CRÍTICA | Lançado diretamente na Netflix, ‘Sing Street’ tem personagens e músicas cativantes

Bruno Giacobbo

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4 de janeiro de 2017

A galera descolada e cool das fotos de divulgação deste filme são os integrantes do grupo “Sing Street”, uma banda irlandesa de pop-rock, surgida em meados dos anos 80. Contudo, eles nem sempre foram assim. Com a exceção da menina, Raphina, eram o que chamamos de losers ou perdedores. Estudantes de um colégio católico da conservadora cidade de Dublin, não atraiam a atenção das meninas, não se socializavam e sofriam com o bullying dos valentões. Até que um dia, o líder da turma, Cosmo, conheceu a tal menina. Para impressioná-la, convidou-a para gravar um clipe com o seu grupo musical. O problema é que, até fazer este inusitado convite, ele não era parte de banda alguma. Assim nasceu o “Sing Street”. Agora, alguns de vocês devem estar se perguntando: Em que momento da década eu dormi e não acompanhei o surgimento desta rapaziada? Certo? Calma, eu explico tudo e sem nenhuma pressa.

Na verdade, a história relatada acima é totalmente fictícia. Talvez tenha bebido em fontes verídicas, já que alguns dos seus elementos são comuns ao de outras tantas bandas reais. No entanto, até que se prove o contrário, a trama de Sing Street saiu da cabeça do diretor e roteirista irlandês John Carney. E o script é exatamente este: Cosmos (Ferdia Walsh-Peelo), ainda chamado pelo seu nome de batismo, Conor, conhece Raphina (Lucy Boynton), logo em um  dos seus primeiros dias na nova escola e  se apaixona perdidamente. A garota, que normalmente esnoba todos que tentam puxar conversa com ela, será a sua salvação. Com a inspiração dos enamorados e sob a valiosa orientação do irmão mais velho, Brendan (Jack Reynor), um músico frustrado, ele seguirá firme no propósito de formar uma banda e encontrar o seu lugar ao sol, em meio a multidão.

Eu confesso: não sou o maior adepto de feel good movies. Minha experiência pessoal diz que, muitas vezes, eles tendem a apelar para a emoção, de maneiras absolutamente clichês, com o único intuito de conquistar o público. E conseguem. Tanto é que, via de regra, quase sempre há um destes exemplares concorrendo ao Oscar. A película de Carney não rejeita o epíteto, ela é, sim, um destes filmes. Só que se ela não consegue se desvencilhar totalmente dos tais clichês, pelo menos seu autor os misturou de forma bastante cativante. Há música de sobra, famílias disfuncionais, romance e, claro, um desfecho irremediavelmente feliz! Tudo temperado com uma boa dose de realidade pungente.

Sing Street começa com uma narração em off e mostrando imagens da Irlanda, no ano de 1985. O locutor fala sobre uma onda de desemprego e como é cada vez maior o número de jovens que migram para a Inglaterra. Os pais de Cosmo e Brendan estão entre os milhares de desempregados. É esta situação econômica precária que os leva a tirar o protagonista de uma escola cara e colocá-lo no colégio cristão onde tudo acontecerá. Raphina também não tem emprego. Aliás, ela não tem nem pais. Vive sozinha, apesar de ser só um pouco mais velha do que Cosmo, em uma república de moças. Ela não estuda, mas, diferente da maioria dos personagens, sabe exatamente o que quer da vida: ser modelo. E onde está o seu futuro? Na vizinha Inglaterra, óbvio. Deste jeito, conseguimos perceber rapidamente uma conexão entre os elementos que nortearão o destino deste longa-metragem.

Maricas, fracassado, estas são algumas das alcunhas que Cosmo receberá na escola do valentão Barry (Ian Kenny), outro jovem fruto de uma família disfuncional, ainda que cada família tenha o seu próprio problema. Se o que aflige a do protagonista é o desemprego e uma iminente separação dos pais; a do seu algoz é afligida pelo alcoolismo do pai. Entretanto, antes que este  se torne mais um “Te Pego Lá Fora” (1987), o menino mudará o seu destino sem precisar de artifícios tecnológicos  do tipo ‘máquina do tempo’, como acontece na série de longas “De Volta Para o Futuro”. Barry não é Beef Tannen, Cosmo não é Marty McFly, ainda que uma determinada cena referencie e cite estes clássicos oitentistas. Sua transformação se dará por meio da música e graças ao apoio dos amigos que formarão a banda, tão desnorteados quanto ele em relação ao futuro.

É difícil saber qual personagem cativa mais. Eu me encantei por alguns deles: Cosmo, Brendan e Raphina, exatamente nesta ordem de aparição. Suas histórias vão despertar a atenção do grande público e acredito que muita gente deverá até se identificar com elas. Seus arcos dramáticos são desenvolvidos com esmero. Entendemos e compreendemos suas críveis motivações. Tudo realçado pelas belas interpretações dos seus atores que, confesso mais uma vez, até ontem eram ilustres desconhecidos para mim. E as músicas? Bom, digamos que este já é um outro departamento! Elas são alegres, tristes e doces, quase que simultaneamente. Compostas, em grande parte, por John Carney, com o auxílio de uma equipe de 16 pessoas, elas fazem deste um filme irresistível. Como não terminá-lo cantando e pensando na nossa própria situação econômica e no que o futuro nos reserva em 2017? Ou  alguém acha que o desemprego brasileiro, hoje, é bem diferente daquele que afligia os irlandeses três décadas atrás?  

Lançado por aqui pela Netflix, Sing Street é uma daquelas obras que lamentaremos eternamente não termos visto nos cinemas, com uma ótima projeção. Menos mal que a culpa não é nossa. No próximo domingo (08/01), ele disputará o Globo de Ouro de melhor filme na categoria comédia e musical. Diante da forte concorrência de “La La Land: Cantando Estações”, suas chances de vitória são mínimas, mas não custa nada torcer por uma indicação (ou algumas) ao Oscar. Academia, lembra o que eu escrevi? Que via de regra há um feel good movie na disputa? Então, por favor, não me decepcione desta vez!

Desliguem os celulares e excelente diversão!

TRAILER:

https://youtu.be/C_YqJ_aimkM

FICHA TÉCNICA:

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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