CRÍTICA | Primeiro filme brasileiro da Netflix, ‘O Roubo da Taça’ é recheado de acertos

Bruno Giacobbo

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7 de setembro de 2016

Em entrevista ao programa “Linha Direta Justiça”, sobre o roubo da Taça Jules Rimet, da sede da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), na noite de 19 de dezembro de 1983, o falecido jornalista Luis Mendes disse o seguinte: “No Brasil, a única coisa que deu certo foi o futebol”. Sem dúvida, uma afirmação pesada e proferida por alguém que ficou bastante chateado com o crime, mas também uma constatação de quanto este esporte representa para o povo, em meio aos fracassos rotineiros nos outros campos da vida em sociedade. Se estamos atrás dos Estados Unidos e da Europa em relação aos indicadores sociais, na hora que a bola rola somos os maiorais. Logo, roubar esta relíquia debaixo dos olhos de toda a nação, representou uma afronta à única coisa que faz qualquer peralta ter orgulho de ter nascido ao sul do Equador. Muito foi dito e escrito sobre este episódio. Contudo, faltava ainda uma visão bem-humorada dos fatos, já que se existe outra coisa da qual os brasileiros podem se orgulhar é de amenizar as dores com um sorriso no rosto e uma piada na ponta da língua.

Dirigido e escrito por Caíto Ortiz, O Roubo da Taça é o primeiro filme nacional produzido pelo Netflix. E se dizem que tudo o que o famoso serviço de streaming norte-americano toca vira ouro, aqui, a afirmação deve ser confirmada com uma grande bilheteria. Comédia de bom gosto, sem apelar para o escracho ou piadas sujas, o longa conta a história de como Sergio Peralta (Paulo Tiefenthaler), funcionário de uma corretora de seguros que frequentava os bastidores da CBF, teve a ideia de roubar o troféu conquistado em definitivo na Copa do Mundo de 1970. Com uma dívida de um milhão de cruzeiros em jogos de azar, ele precisava juntar a grana o mais rápido possível. Ao descobrir que a taça ficava permanentemente exposta na sala da presidência da entidade, elaborou um plano e o apresentou a Borracha (Danilo Grangheia), um ex-policial civil igualmente pilantra. No fim, tudo deu certo. O que eles jamais imaginariam é que aquele mimo era o original e não uma réplica como todo mundo acreditava. E é aí que começam as confusões da dupla. Em um surto de patriotismo, nenhum dos possíveis compradores deseja ficar com o troféu. E agora, o que fazer?

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Por ser uma visão romanceada de tudo o que aconteceu há mais de 30 anos, o cineasta teve total liberdade para contar esta saga do seu jeito. Várias são as semelhanças entre a realidade e a ficção. O protagonista, brilhantemente interpretado por Tifenthaler (vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Gramado), tem o mesmo nome do criminoso real. A caracterização dos envolvidos também é próxima da verdade, como é possível perceber analisando as fotografias da época. A nacionalidade do único cara que se interessou pela Jules Rimet foi igualmente preservada. No entanto, toda a trama é narrada por uma personagem que nunca existiu: Dolores (Taís Araujo), companheira de Peralta. O verdadeiro era solteiro e morava em uma pensão no Santo Cristo. O ficcional é casado com uma mulher de parar o trânsito que não está ali só para ornamentar. Inteligente, esperta, ela será fundamental para os rumos que a história tomará. Criá-la foi uma ótima ideia, assim como recorrer ao uso de flashbacks para contextualizar o público no clima da  época e da história.

O Roubo da Taça tem diversos acertos além dos citados anteriormente. A direção de arte é um deles ao inserir os espectadores no clima dos anos 80 com a utilização, por exemplo, de objetos cenográficos (garrafas de Kaiser ou Guaraná Brahma) e veículos (um Passat pode ser visto andando pelas ruas). Por sua vez, o figurino chama a atenção pelas roupas bregas que eram moda naquela época. Chega a ser engraçado ver as camisas que alguns homens usavam orgulhosamente. Já o elenco de apoio, encabeçado por Milhem Cortaz na pele do policial responsável pela investigação, foi muito bem escolhido. No entanto, talvez, o maior acerto de todos seja a opção pelo politcamente incorreto na confecção da obra como um todo. Apenas em um filme passado três décadas atrás a personagem de Taís Araújo poderia ser retratada como uma gostosona que sabe tirar vantagem dos seus atributos físicos para se dar bem, pechinchar o preço na feira e por aí vai.  Hoje, isto seria motivo de apedrejamento em praça pública. De resto, que fim levou a taça? Veja e descubra.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:
Direção: Caito Ortiz
Roteiro: Lusa Silvestre, Caito Ortiz
Elenco: Paulo Tiefenthaler, Taís Araújo, Danilo Grangheia
Distribuição: Downtown/Paris
País: Brasil
Gênero: aventura
Ano de produção: 2016
Duração: 102 minutos
Classificação: 12 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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