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Os pés no chão de Felipe de Oliveira no ‘mundo da Lua’

Wilson Spiler

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19 de novembro de 2021

O cantor e intérprete mineiro Felipe de Oliveira lançou, há alguns meses, seu segundo álbum, Terra Vista da Lua. O artista, que já foi elogiado por ninguém menos que Ney Matogrosso, tem formação em cinema e experiência no audiovisual, o que ajuda a trazer uma linguagem diferente para sua música, mas, principalmente, para os seus videoclipes.

O primeiro álbum da carreira veio em 2018, intitulado Coração Disparado, cuja temática subvertia alguns estereótipos de masculinidade, ao usar da voz andrógina para criar um trabalho com eu-lírico feminino.

Terra Vista da Lua, por outro lado, é dedicado às relações de afeto em sua dimensão política e inspirado por seus estudos de filosofia e psicanálise sobre o tema. Por isso, o ULTRAVERSO bateu um papo franco com o cantor Felipe de Oliveira sobre os mais variados assuntos. Além do novo disco, o artista não se esquivou de perguntas sobre a carreira, pandemia e até política. Confira a conversa!

ULTRAVERSO: Você lançou recentemente o seu segundo álbum ‘Terra Vista da Lua’. Como tem sido a repercussão do disco?

Acho que lançar um novo trabalho é comovente. A gente passa tanto tempo gestando. No caso desse novo trabalho, foram dois anos e meio. Poder mostrar o trabalho é, finalmente, uma redenção.

O que o artista Felipe de Oliveira traz de diferente agora depois de ‘Coração Disparado’?

É curioso, pois a resposta para isso é muito ambígua. Num certo sentido, é tudo diferente. É um outro trabalho, com outro repertório, outra estética e outro processo. Ao mesmo tempo, tem algo que permanece reconhecível, sou eu sou a mesma pessoa – ressalvadas todas as diferenças que existem dentro da trajetória de uma mesma pessoa. Então, sinto que vou fazer o Coração Disparado a minha vida inteira.

Como foi o processo de gravação do álbum em meio à pandemia?

Tivemos que suspender a produção por quase um ano. Estávamos em plena circulação com o Coração Disparado e já havíamos começado a desenhar a produção do novo disco. Nesse tempo de hiato, eu pude imaginar à exaustão como esse álbum seria.

Quando finalmente nos encontramos em estúdio, nos propusemos a realizar um processo de criação coletiva. Eu, o produtor do álbum (Barral Lima) e os músicos André Milagres e João Paulo Drumond, tivemos o estúdio à nossa disposição por 8 dias. Gravamos, então, uma canção por dia. Chegávamos cedo, sem ter nada certo para a canção daquele dia. Não tivemos ensaios, não construímos arranjos previamente, nada. Eu levei referências e dei um direcionamento sobre o que eu gostaria para cada canção.

A partir disso, cada um contribuiu enormemente com o que tinha. Fizemos tudo juntos, experimentando as ideias de todos. Na parte da manhã, nesse contexto de profusão de elementos, elaborávamos os arranjos. À tarde ensaiávamos e no princípio da noite gravávamos, ao vivo, o que tínhamos feito durante o dia. O que ficou inscrito no resultado final foi, sobretudo, a relação afetiva que se adensou entre nós durante aqueles dias de imersão e intensidade total. O fato de termos gravado ao vivo também contribuiu para imprimir um calor ao trabalho.

Seu trabalho transita entre a MPB, o blues e o rock. Quais as suas influências musicais?

Música brasileira, principalmente! A MPB, o samba, a música feita no Nordeste, no interior da Paraíba, em Pernambuco, o Pessoal do Ceará, Bahia, do Sul, daqui do sertão mineiro, que está mais perto de mim. A geração de Milton, Chico, Bethânia, Elis, Caetano e cia é a que mais me encanta. Também Elba, Vital Farias, Fagner, Ednardo e trupe. Depois Simone, Marisa, Calcanhotto, Cássia Eller, Chico César e os demais artistas que despontaram na década de 90. Por fim meus conterrâneos, de quem canto canções, e também meus contemporâneos, como Filipe Catto, Almério, Juliana Antunes, Ayrton Montarroyos, Simone Mazzer e Laila Garin (com quem dividi uma faixa no álbum).

Além da música especificamente brasileira, que é a melhor do mundo, aprecio também muita coisa da música latinoamericana como um todo. Quem tem voz mais bonita que Mercedes Sosa? Também algo da música hispânica, como estudo dança flamenca há muitos anos. A música lusófona e, também, algo da música norte-americana, como o rock e o blues (embora eu seja extremamente anti-imperialista! hehe).

Mas meu negócio mesmo é a língua portuguesa e o Brasil.

Você tem formação em Cinema. Como isso influencia no seu trabalho, tanto visual como musicalmente?

Eu encaro a música como uma paisagem, um cenário, uma imagem. Luz é ritmo. A tensão que a gente precisa segurar do princípio ao fim do show é da mesma ordem da que faz soar as cordas de um instrumento. O cinema me ensinou a olhar pra música narrativamente. E, claro, o fato de eu ter assistido a centenas de shows no decorrer da minha vida. Eu poupava o dinheiro que minha mãe me dava para o lanche na escola, para juntar e poder comprar os ingressos. Com o tempo, percebi que os shows que mais me fascinavam eram os que tinham uma construção cênicas. Bethânia, Ney…

Primeiro, achei que eu tinha perdido tempo. Depois entendi que não, pois minha vivência com o cinema e meu amor por ele foi o que permitiu que eu desenvolvesse um trabalho transversal. Eu nunca abandonei o cinema. Penso num show como se pensa um filme. E isso permite, também, que eu desenvolva outros braços para meu trabalho na música, como é o caso dos videoclipes. Eles não são, para mim, uma peça comercial. São um braço relevante desse trabalho.

‘Terra Vista da Lua’ versa sobre a relação do indivíduo com uma alteridade que o habita. Como foi a sua percepção sobre isso em tempos de pandemia?

A pandemia adensou a minha relação com esse tema. Ele já estava posto antes da pandemia, mas vivê-la me permitiu falar sobre ele de outras formas. O tempo passa e a gente vai ganhando palavras, né? Repertório e recursos para dar outros tratamentos ao tema. Comecei dizendo que eu queria fazer um disco que versasse, de maneira poética, sobre a implicação do capitalismo nos afetos. Por fim, entendi que eu queria falar sobre o que, dentro de nós, parece estrangeiro pra nós mesmos.

Sei que, a princípio, parecem coisas diferentes, mas não traio, de modo algum, a minha proposição original, pois entendo, aqui, o afeto em sua dimensão política. A forma dos nossos afetos não é inata, nem essencial. Ela nos é ofertada por um sistema social, político e cultural. Nós, no entanto, não apenas replicamos essa estrutura. Não existe conta exata nesse processo. Nós não somos o resultado exato da equação que nos origina. Nós excedemos o que nos origina. Isso nos atribui características que, ao mesmo tempo em que dizem respeito a uma dimensão social, são, também, completamente singulares.

Existe algo inteiramente nosso que, no entanto, nos é estrangeiro. Entendi que eu não queria ser panfletário, nem objetivo, nem literal. Que eu não tinha qualquer mensagem. O que eu queria transmitir algo e, por isso, pra falar sobre o meu incômodo com a relação à implicação do capitalismo nos afetos, eu precisava falar sobre o estrangeiro que me habita, sobre o outro que me habita. Falando disso, estamos tocando também numa dimensão social e política.

Com boa parte da população imunizada, haverá espaços para shows em breve? Passa pela cabeça fazer uma turnê do álbum?

Estar no palco é o que eu mais quero na vida. Nunca imaginei que ficaríamos dois anos sem ver uma plateia. Já temos alguns shows marcados para o próximo ano. Vamos ver como será essa retomada. O desejo é, sem dúvida, levar esse show para o máximo de lugares que conseguirmos!

Suas músicas falam bastante em olhar e escutar o outro, trazem esperança, pregam um mundo melhor. Como é seu processo de composição?

Eu, na verdade, não sou compositor, sou intérprete. Faço pesquisas de composições inéditas, especialmente de artistas do cenário musical mineiro, além de releituras de canções pré-existentes. Para Terra Vista da Lua, selecionei canções inéditas de autores da nova cena musical brasileira, quase todos conterrâneos e contemporâneos.

Em tempos de culto ao ódio e corrida espacial, precisaremos um dia ver a Terra da Lua para encontrarmos paz?

Ótimo ponto! Num tempo em que bilionários vão para o espaço, é importante não esquecer que todo o restante da população permanece explorado aqui na Terra. A gente precisa é de uma mudança sistêmica e, sem a arte, isso não é possível. Não é à toa que, em todas as tiranias, houve censura aos artistas. A arte mexe nas estruturas simbólicas. Quando a gente mexe nisso, todo o resto vem junto.

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Então você é artista e acha que não tem muito espaço? Fique à vontade para divulgar seu trabalho na coluna Contra Maré do ULTRAVERSO! Não fazemos qualquer distinção de gênero, apenas que a música seja boa e feita com paixão!

Além disso, claro, o (a) cantor(a) ou a banda precisa ter algo gravado com uma qualidade razoável. Afinal, só assim conseguiremos divulgar o seu trabalho. Enfim, sem mais delongas, entre em contato pelo e-mail guilherme@ultraverso.com.br! Aquele abraço!

Wilson Spiler

Will, para os íntimos, é jornalista, fotógrafo (ou ao menos pensa que é) e brinca na seara do marketing. Diz que toca guitarra, mas sabe mesmo é levar um Legião Urbana no violão. Gosta de filmes “cult”, mas não dispensa um bom blockbuster de super-heróis. Finge que não é nerd.. só finge… Resumindo: um charlatão.
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