CRÍTICA | Não há espaço para sonhos bonitos em ‘Projeto Flórida’

Bruno Giacobbo

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11 de outubro de 2017

Uma das melhores coisas dos festivais cinematográficos é a chance de vermos produções independentes que jamais chegarão ao circuito comercial brasileiro. Claro, existem exceções e estas ocorrem quando determinadas obras agradam tanto que acabam entrando na rota das grandes premiações. Desta forma, elas se tornam atrativas e dignas de exibição. Foi assim com “Moonlight” (2016), de Barry Jenkins, que, inclusive, para a surpresa de muita gente, levou o Oscar de melhor filme este ano. No entanto, infelizmente, este não parece o caso do longa-metragem  Projeto Flórida (The Florida Project), dirigido e roteirizado por Sean Baker, mesmo tendo na linha de frente do seu jovem e talentoso elenco, o quase sempre excelente Willem Dafoe.

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A história, bastante simples, mostra o dia a dia de um motel de beira de estrada, em Orlando, na Flórida, e o foco, a princípio, é na menina Moonee (Brooklyn Kimberly Prince). Ela vive apenas com sua jovem mãe, Halley (Bria Vinaite), que está desempregada. Longe da escola, em momento algum fica claro se está férias ou simplesmente não estuda, a garota perambula de um lado para o outro, na companhia de Scooty (Christopher Rivera), aprontando mil e uma confusões e dando dor de cabeça ao gerente do lugar, Bobby (Willem Dafoe). Com o desenrolar do enredo, eles ganham a companhia da vizinha Jancey (Valeria Cotto). Há, ainda, outra personagem importante para a trama: Ashley (Mela Murder), mãe do Scooty, que, ao contrário da progenitora de Moonee, trabalha em uma lanchonete.

Realizador de outro indie cultuado, “Tangerine”, de 2015, Baker, mais uma vez, direciona suas câmeras para àqueles que estão à margem do sonho americano. A personagem transexual do filme de dois anos atrás dá lugar a Halley. Mãe precoce, ela não consegue arrumar um emprego. Sem o apoio da família, tem que arranjar dinheiro, das mais diversas maneiras possíveis, para sustentar a filha. E se não há muitas oportunidades, paralelamente, a impressão é de que ela não está nem aí. Este descompromisso com a vida reflete na forma com educa Moonee. A menina, em uma excepcional atuação da revelação Brooklyn, não é encapetada atoa. Faltam-lhe limites e noções de respeito para com as outras pessoas.

Repararam que eu escrevi, lá em cima, que a trama é focada, inicialmente, em Moonee, e depois enfatizei na personagem de sua mãe? Pois bem, este é o único e pequeno problema de Projeto Flórida. Na primeira metade, assistimos tudo pelo prisma das crianças. Mais tarde, há uma inversão súbita e a narrativa passa a ser pautada pelos olhares dos adultos, principalmente, de Halley. Não chega a comprometer o desenvolvimento e o resultado final de um filme que tem muitos méritos, entre eles, retratar com uma melancolia dolorida uma Flórida diferente daquela que os turistas que vão à Disney estão acostumados. Aliás, uma cena parece estar no longa só para nós lembrar disto e ela envolve um casal em que a mulher é brasileira.

Com uma belíssima fotografia, que em sua paleta multicolorida destaca o tom pastel das edificações típicas do estado sulista, misturado com o roxo berrante e cafona do motel onde a ação acontece, o filme termina com uma cena de múltiplas interpretações. O que um colega crítico, com quem conversei após a sessão no Festival do Rio, entendeu como o disparar de duas meninas rumo aos seus sonhos, para mim, está muito mais para uma fuga daquela melancólica realidade. Na América retratada por Baker, não há espaço para sonhos bonitos.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

*Filme visto no 19º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro)

::: TRAILER

https://youtu.be/MnTm4w5ehlU

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: The Florida Project
Direção: Sean Baker
Elenco: Willem Dafoe, Bria Vinaite, Caleb Landry Jones
Distribuição: Diamond Films
Data de estreia: qui, 08/02/18
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 112 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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