéfilos declararam o seu amor incondicional por um pequeno filme indie chamado “Capitão Fantástico” (2016), onde acompanhamos a luta diária de um pai, Bem Cash (Viggo Mortensen), para criar os seus seis filhos longe dos malefícios da civilização. Eles vivem na floresta de Washington, costuram suas roupas, caçam, pescam, e, fundamentalmente, rejeitam tudo aquilo que represente valores capitalistas e consumistas. Como o próprio nome sinaliza, há um quê de fantasia nesta história. Não dá para acreditar que alguém consiga viver deste jeito. Agora, e se eu contar para vocês que, em algum lugar dos Estados Unidos, ao longo de quase 30 anos, existiu uma família que viveu de forma parecida? Rejeitando, também, as amarras da sociedade norte-americana e educando suas crianças através de livros. Não acreditam? Pois bem, desta vez é a mais pura verdade. Tal saga foi narrada, primeiro, no best-seller de Jeannette Walls e depois foi adaptada para os cinemas. O resultado é o longa-metragem O Castelo de Vidro (The Glass Castle), dirigido e roteirizado (este último em parceria com Andrew Lanham) por Destin Daniel Cretton.

Esta trama real narra as aventuras da Família Walls. O pai, Rex (Woody Harrelson), é um ex-militar que, principalmente, por causa de problemas com a bebida não consegue parar em nenhum emprego. A mãe, Rose Mary (Naomi Watts), é uma dona de casa que pinta quadros almejando um dia fazer sucesso. Por conta da falta de dinheiro, eles e os filhos Lori, Jeannette, Brian e Maureen não possuem uma residência fixa. Trocam de uma casa para outra, muitas vezes imóveis abandonados, isto quando não dormem dentro do carro ou em acampamentos improvisados, ao ar livre, sob a luz das estrelas. Por trás desta falta de condições de proporcionar uma vida segura e estável para todos, existe um discurso de crítica ao sistema que rege o mundo. Neste aspecto, Rex se parece com Ben. Ambos não acreditam em políticos e rotulam aqueles que vivem de forma convencional como burgueses. Além disto, suas decisões, de uma maneira ou de outra, colocam as crianças em perigo. Só que há uma diferença importante. Enquanto o segundo progenitor tem os pés fincados na realidade, ele de fato acredita em tudo o que prega e optou conscientemente por aquele estilo de vida; o primeiro é um sonhador delirante: seu grande delírio é construir o castelo que batiza o romance e o filme.

Apesar do enfoque que dei até agora na comparação entre os pais, a protagonista, na verdade, é a autora do livro. É pelo prisma das lembranças dela que a saga dos Walls é contada por meio de flashbacks e numa narrativa não linear. Presente e passado formam uma bem costurada colcha de retalhos emocionais que tanto pode fazer o público chorar ou rir, ao apresentar os bons e os maus momentos de toda uma existência daquelas pessoas. É claro que os irmãos amam Rex e nem poderia ser diferente. Ele não é um vilão, ele é um homem falho como qualquer outro. Em algumas situações, o personagem desponta como alguém capaz de gestos generosos, para logo em seguida agir com egoísmo; e assim somos todos nós, com maior ou menor incidência de um dos comportamentos. Mesmo não sendo a mais velha dos quatro, é Jeannette que os lidera, que os mantém unidos e dialoga com o pai tentando chama-lo para a dura realidade. Independentemente da qualidade do texto original (eu sinceramente não li), como literatura é uma coisa e cinema é outra, o mérito pertence a dupla de roteiristas que conseguiu fazer a transposição do papel para a telona competentemente.

O fato de terem os seus personagens o tempo todo no centro das ações, possibilitou que os intérpretes de Jeannette e Rex brilhassem um pouco mais do que o restante do elenco. No caso da protagonista, como o filme acompanha seu crescimento, da infância até a fase adulta, são três as atrizes que se revezam no papel: Chandler Head (aos 5 anos), Ella Anderson (aos 10 anos) e a oscarizada Brie Larson. E em que pese a maior experiência da terceira, há um equilíbrio muito grande entre as atuações do trio. As duas meninas são carismáticas, cheias de energia e extremamente naturais em cena. Já Larson não surpreende, pois conhecemos todo o seu potencial. Com a temporada de prêmios prestes a começar, não será surpresa se, daqui a pouco, ela despontar, novamente, como uma postulante ao Oscar. No entanto, ninguém se destaca mais do que o veterano Woody Harrelson. Ao término do longa, após os créditos (e aí fica a dica para os espectadores, não levantem antes da tela ficar preta), são mostrados os Walls reais e é impressionante como o ator pegou todos os trejeitos do patriarca. Sua atuação é realmente excelente e digna das loas que deverão ser tecidas.

Além da comparação que fiz lá no começo, o longa-metragem de Cretton, baseado na história escrita por Jeannette, me fez lembrar de outro que gosto bastante: “Álbum de Família” (2013), protagonizado por Meryl Streep, Julia Roberts e Chris Cooper. Diferenças à parte, os dois são dramas intensos, calcados em famílias disfuncionais e salpicados de pitadas de graça em situações onde o riso mascara a tensão do constrangimento. Afora o bom combo formado por roteiro e interpretações (outra semelhança com a obra supracitada neste parágrafo), vale destacar a direção de arte da trinca Sharon Seymour, Nicolas Lepage e Charlotte Rouleau; e a montagem de Nat Sanders, eficaz na hora de mesclar as duas linhas temporais da trama. No fim das contas, a despeito de Rex Walls ser um sonhador e Ben Cash apegado à realidade, O Castelo de Vidro se revela quase uma versão realista de “Capitão Fantástico”. Dois ótimos filmes, em que a preferência por um ou por outro se dará em relação a qual gênero vocês apreciam mais. Eu, particularmente, prefiro um bom dramão.

Desliguem os celulares e muito boa diversão.

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: The glass castle
Direção: Destin Cretton
Elenco: Brie Larson, Naomi Watts, Woody Harrelson
Distribuição: Paris
Data de estreia: qui, 24/08/17
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 127 minutos
Classificação: 14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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