E é preciso ter algo?
Demétrius Carvalho
Aquela menina é doida. Tenho certeza disso. Faz uns 8 meses que ela aparece no fim da tarde e fica ali, pulando feito uma lunática. Na primeira vez que eu vi, pensei que ela estava muito feliz. Passou em um curso, comprou uma passagem para um país que sempre sonhou, ganhou uma aposta, recebeu aumento no salário. Sei lá. Ela parecia não caber dentro de si. Dois dias depois estava lá ela novamente. Não fazia idéia do que poderia ter acontecido, mas a sua semana devia realmente ter sido boa. Era a segunda vez que estava eufórica.
Na terceira vez que vi, esbocei um largo sorriso, mas quase que automaticamente me perturbei. Não era possível. O que teria acontecido dessa vez? Bom… qualquer uma das coisas anteriores, mais uma série de outras poderia acontecer. A questão era a freqüência da sua euforia…dia sim e dia não lhe acontecia algo que a deixava em êxtase?
Passou mais um dia e hoje era dia dela vir, mas, não veio. Estava tudo explicado. Algo realmente muito bom aconteceu que sustentou seu estado do espírito por 6 dias. Por volta das 18:00h do dia posterior, certificou-se pela janela que realmente tudo havia acabado. Ela não havia aparecido.
Pretendia fazer faxina no sábado de manhã e como o mercado lota, resolvi comprar material de limpeza na sexta de tarde. Podia não estar vazio, mas não seria aquele pandemônio de final de semana. Fui devagar, sem pressa e ainda parei na volta para tomar um açaí. Com o calor que fazia, tomei-o ali mesmo, vagarosamente. Sentia a leve brisa soprar-me a face. Tinha uma molecada de 8 ou 10 anos jogando bola. Uns 3 ou 4 andando de bicicleta. 2 de skate. Tinha bastante gente na lanchonete e eu poderia apostar que 100% consumia algo gelado. Bom… tinha uma garota sentada na minha frente e confesso que só me dei conta que era ela quando chegou na cama elástica e começou seus pulos. Fiquei perturbadamente acompanhando por 15 minutos o que ela fazia. Dado a hora, ela cessa os saltos e vai embora.
Um mês depois, eu estava certo de que ela era completamente sem juízo. Na verdade, todo dia eu olhava para ver se ela estava lá. Tinha percebido que nos finais de semana ela não aparecia, até que no 4º mês ela surge. Pleno sábado e ela lá. Confesso que quando ela apareceu no domingo no 5º mês, eu já pretendia falar com ela para saber o que acontecia para deixar ela daquela forma. Até de algum alucinógeno, entorpecente ou sei lá o que, eu já suspeitava.
Ali pela metade do 7º mês, passei a ir alguns dias para a cama elástica pouco antes de 18:00h para poder falar com ela, mas, como se ela tivesse previsto, embaralhou muito do seu semi padrão de aparecer dia sim, dia não. Sem contar que deve ter sido uma das únicas vezes que ela apareceu sábado e domingo seguido quando eu não estava lá. Só fui ter certeza que ela sabia das minhas intenções quando fui segunda, terça, quarta, quinta e sexta da outra semana e ela não apareceu. Sábado e domingo? Claro que ela foi. E eu? Claro que não.
Não sei dizer exatamente qual foi o primeiro dia que vi aquela garota. Também não sei se no dia que vi, era de fato o seu primeiro dia ali. Poderia fazer muito mais tempo que ela estava por ali e eu não houvesse reparado, mas em minhas contas, fazia cerca de 8 meses. Só sei que me recordo muito bem que esse dia, encontrei-a lá. Fazia frio e eu não teria demorado mais 5 minutos ali, afinal, ela me espiava e só vinha quando eu não vinha mesmo.
Moleton azul, calça jeans escuro e tênis preto. Não era a roupa mais confortável do mundo ao me ver, eu tive certeza que ela passaria direto quando me viu, mas o ritual de 15 minutos começou e quando ela finalmente parou, perguntei-lhe:
–Você está feliz?
– Sim, muito.
– O que te faz feliz?
– E é preciso ter algo para se ser?
– É que faz um tempo que você vem para cá pular né?
– Hoje faz exatos 8 meses!
Um tanto desconcertado, falei algo meio sem sentido, mas o que ela me respondeu, fez o maior do mundo.
– É que uma pessoa quando aperfeiçoa sua musculatura, melhora o corpo.
– É por isso que eu aperfeiçôo a minha alegria…