CRÍTICA | ‘The Purge – Uma Noite de Crime’ (1ª TEMPORADA)

Bruno Cavalcante

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24 de junho de 2019

A franquia de “Uma Noite de Crime” é sem sombra de dúvidas umas das mais interessantes dos últimos tempos. A obra original de James DeMonaco (roteirista) e Jason Blum (produtor) – sendo este último o fundador da Blumhouse Productions – conseguiu se sobrepor à grande maioria dos longas de suspense até então. De 2013 pra cá, a franquia já possui um total de quatro filmes lançados, além de um outro longa que está sendo preparado para 2020, e também a série da emissora USA Network, “The Purge”, disponibilizada no Brasil pela Amazon Prime Video, que estreou ano passado, mas que já possui uma 2ª temporada em andamento. E é exatamente sobre esta série que iremos falar agora.

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O conceito de “Uma Noite de Crime”

Para quem nunca chegou a ver qualquer um dos filmes e não sabe do que se trata, a ideia central de “Uma Noite de Crime” é baseada em uma realidade não tão distante da nossa assim, na qual, para tentar “minimizar” a taxa de roubos e homicídios nos Estados Unidos, o governo norte-americano decide apostar em um método consistido em uma única noite – 12 horas no total – em que toda a população estaria livre para cometer qualquer tipo de ato ilícito: seja tortura, assassinato, estupro, depredação, roubo etc. Ou seja, tudo é permitido por lei dentro dessas 12 horas. Só que, como conseguimos acompanhar ao longo dos 4 filmes, principalmente em “12 Horas Para Sobreviver – O Ano da Eleição” (2016), o método acaba se mostrando algo completamente voltado para favorecer a elite e com o intuito de verdadeiramente dizimar a classe mais pobre, que não possui recursos suficientes para se proteger durante o período de matança.

THE PURGE – (Foto: Patti Perret/USA Network)


E além de ter seu cunho político, a trama de “The Purge” é fortemente ideológica, principalmente quando temos uma classe dominante tentando impor seus desejos e crenças como uma verdade absoluta a toda uma nação completamente pluralizada. Como já dizia o filósofo Jacques Lacan: “A verdade só pode ser dita nas malhas da ficção”. E é justamente isso o que temos em “Uma Noite de Crime”, uma verdade tão latente, que só de olhar já nos sentimos estarrecidos e desconfortáveis. E se isso acontece, é sinal de que algo deu ou está dando muito errado. Então, é preciso refletir.

“The Purge” – A série

A trama da série é uma adaptação direta dos filmes, mesmo que até então não tenhamos qualquer conexão com os personagens anteriormente mostrados nos longas-metragens. Mas, ao espectador, é suportada a ideia de que ele já tenha conhecimento da realidade mostrada na ficção. Ou seja, não existe uma origem, pois já tivemos isso em “A Primeira Noite de Crime” (2018).
A série começa poucas horas antes do início do Expurgo anual. Neste momento, somos apresentados a diferentes núcleos de personagens: temos um ex-fuzileiro em uma busca desesperada por sua irmã mais nova; uma menina pertencente a um sinistro culto de sacrifícios; um casal de jovens empreendedores a procura de uma grande oportunidade; e uma empresária bem sucedida com sede de vingança. De cara fica muito fácil compreender as motivações de cada personagem. Claro, algumas experiências mais densas que outras, porém as histórias são de certa forma plausíveis até certo ponto.

THE PURGE – (Foto: Patti Perret/USA Network).


Diferente do que acontece nos filmes, principalmente a partir do segundo, não temos um desenvolvimento aplicado para cada personagem, ou seja, tudo é feito de maneira muito rasa e puramente com a intenção de entreter. Apesar de plots com ganchos interessantes como o machismo no meio corporativo e o preconceito racial (caso da personagem Jane interpretada por Amanda Warren); além da xenofobia enfrentada pelos descendentes de imigrantes Miguel (Gabriel Chavarria) e Penélope Guerrero (Jessica Garza); e até mesmo uma brecha para uma discussão sobre tabus familiares no drama vivido pelo casal Betancourt (Hannah Emily Anderson e Colin Woodell), parece que “The Purge” decidiu apostar unicamente em cenas de ação e se esqueceu da qualidade de sua trama reflexiva. O que de certa forma é algo bastante contraditório, visto que em uma série existe muito mais espaço para abordagens mais profundas, afinal tivemos 10 episódios produzidos.

Personagens fracos e sem química

Para piorar a situação de “The Purge”, a maioria de seus personagens não conseguem criar qualquer tipo de empatia com o público. Muito disso também devemos ao pouco desenvolvimento de cada um, mas grande parte está mesmo no nível das atuações – algumas sofríveis – e de atitudes equivocadas promovidas pelo roteiro fálico de DeMonaco. Um exemplo desta fenda sombria acontece a partir do momento em que tentamos entender os motivos que fizeram Penélope ter entrado para a tal seita. Então, DeMonaco tenta nos vender um colapso familiar barato, sem qualquer tipo de embasamento mais consistente. Além disso, ainda temos as cenas equivocadas de Penélope com seu ex-namorado, que surge do nada como uma espécie de “grande vilão”, o que claramente não funciona. A única saída para isso seria a debilidade emocional da protagonista, induzida por sua assistente social, algo que também não foi desenvolvido. Ou seja, nada funcionou.

THE PURGE – (Foto: Patti Perret/USA Network)


Mas o grande desperdício mesmo vemos no desenvolvimento da personagem Jane (Amanda Warren), uma mulher negra, profissional de sucesso do ramo das finanças. Ao primeiro momento, ficamos curiosos com seu temperamento, sua postura mais séria e seus possíveis segredos – a expectativa de uma personagem “badass”. Só que, toda essa pompa de “durona” cai por terra em minutos no momento em que temos o seu drama revelado. Algo inclusive muito pesado, abordando casos de assédio, preconceito, pressão familiar etc. Ao invés de termos uma personagem consistente e decisiva, vemos uma Jane adoecer mediante às consequências de seus atos. Não por ela se mostrar arrependida por ter feito algo de errado, mas simplesmente por sua apatia após ter sofrido tanta coisa em sua vida, e mesmo assim deixar-se ser guiada por terceiros. Ou seja, ela tinha mil motivos para ser ‘A Grande’ protagonista de “The Purge”, mas sucumbiu.

Pontos altos de “The Purge”

Apesar de algumas falhas, “The Purge” consegue prender o espectador até o fim. Muito disso se deve à grandiosidade da trama, que oferece infinitas possibilidades de ganchos e problemáticas sociais. Você nunca sabe o que pode acontecer em seguida. Tá aí o plot twist dos episódios finais que não me deixa mentir. De repente a coisa muda completamente de foco e somos apresentados a um novo vilão.
A participação do ator Lee Tergesen (da série “Oz”) como o enigmático Joe Owens é uma boa surpresa. Até mesmo suas motivações para o expurgo derivadas do descontentamento banal, da inveja e xenofobia é algo que, sim, vemos muito por aí. Afinal, quem nunca tropeçou em alguém na rua e por um segundo olhou feio para ela ao invés de pedir desculpas? Claro, isso pode sim ser traduzido como uma reação involuntária do ser humano. Mas, quando chega ao ponto de não conseguirmos controlar a nossa raiva interna, quando não temos a capacidade de discernir o certo do errado, é sinal de algo não está bem. Por isso a discussão das errôneas motivações de Joe Owens são tão importantes, pois refletem as atitudes do nosso cotidiano que passam despercebidas. Mas que, ao mesmo tempo, dizem muito sobre quem nós somos.

THE PURGE – (Foto: Patti Perret/USA Network)


Outro ponto a favor de “The Purge” é que mesmo a série não tendo uma abordagem com as tais intenções socio-econômicas do Expurgo – o que era a intenção inicial de DeMonaco –, ainda sim a trama funciona através do retrato realístico do que podemos chamar de uma “sociedade disfuncional”. Em outras palavras, encontramos ali uma maneira de identificar os limites do comportamento humano, ou seja, até onde uma pessoa é capaz de chegar movida por sentimentos negativos? É possível mesmo justificar atos de violência baseados em julgamentos morais? “The Purge” é um questionamento real e importantíssimo para o convívio em sociedade.
Além disso, mesmo que a série seja focada nas 12 horas do Expurgo, é fato que tudo vai muito além, pois os atos cometidos durante esse período têm suas motivações ao longo dos 364 ldias do ano. E na série esse tema é tocado também de maneira muito superficial, mas nos filmes, entendemos melhor as lutas de classe, compreendemos os pontos de vista de diferentes grupos, além, claro, das intenções perversas do governo por trás da Noite de Crime. Fatalmente temos uma imensa estrutura social distorcida, construída a partir de ações, jogos e interesses de ego. Seja para o mal, ou mesmo para o bem, como vemos em Pete (Dominic Fumusa), um ex-policial que após sofrer de maneira pessoal com o Expurgo, resolve criar um campo de refúgio para os que não possuem meios de se defenderem, tenham onde ficar.

Dias melhores virão!

The Purge” já garantiu uma segunda temporada que deve estrear ainda esse ano na Amazon Prime Video. Acredito que agora seja o momento de investir em atores mais bem preparados, algo que possa camuflar o baixo orçamento da série como só a Blumhouse sabe fazer, além de dramas pessoais melhores desenvolvidos. De resto, a série conseguirá atingir o alvo por si só, já que potencial ela tem de sobra. Torcemos pela melhora.

::: FICHA TÉCNICA

Título original: The Purge
Temporada: 1
Criador (es):  James DeMonaco
Produtor(es):  Aaron Seliquini; Alissa M. Kantrow
Distribuição: Amazon Prime Video / USA Network
Elenco: Gabriel Chavarria, Hannah Emily Anderson, Jessica Garza, Colin Woodell, Lee Tergesen, Amanda Warren, Lili Simmons, Reed Diamond, Dominic Fumusa, William Baldwin, Christopher Berry , Fiona Dourif, Paulina Gálvez.
Data de estreia: 4/09/2018
País: Estados Unidos
Gênero: Suspense; Drama; Ação
Ano de produção: 2018
Classificação: 18 anos

Bruno Cavalcante

Meu nome é Bruno Cavalcante, sou formado em publicidade e propaganda, carioca, escorpiano, apaixonado pela vida e por cinema também. Meu gênero preferido é o terror, mas gosto e vejo de tudo um pouco.
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