CRÍTICA | ‘O Nome da Morte’ é uma obra eletrizante. Ou quase isso

Bruno Giacobbo

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30 de julho de 2018

Em alguns lugares do mundo, existe um funesto sincretismo entre o ato de matar e de rezar pedindo perdão pelos seus pecados. Na Sicília, mafiosos italianos de arraigada tradição católica, geralmente, encomendam uma missa para aqueles que acabaram de mandar executar. Na concepção de vida deles, é natural fazer isso. No Pará, estado famoso pelas festividades do Círio de Nazaré, Júlio Santana (Marco Pigossi) costuma buscar consolo no Altíssimo. Proferidas em voz alta, orações são as armas para aliviar o peso na consciência provocado pelas vidas que ceifou ao longo de 35 anos. Introduzido no oficio de matador profissional, ainda adolescente, pelo tio Cícero (André Mattos), não dá para dizer que ele naturalize tudo com a mesma facilidade que seus pares sicilianos. Não mesmo, tanto é que os pesadelos o assombram até hoje. Contudo, as histórias advindas de décadas de perseguição as suas vítimas são tão impressionantes quanto as mostradas em um filme de Francesco Rossi.

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Baseado num livro homônimo, o longa O Nome da Morte, de Henrique Goldman, começa com uma das cenas mais eletrizantes do ano no cinema brasileiro. Uma perseguição. Um homem acuado e sem escapatória. Em poucos minutos, o nível de adrenalina dos espectadores é jogado lá em cima para, em seguida, baixar radicalmente com uma passagem que mostra o início de tudo. Vemos um Júlio imberbe, cheio de espinhas na cara. Este recuo temporal é perfeitamente normal, afinal, o público precisa ser apresentado àquele personagem para entender suas motivações e os acontecimentos que culminaram naquele momento. O problema é que ali, naquela tomada inicial, praticamente é feita uma promessa: é isto que vocês verão daqui para frente. Uma obra eletrizante. E, infelizmente, apenas parcialmente esta promessa é cumprida. Outras passagens, tão boas quanto, sucedem-se na telona, mas há perceptíveis quebras de ritmo que fazem o filme parecer maior do que ele é.

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Como uma espécie de compensação por este pecadilho, temos um roteiro, assinado a quatro mãos pelo diretor e o roteirista George Moura (autor de obras excepcionais como “Linha de Passe”, de 2008, e a minissérie “Onde Nascem os Fortes”, de 2018), que desenvolve com muita competência seus personagens. Em um primeiro momento, há a sensação de que a transição do Júlio inocente para o matador frio foi feita de forma açodada. No entanto, depois, percebemos que não. Existem detalhes como os recorrentes pesadelos que demonstram o contrário. O protagonista está em constante conflito. O mesmo ocorre com Maria, a esposa de Júlio vivida por Fabíula Nascimento. Ao longo da história, a mulher simples, que não suporta uma mentira, dá lugar a dona de casa resignada que, ciente da verdade, aceita qualquer coisa para não ver seu padrão de vida despencar. Duas cenas envolvendo supermercados, separadas por poucos minutos, simbolizam bem esta transformação.

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O Nome da Morte investe maciçamente, também, em criação de clima como elemento para enredar a plateia. O diretor de fotografia Azul Serra (o mesmo de “Canastra Suja” e “Berenice Procura”, outros excelentes trabalhos) escolheu uma paleta de cores que ajuda a realçar a aridez da região onde vive e atua Júlio. Somada a um belíssimo trabalho de direção de arte, somos capazes de sentir a mesma opressão que os personagens sentem. Dá até para compreender o porquê de eles recorrerem a religião e a fé do jeito que recorrem. Só acreditando na existência de algo melhor, longe daqui, é possível levantar todas as manhãs. A trilha sonora tenta atuar neste mesmo sentido, seria um terceiro elemento a corroborar para este clima opressivo e claustrofóbico. O problema é que ela falha ao ser excessiva ou desnecessária em alguns takes, contrastando com um último frame tão impactante quanto a cena de abertura do longa-metragem.

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Desliguem os celulares e boa diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: O Nome da Morte
Direção: Henrique Goldman
Elenco: Marco Pigossi, Fabíula Nascimento, André Mattos
Distribuição: Imagem
Data de estreia: qui, 02/08/18
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Classificação: 16 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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