CRÍTICA #1 | ‘Três Anúncios Para um Crime’ é uma obra composta de texto sarcástico e interpretações inspiradas

Bruno Giacobbo

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23 de janeiro de 2018

Ganhador de quatro Globos de Ouro, Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri), escrito e dirigido pelo britânico Martin McDonagh, é muitas coisas em uma só. É um filme pequeno com cara de grande devido ao seu elenco estrelar e que se agigantou ainda mais com os inúmeros prêmios que vem recebendo. É a produção com o nome mais sensacional desde 2014, quando fomos apresentados à “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, e, acima de tudo, é um misto de drama sobre justiça e thriller policial que aborda alguns dos temas mais caros para aquele grupo de pessoas que acusa Hollywood de retrógrada. Em quase duas horas, há espaço para falar de empoderamento feminino, racismo e questionar o papel da polícia na sociedade moderna. Tudo isto sem ser maniqueísta e dotado de bastante sarcasmo na hora colocar o dedo na ferida.

CRÍTICA #2 | ‘Três Anúncios Para Um Crime’ mostra como o ódio pode nos levar a cometer atitudes terríves

Sete meses atrás, a bela adolescente Ângela Hayes (Kathryn Newton) foi assassinada e o caso permanece sem solução até hoje. Um dia, sua mãe, Mildred (Frances McDormand), tem uma ideia brilhante: alugar três outdoors abandonados e colar anúncios cobrando mais empenho de Willoughby (Woody Harrelson), o xerife da pequena Ebbing, cidade do estado de Missouri, no Centro-Oeste americano. A mensagem é simples, objetiva e chama a atenção por estar curiosamente localizada em uma estrada deserta, onde ninguém passa desde a construção da nova rodovia interestadual, e de frente para a residência da protagonista. Desta forma, logo se instaura o mistério: Quem foi que pagou por aquela inusitada propaganda? É claro que, ao tomarem conhecimento do que está escrito, todos se dão conta da identidade do autor. E, assim, a iniciativa é um sucesso, causando enorme alvoroço.

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Não estranhem se a diminuta comunidade retratada neste longa-metragem remeter a outras de alguns clássicos produzidos nos Estados Unidos. Assim de cabeça, em relação a questão da mulher, eu me lembro da provinciana Clairton, na Pensilvânia, habitada pelos personagens de “O Franco-Atirador” (1978). Já sobre o preconceito, um paralelo pode ser traçado com Sparta, no Mississippi, onde o detetive negro Virgil Tibbs (Sidney Poittier) teve problemas com chefe Bill Gillespie (Rod Steiger), em “No Calor da Noite” (1967). Tal semelhança entre cidades fictícias separadas por um longo hiato cronológico se deve ao fato de que o interior norte-americano mudou muito pouco estes anos todos. Foram as pessoas desta região que elegeram Trump e são algumas delas que, inicialmente, se colocam entre Mildred e a justiça. Estes são os casos do seu ex-marido, Charlie (John Hawkes), e do policial Dixon (Sam Rockwell).

Quando escrevi, lá em cima, que o filme é tudo aquilo sem ser maniqueísta, foi porque o diretor-roteirista concebeu personagens cinzas. Não há um mocinho ou um vilão aterrorizante em cena. Todos, sem exceção, são homens e mulheres em permanente construção. Para chegar a esta conclusão, basta observar Mildred, genialmente interpretada por Frances McDormand em um verdadeiro tour de force emocional. Durante a busca pelo algoz de sua filha, ela consegue ser alguém capaz de gestos generosos e outros um tanto quanto detestáveis. Este comportamento pode ser exemplificado por um flashback que retrata uma briga sua com Ângela e o filho Robbie (Lucas Hedges). Ofensas pautam esta conversa e isto me faz pensar que esta é também uma obra sobre a ambiguidade humana. Conceito importante em tempos tão conturbados, onde ter uma opinião diferente faz as pessoas serem tachadas como inimigas.

Não é que na cidadezinha de Ebbing todos tachem os outros como inimigos potenciais, de início não, até porque este parece ser um daqueles lugares onde as pessoas se conhecem desde sempre. Só que um acontecimento fora da curva, uma tragédia ou duas, alteram esta percepção e desfazem qualquer ilusão. E esta mudança ilusória é bem simbolizada por uma sequência de acontecimentos, lá pelo meio da película, que culmina em um excelente plano-sequência. A lindíssima trilha sonora de autoria de Carter Burwell também corrobora com esta transição entre o que é e não é real. Em pelo menos dois momentos, canções atuam de forma diegética alienando um personagem específico em cenas chaves da trama. O mundo explode a sua volta e ele não está nem aí. Passados estes momentos, a história avança para suas resoluções finais que fogem de obviedade geral vista em outros filmes.

Além de conceder todas as chances do mundo para que Frances brilhe bastante e assegure seu segundo Oscar, o roteiro reserva espaço suficiente para que outros dois atores deem seus shows particulares: Sam Rockwell e Woody Harrelson. Ainda que Harrelson tenha pouco tempo de cena, ele defende um papel de enorme importância para o desenrolar da história. Contudo, é Rockwell quem mais brilha, justificando os prêmios que vem vencendo. Autor teatral experiente, muito antes de enveredar na indústria cinematográfica, McDonagh ocupa a vaga que em 2017 foi do também dramaturgo Kenneth Lonergan (Manchester à Beira-Mar). Em Três Anúncios Para um Crime, ele nos brinda com uma obra inteligente, composta de um texto sarcástico, interpretações inspiradas e que é a mais relevante da temporada em relação aos temas que aborda. Tudo emoldurado por uma deslumbrante fotografia.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Three Billboards Outside Ebbing, Missouri
Direção: Martin McDonagh
Elenco: Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell
Distribuição: Fox
Data de estreia: qui, 15/02/18
País: Estados Unidos
Gênero: comédia dramática
Ano de produção: 2017
Duração: 115 minutos
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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