Crítica de Filme | O Segredo das Águas
Bruno Giacobbo
As formas como orientais e ocidentais lidam com a morte são diferentes. Enquanto por aqui e em qualquer lugar da civilização judaico-cristã encaramos esta verduga indesejada com lágrimas e dor, mesmo que sua vitima já esteja condenada, por lá, eles a encaram como algo tão natural quanto comer ou beber. Pode soar um absurdo para quem não está acostumado, mas trata-se de uma mera questão cultural. Nascemos inseridos neste contexto. E, além disto, pode render historias belíssimas como, por exemplo, a contada nesta poesia cinematográfica chamada O Segredo das Águas (Futatsume no mado, no original), da japonesa Naomi Kawase.
O cenário escolhido pela cineasta para ambientar sua trama foi uma pequena ilha, distante algumas horas do caos urbano. Ali, em meio a velhos pescadores e pequenos comerciantes, vivem os adolescentes Kaito (Nijiro Murakami) e Kyoko (Jun Yoshinaga). Colegas de escola, namorados não declarados, suas vidas se resumem a estudar, andar de bicicleta e a nadar no fundo do mar. Influenciados pelo que vem de fora (o pai dele mora em Tóquio) e pela curiosidade típica da idade, os dois jovens começam a questionar o contexto cultural em que estão inseridos justo quando se deparam com a morte. Ele ao encontrar um corpo boiando na praia; ela ao receber a notícia de que a mãe está doente e tem pouco tempo de vida.
O questionamento dá início a uma jornada de autoconhecimento e de transformações em diversos níveis. O contraponto a influência externa e a curiosidade são os adultos, arraigados das tradições. A mãe dela, Isa (Miyuki Matsuda), é uma xamã, uma sacerdotisa em permanente contato com a natureza, que vê a morte apenas como a etapa seguinte a vida que levamos. Logo, ela encontra-se pronta. Já o pai, Tetsu (Tetta Sugimoto), corrobora com esta forma de enxergar as coisas ao afirmar que a morte é apenas a última onda, em uma metáfora para lá de pertinente com o mar que rodeia a ilha, símbolo de vida tanto por prover o sustento da comunidade, como por ser, no final das contas, onde os adolescentes se sentem mais vivos.
Se não tivessem sido filmados na mesma época, daria para afirmar que o longa-metragem de Kawase se inspirou ou inspirou o brasileiríssimo “Ventos de Agosto”, do pernambucano Gabriel Macaro, tal a quantidade de elementos que perpassam as duas obras: A iminência da morte, os corpos mortos, o balé de corpos vivos em meio às águas do mar ou a cocos, o olhar atento ao rito de vida de duas minúsculas comunidades e até uma música na obra japonesa que, em seu título, evoca a nacional. Há, ainda, a reação que provocam nos espectadores mais acostumados a tramas convencionais que não exijam um mergulho tão profundo em seu sentido.
O Segredo das Águas versa, entre outras coisas, sobre descobertas e transformações. Um filme que mostra como gerações diferentes, dentro de uma mesma cultura, lidam com a vida e a morte, esta dicotomia perene e secular. Tudo isto emoldurado por uma fotografia esplendorosa. Dito isto, uma obra de arte para ser vista uma, duas, quantas vezes for preciso para apreender todo o seu significado.
Desliguem os celulares e ótima diversão.
BEM NA FITA: Subete (Tudo em japonês).
QUEIMOU O FILME: Nani mo (Nada em japonês).
FICHA TÉCNICA:
Direção, roteiro e produção: Naomi Kawase.
Co-produção: Rémi Burah, Takehiko Aoki e Masamichi Sawada.
Elenco: Nijiro Murakami, Jun Yoshinaga, Miyuki Matsuda, Tetta Sugimoto, Makiko Watanabe, Jun Murakami, Hideo Sakaki, Sadae Sakae, Kazurô Maeda, Mitsuaki Nakano, Yukiharu Kawabata, Yukiyo Maeda e Kinue Yasuda.
Edição: Tina Baz.
Fotografia: Yutaka Yamazaki.
Trilha Sonora: Hashiken.
País: Japão e França.
Ano: 2014.
Duração: 110 minutos.