Entrevista com Vinícius Coelho (autor e ativista LGBT)

Anna Cecilia Fontoura

|

9 de agosto de 2014

O Lampião da Esquina é referência, até hoje, quando o assunto é imprensa alternativa gay. O principal jornal brasileiro produzido por homossexuais para homossexuais, no período da ditadura, é o tema do livro Lampião da Esquina- Porta voz dos Homossexuais (1978-1981) lançado recentemente por Vinicius Coelho. Em entrevista ao BLAH CULTURAL, o ativista, que é diretor do Grupo Diversidade Niterói (GDN), conta um pouco sobre a sua obra, traça um panorama sobre a cultura LGBT e sobre ativismo e preconceito.

 BC – Como surgiu a ideia de usar o jornal Lampião da Esquina como tema na sua monografia?

VC -Foi por acaso. Fui em um Congresso e tive meu primeiro contato com o Lampião e desde então me apaixonei por ele.

BCVocê fez seu estudo com o objetivo de torná-lo um livro? Como foi isso?

VC Minha intenção era fazer a monografia e me formar. Aí um amigo meu me disse se eu já havia pensado em publicar, até então nunca tinha pensado nesta possibilidade. Ele me passou o contato da editora e enviei meu trabalho, na semana seguinte recebi a notícia de que eles gostaram e iriam publicar.

BCO Lampião da Esquina foi publicado somente por três anos durante a ditadura militar, mas era o principal jornal produzido por homossexuais para leitores homossexuais. E hoje ainda existe uma comunicação segmentada para esse tipo de público ou não é mais necessário?

VC Não tenho dúvidas de que é necessário. Infelizmente, apesar dos avanços que homossexuais e pessoas trans conseguiram, ainda há muito preconceito. Por se tratar de minorias políticas os LGBT´s possuem pouca voz, isso faz com que haja pouca informação, tanto para héteros como para os LGBT´s, gerando dois papeis muito forte. Primeiro, deixar as pessoas LGBT´s se sentindo deslocadas ao se perceberem fora das normas sociais em que estão inserida e segundo a desinformação, gerando (pre)conceitos, fobia, autorrejeição, aversão e pavor social. Acredito que ter um meio de comunicação criado por homossexuais para homossexuais é fundamental para nos apropriarmos das informações e combater a homofobia.

BCO seu livro fala sobre a representação dos homossexuais na imprensa voltada para eles. Atualmente vemos diversos personagens gays em novelas, filmes, etc. Como você analisa a representação do público gay nos meios de comunicação e na cultura hoje?

VC– O tema é tratado como muita timidez. Se tomarmos como exemplo as novelas, vemos como estamos engatinhando neste assunto. Mais uma vez reforço, pode ter personagens gays ou lésbicas nas telenovelas brasileiras desde que eles e elas não demonstrem afeto. No entanto, apesar das críticas, considero um avanço. Foi mais de um século onde os LGBT foram representados de maneira estereotipadas. Vejo que agora, pelo menos, houve uma mudança nestas representações. Mas, saliento que no sistema econômico em que vivemos favoreceu para isso, há uma demanda e o “Mercado” atende.

Foto: Divulgação

Vinicius Coelho conta como o projeto de monografia se transformou em  seu primeiro livro/ Foto: Divulgação

BC- Filmes e peças que mergulham em relacionamentos homoafetivos vêm aumentando no Brasil ( e no mundo). Mas, apesar disso, ainda há polêmicas como a que ocorreu no filme “Praia do Futuro” em que o público, antes da sessão, era avisado sobre as cenas de nudez e sexo homossexuais no longa. Também tiveram produções como “Azul é a cor mais quente” que não puderam sair em DVD no Brasil. Mas, ao mesmo tempo é real o crescimento de movimentos culturais LGBT como festivais de cinema gay, a própria parada gay que leva multidões. O que você acha dessa aparente contradição?

VC Não me espanto, é a contradição da nossa sociedade. Ao mesmo tempo em que diz que devemos lutar pelos nossos direitos, temos que ser felizes e blá blá blá.. Vivemos em um país onde pessoas do mesmo sexo podem se casar mas não podem andar de mãos dados nas ruas ou demostrando seu afeto pelo seu companheiro ou sua companheira porque podemos ser vítimas de homofobia. As coisas tem que se manter escondidas. As pessoas sempre têm o discurso de que não tem preconceito, mas falam que não há necessidade de nós, gays, mostrarmos nossos afeto em público, nos empurram para o privado como se tivéssemos fazendo algo de errado.

BC– Há décadas vivemos uma Democracia no Brasil. Quais os principais desafios para a cultura e ativismo LGBT?

VC Avançamos muito na esfera do Judiciário e, de forma tímida, do Executivo, mas o maior entrave é no Poder Legislativo. Precisamos criar leis efetivas que garantam, de fato, os direitos para os LGBT´s. É vergonhoso isso no Brasil. Ficamos a mercê da interpretação de juízes preconceituosos que, conforme seu bel-prazer, decidem o que vão fazer. Precisamos de leis claras que repaldem efetivamente a população LGBT. Acredito que o principal desafio para o ativismo LGBT atualmente é a mudança cultural. Existe um mito social, com características depreciativa dos LGBT´s, que coloniza a subjetividade coletiva. Esta desqualificação é tão bem assimilada, que nós, homossexuais, nos envergonhamos e nos mantemos por muito tempo no “armário”, sobretudo para nossa família. A mudança de mentalidade é um ponto nodal e o principal desafio para o movimento LGBT.

BC-– Você é diretor do Grupo Diversidade Niterói (GDN), além de liderar outras instituições da causa LGBT. Como você se tornou um ativista?

VC– Iniciei minha trajetória como bolsista de um projeto de pesquisa e extensão sobre sexualidade na UFF. A partir, devido a extensão, tive contato com o movimento LGBT de Niterói, o GDN, e em seguida comecei a militar lá. O projeto me forneceu arcabouço teórico e a militância me nutriu das experiência empíricas. E desde então foi um caminho sem volta. O fato de eu ser gay e sentir diariamente a discriminação foi um fator importantíssimo que me fez abraçar com mais afinco esta luta.

BC- O Grupo Diversidade Niterói (GDN) presta atendimento jurídico, psicológico e também organiza eventos destinados ao público LBGT. Conte um pouco sobre as atividades culturais.

VC O GDN já existe há uma década em Niterói, estou nele há 3 anos, falarei a partir deste período em que me incorporei ao grupo. Nós realizamos diversas atividades ao longo do ano, algumas pontuais _ conforme as demandas conjunturais vão aparecendo _ e outras fixas, como a Parada do Orgulho LGBT; as oficinas de teatro e DJ´s; testagem de HIV/AIDS; apresentação de filmes; todas as 5ªf, a partir das 14hs um psicólogo faz atendimento e acompanhamento; trabalho de prevenção nas festas LGBT’s de municipio de Niterói e SG; prevenção com as travestis prostitutas no Centro de Niterói e etc. Articulamos com outros movimentos sociais e com poder público municipal e estadual para realizarmos atividades em parcerias, como as atividades que realizamos no Centro de Cidadania LGBT em parceria com o Governo do Estado; atividades na UFF com o coletivo Diversitas UFF, DCE, DA´s e CA´s. Além disso, fazemos parte do Fórum Estadual LGBT, que é um rede no Estado do RJ criado por movimentos sociais LGBT´s para cobrar do poder público políticas públicas, e da Associação Brasileira de Lésbica, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), que é uma rede nacional de entidade LGBT. No movimento social seguimos uma premissa: “ação local, pensamento global”. Apesar de ser um entidade de Niterói, e atuarmos efetivamente no município, estamos artículados com demais movimentos pois acreditamos em um projeto político mais amplo e uma sociedade livre de opressão.

BCComo você, que também faz parte da comunidade acadêmica, analisa o acolhimento da UFF em relação ao movimento cultural ligado ao ativismo LGBT.

VC– Assim como qualquer instituição a UFF, também, está inserida na sociedade preconceituosa em que vivemos. Há um mito que na universidade é tudo diferente mas as discriminações acontecem da mesma forma. Esta discriminação vai desde o trote, camuflado sempre no discurso da “brincadeira” até as salas de aula. Há menos de 1 ano conseguimos, finalmente, garantir o nome para pessoas trans. A resolução para regulamentar o nome social já tinha sido aprovada desde 2012 e demorou mais de 1 ano para efetivar uma resolução já aprovada. Existe pouquíssimos núcleos de pesquisa voltado para sexualidade. Nas disciplinas de licenciatura não há uma matéria problematizando a questão de gênero e/ou sexualidade. É um desafio trazer essas questões para dentro da universidade, por isso, houve a necessidade de criar um coletivo estudantil, o Diversitas UFF, para visibilizar estas questões.

BC– Quais são suas considerações finais?

VC -Visibilizar questões sobre sexualidade é fazer um debate sincero e combativo contra a discriminação que assola nosso país. Precisamos desmistificar a imagem folclórica que existe de nós homossexuais, lutar por nossos direitos e acabar com a autorrejeição. Por falar nisso, o sair do armário é uma coisa muito complicada, ninguém pode entender isso, só nós homossexuais e trans. As pessoas hoje em dia falam que nos vitimizamos demais, que temos que deixar essas questões pra lá, eu acho que é melhor se lembrar do que esquecer, porque se você esquece do que aconteceu, você não tem toda a verdade.

Anna Cecilia Fontoura

Jornalista graduada pela Universidade Estácio de Sá e pós-graduada pela Universidade Cândido Mendes. Além de jornalista cultural, é redatora freelancer. Escrever é sua verdadeira paixão! Se considera uma pessoa determinada e criativa, porém um pouquinho sonhadora...
O que sabemos sobre Wicked Boa noite Punpun Ao Seu Lado Minha Culpa Lift: Roubo nas Alturas Patos Onde Assistir o filme Lamborghini Morgan Freeman