Cyberangústia

Marcus Di Bello

À noite, quando estou me preparando para dormir, sinto que estou incompleto.
É um incômodo, um desejo, uma busca por algo que falta.
Mas não sou capaz de descobrir o que é.
Penso em todos os filmes que deixei de ver àquele dia e em todos os livros que deixei de começar a ler – fora aqueles que deixei de continuar.
Penso em todas as novas palavras que deixei de aprender e em todas as poesias que acabaram não sendo escritas.
Penso em todos os seres humanos que eu não consegui me apaixonar, em todas as enrascadas que deixei de me meter e em todos os perigos que achei melhor não encarar.
No auge da minha experimentação transcendental, numa tentativa de livrar-me das angústias e frustrações cotidianas, troco a foto do meu perfil no Facebook.
E de repente tudo está bem. Somos ciborgues.
Essas suas fotos novas adicionadas, esse seu novo comentário, esse seu check in, esse seu convite para um evento, essa sua publicação sugerida, esse todo você-máquina, isso tudo só faz sentido dentro desse seu mundo cibernético.
Na verdade ninguém se importa com as suas fotos, com o que tem a dizer, com o lugar que está… é que… somos ciborgues, entendeu?
No fim, tudo fica bem.

Marcus Di Bello

Ator, diretor, dramaturgo, poeta e ser humano. Escreve desde 2006. Influenciado principalmente por Charles Bukowski, Mário Bortolotto, Raymond Carver, Paulo Leminski e Henry Miller. Admira Kafka, Baudelaire, Carlos Drummond de Andrade, Samuel Beckett e Dylan Thomas. Gregório é o protagonista dos contos e uma espécie de alter ego do autor, que mistura passagens autobiográficas e ficcionais.
NAN