CRÍTICA | ‘Tá Rindo de Quê?’ e ‘Rindo à Toa’ são aulas de História que contam a “arte” de ser brasileiro

Cadu Costa

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13 de novembro de 2018

Se você sabe rir de si mesmo, o Brasil é o seu lugar. Mas, se você sabe fazer rir em tempos difíceis, então, provavelmente, pertence ao seleto grupo de gênios dos documentários a seguir.

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O Festival do Rio exibiu nesta edição os documentários Tá Rindo de Quê? – Humor e Ditadura e Rindo à Toa – Humor sem Limites, filmes sobre a História do humor no Brasil e dirigidos a seis mãos por Cláudio ‘Casseta e Planeta’ Manoel, além do roteiristas e diretores Alê Braga (Mama África) e Álvaro Campos (Altas Expectativas), cineasta premiado no Brasil, França, Bélgica e Espanha. Os longas fazem parte de uma trilogia que, além de indicarem um panorama do humor brasileiro, contam como é uma arte fazer rir com inteligência. A criatividade de entender o momento do país pra trazer alegria é um dos pilares das obras.

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Tá Rindo de Quê? aborda todas as produções de humor na época de 1964 a 1985 em plena ditadura militar e seu poderoso crivo da censura. É mostrada a criação da revista “Pif-Paf” e do símbolo da resistência, o famoso jornal “Pasquim”, além de outras formas de arte, como o grupo teatral “Asdrúbal Trouxe o Trombone” e dos pioneiros programas humorísticos da televisão, como “Faça Humor… Não Faça a Guerra”, “Família Trapo” e “Satirycon”.

Foto: Globo Filmes / Divulgação

Interessante notar como o documentário não assume nenhuma postura política – era muito fácil enveredar por esse caminho – e foca muito nas revelações históricas. Como um dos entrevistados, o diretor Daniel Filho explicou, por exemplo, como se sentia uma criança ao ter que viajar à Brasília quase toda semana para explicar o conteúdo de suas obras.

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Ahhh, e como é importante ressaltar o vasto material de arquivo. Chegamos a nos sentir numa divertida e atemporal sala de aula onde os professores são gente do naipe de jornalistas como Jaguar, Henfil e Millôr Fernandes, os humoristas Jô Soares, Carlos Alberto de Nóbrega e de executivos da TV, como José Bonifácio de Oliveira, o Boni, e o já citado Daniel Filho. O final do filme com uma esquete de Costinha tão atual quanto genial. Entendedores entenderão.

Ou como bem disse o diretor Alê Braga, com exclusividade, para o BLAH!:

“Se pudermos traçar um paralelo político é como se disséssemos: ‘Olha como é trágico quando você não pode rir, quando tiram sua liberdade.’ E que cada um hoje entenda o sentido pro passado ou pro futuro.”

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Foto: Globo Filmes / Divulgação

Já a segunda parte fica por conta de Rindo à Toa, que destaca de 1985 até 2000, quando, após a ditadura, muitos humoristas não sabiam muito bem como lidar com a ‘liberdade’ recém conquistada. Era como se fosse uma ‘Síndrome de Estocolmo’ artística. No entanto, as produções cresciam num ponto absolutamente sem limites como as revistas  “Planeta Diário” e “Casseta Popular”, que deram origem ao famoso grupo Casseta & Planeta e às obras dos cartunistas Glauco, Laerte e Angeli.

Na TV, programas como “TV Pirata” e “Casseta & Planeta” davam o tom com seus sarcasmos e esquetes que desafiavam o lugar comum. A música também apresentava seus talentos com bandas irreverentes e teatrais como Blitz, Premeditando o Breque, Vexame e Ultraje a Rigor.

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Um foco em “Sai de Baixo” e, mais recentemente, “Hermes e Renato” também complementam o documentário com mostras de como o improviso e o timing resultam em sacadas geniais e – por que não? – questionamentos sociais, como destaca Marisa Orth ao falar sobre sua antológica personagem Magda.

Foto: Globo Filmes / Divulgação

Esse filme, apesar de ótimos momentos, tem uma representação maior do Casseta & Planeta, até por conta de um dos seus diretores. Não que isso diminua seus méritos, mesmo porque a turma do Casseta foi parte fundamental da época contada, mas não desperta o mesmo sentimento visto na primeira parte Tá Rindo de Quê?. Talvez por conta justamente da liberdade adquirida retratada, esse documentário perca um pouco da força do anterior.

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Isso sem contar, as declarações infelizes do líder do Ultraje a Rigor, Roger Moreira, ao falar sobre racismo, por exemplo. É difícil entender posicionamento tão elitista e segregador vindo de uma personalidade que tem sua obra inegavelmente bem construída em cima da crítica e do humor (‘Sexo’ e ‘Inútil’ são apenas alguns exemplos). Aliás, sinceramente, talvez até seja possível entender, vindo do momento atual. Mas, não se preocupem pois depoimentos como o da citada Marisa Orth, além de Marcelo Tas, Evandro Mesquita, Cláudio Paiva e Boni, além de diversos outros, salvam e elevam a discussão ao proporcionarem um debate mais sadio e eficiente.

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Foto: Globo Filmes / Divulgação

Tá Rindo de Quê? e Rindo à Toa estiveram em cartaz no Festival do Rio e quem perdeu não deve ficar triste. Terão outras chances em 2019. Os diretores informaram que os filmes chegarão ao circuito regular de cinemas ainda nos primeiros meses do próximo ano. Eles ainda serão exibidos no segundo semestre de 2019 na Globo News e no Canal Brasil, ambos co-produtores das obras. A terceira parte deve ficar pronta também em 2019 e irá abordar o humor no século XXI, com suas diversas formas de produção e divulgação.

*Filme visto no 20º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro

::: TRAILERS

  • Tá Rindo de Quê?

  • Rindo à Toa

::: FICHA TÉCNICA

Direção: Claudio Manoel, Álvaro Campos, Alê Braga
Elenco: Jaguar, Boni, Marisa Orth, Miguel Falabella, Casseta & Planeta
Distribuição: Bretz Filmes
Data de estreia: sex, 09/11/18
País: Brasil
Gênero: Comédia / Documentário
Ano de produção: 2018
Duração: 92 minutos (Tá Rindo de Quê?) / 102 minutos (Rindo à Toa)
Classificação: 16 anos

Cadu Costa

Cadu Costa era um camisa 10 campeão do Vasco da Gama nos anos 80 até ser picado por uma aranha radioativa e assumir o manto do Homem-Aranha. Pra manter sua identidade secreta, resolveu ser um astro do rock e rodar o mundo. Hoje prefere ser somente um jornalista bêbado amante de animais que ouve Paulinho da Viola e chora pelos amores vividos. Até porque está ficando velho e esse mundo nem merece mais ser salvo.
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