CRÍTICA | ‘Real: O Plano por Trás da História’ é um filmaço para ver e rever

Bruno Giacobbo

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19 de maio de 2017

O filme começa com uma narração em off e imagens que contextualizam a história. Princípio da década de 90, Fernando Collor, confisco das poupanças, mais um plano econômico que fracassa e o Brasil está prestes a quebrar. A inflação galopante tira o poder de compra do povo e agride a dignidade dos brasileiros. Contudo, talvez esta não seja a cena mais importante do início de Real: O Plano por Trás da História. Um jantar, dois casais e uma conversa sobre a crise enfrentada pelo país. Sentados à mesa, Gustavo Franco (Emilio Orciollo Neto), um jovem e brilhante economista, sua esposa Renata (Paolla Oliveira) e um casal de amigos. O que era para ser uma refeição agradável, termina em discussão devido à discordância em relação aos rumos da economia. Esta passagem serve para marcar bem a personalidade do personagem escolhido para servir de fio condutor deste excelente thriller político.

Baseado no livro “3000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão”, do autor Guilherme Fiuza, o longa-metragem, dirigido por Rodrigo Bittencourt, mostra os bastidores da criação do Real, o plano e a moeda que fizeram o país crescer como nunca em toda a sua longeva história de infortúnios políticos e que conduziu Fernando Henrique Cardoso (Norival Rizzo) à Presidência da República. Esta saga começa com nomeação deste para o posto de Ministro da Fazenda, uma escolha do presidente Itamar Franco (Benvindo Siqueira) que, incialmente, parecia sem sentido. Longe de ser um especialista em assuntos econômicos, FHC era um intelectual. No entanto, alçado ao cargo, ele se cercou de algumas das melhores cabeças da nação: Pedro Malan (Tato Gabus Mendes), Clovis Carvalho (Carlos Meceni), Edmar Bacha (Giulio Lopes), Pérsio Arida (Guilherme Weber), Winston Fritsch (Fernando Eiras) e, claro, o próprio Gustavo Franco.

Uma vez encastelados nas salas e nos corredores do Banco Central, em Brasília, estes homens viveram dias de intensa adrenalina. Dá para imaginar, pelo que assistimos na telona, a pressão que eles sofreram. E o filme tem a mesma toada da vida real, submetendo o público a uma espiral ininterrupta de emoção, tensão e uma boa dose de diversão durante toda sua projeção. Apesar do trabalho de direção de Bittencourt ser ótimo, os responsáveis por este ritmo veloz e pela dinâmica da obra são outros aspectos: a montagem eletrizante de Lucas Gonzaga e o excepcional roteiro de Mikael de Albuquerque. Vendo os trailers, a sensação era de que teríamos um thriller pela frente. A questão era se o longa teria material para isto e conseguiria sustentar esta pegada o tempo inteiro. Muitas vezes, esta é uma tarefa impossível e é aí que surgem as inevitáveis e chatíssimas barrigas (aqueles momentos em que nada acontece). Contudo, para a felicidade geral de todos, aqui não há uma barriguinha sequer e tudo flui do jeito, imagino eu, que foi planejado.  

Já o roteiro de Albuquerque conseguiu simplesmente fugir do irritante didatismo que poderia acometê-lo se a intenção fosse entregar tudo bem mastigadinho ao espectador. Acreditem, por mais que os fatos narrados sejam acontecimentos historicamente recentes, muita gente nem desconfia do que ocorreu no Brasil naquele período. Assim, verborrágico, com frases de efeito que ficarão na cabeça das pessoas da mesma maneira que as da duologia “Tropa de Elite” ficaram, e com um encadeamento lógico de ideias que o faz acessível a todos, o texto final é bastante envolvente. Desta forma, temos um autêntico longa de enredo e personagem. Algo raro na cinematografia tupiniquim.

Lembram que eu falei lá em cima da personalidade marcante do personagem escolhido para servir de fio condutor da trama? Então, penso que havia uma certa preocupação em relação a isto. Economistas, assim como advogados, não são profissionais que costumam ser retratados de forma heróica. Diferentemente dos médicos, por exemplo, que salvam vidas e trabalham por vocação. No final das contas, esta preocupação se revelou infundada. Em mais um mérito do roteiro, tal qual ocorre nos scripts do americano Aaron Sorkin, o protagonista é um anti-herói. Sujeito genial, mas falho como qualquer humano, Gustavo Franco é quase um Steve Jobs, só para ficar numa comparação entre dois personagens dos roteiristas em questão.

Movido por boas intenções e nobres motivações, como fica claro desde a tal cena no restaurante, Gustavo é irascível, teimoso, ambicioso e sedento pela fama. Ele quer fazer alguma coisa pelo Brasil, reestabelecer a dignidade do povo e se isto acarretar na realização de suas metas pessoais, um tanto melhor. Para viver este personagem, o ator escolhido tinha que compreender todas estas nuances e conferir textura a elas. E Emilio Orciollo Neto se revelou um tiro certeiro. Sua atuação é visceral. Sozinho ou junto com Paola Oliveira, Tato Gabus Mendes e, principalmente, Mariana Lima, que interpreta Denise, o braço direito do economista na fase em que trabalhou no BC, ele dá um show, põe o filme debaixo do braço e o leva para casa. São tantas cenas boas que é difícil escolher só uma, mas vamos lá: atenção para a cumplicidade entre Emílio e Mariana durante a tomada de uma entrevista.

Com uma caracterização primorosa de todo o elenco, os atores que interpretam FHC, Itamar Franco e José Serra são a cara dos originais, Real: O Plano por Trás da História é uma obra que se destaca pelo rigor, o capricho e a atenção dada aos seus mínimos detalhes. O esmero da produção foi tanto, que até a trilha sonora foi especialmente composta para o filme. Na batida e ao som de um rock frenético, a história se desenrola de tal maneira que é difícil desgrudar os olhos da tela antes do fim da última cena que, por sinal, se conecta com uma previsão feita pelo protagonista lá no início de tudo. Filmaço para ver e rever, preferencialmente, comendo uma bela coxinha.. de mortadela.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

TRAILER:

FOTOS:

FICHA TÉCNICA:

Direção: Rodrigo Bittencourt
Elenco: Emilio Orciollo Netto, Paolla Oliveira, Tato Gabus, Norival Rizzo
Distribuição: Downtown/Paris
Data de estreia: qui, 25/05/17
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Classificação: 12 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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