ENTREVISTA | Marie-Jose Sanselme, roteirista de ‘Um Trem Para Jerusalém’

Giovanna Landucci

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5 de novembro de 2018

Durante a 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o BLAH! teve a oportunidade de entrevistar, em uma conversa bem agradável, a roteirista Marie-Jose Sanselme, que escreveu o roteiro de “Um Trem em Jerusalém”, do diretor Amos Gitai. O longa-metragem explora diversas histórias que se unem em vagões do trem com destino a Jerusalém.

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A roteirista nos contou sobre curiosidades das filmagens, como Amos transformou seu roteiro em realidade e um pouco sobre fotografia, escolhas de músicas e textos declamados durante o longa.

BLAH CULTURAL – Olá. É um prazer conversar contigo. Para iniciar a nossa conversa, gostaria que você contasse um pouco sobre sua carreira e detalhes do filme que está na Mostra de SP (Um Trem em Jerusalém).

Como escritora, eu não tenho o mesmo olhar que o diretor, mas nós trabalhamos juntos desde 1999, em mais ou menos uns 14 ou 15 filmes em conjunto. Tudo isso começou porque eu estudava Literatura em Paris, fui professora, mas pedi demissão após uns quatro anos porque não gostei da carreira. Fui, então, para Israel, na embaixada Francesa, e fique encarregada de Artes. Foi aí que conheci o Amos, e nos tornamos grandes amigos. Escrevemos juntos o meu primeiro filme em parceria, um filme de guerra, relacionado à experiência vivida pelo próprio Amos em 1973. Ele disse pra mim que achava que eu conseguiria e que eu tentasse. “Faça, tente”, dizia ele. Então, a partir daí, passamos a trabalhar juntos sempre. Eu tenho meu trabalho como escritora e ainda tenho também outra carreira paralela como editora-chefe de um jornal sobre educação que circula em nível internacional, então tenho duas carreiras fascinantes que se combinam entre si”.

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Como foi construída a relação com Amos Gitai e suas características como diretor?

O primeiro filme que escrevi foi produzido no ano de 2000 e foi selecionado para ser exibido no Festival de Cannes. Isso foi incrível porque Amos gosta de trabalhar com pessoas diferentes, ele tem ótimas conexões, mas, ao mesmo tempo, ele gosta de criar uma fidelidade, uma confiança em sua equipe. O cineasta trabalha com seus produtores há mais ou menos 30 anos, busca diretores de fotografia famosos por mais ou menos sete filmes, e eu gosto de trabalhar com ele, é muito interessante!

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Sobre o filme ter um final aberto, sem uma conclusão e totalmente contemplativo, qual a intenção desse tipo de encerramento no roteiro?

Primeiro, como você mesma disse, o filme não é somente sobre uma história, é sobre uma viagem contínua, e se passa em uma cidade bem dividida, onde as estações do trem fazem a conexão da cidade e se passa por toda Jerusalém, inclusive por bairros palestinos e o Oeste da cidade, que é inteiramente judeu. O trem, para eles, é muito utilizado por ser prático. O filme simula vidas em conjunto sem matanças, sem agressões, e é uma comédia, um pouco de ironia, por isso tem um final aberto. E a ironia presente é para tratar as diferenças sem mencionar conflitos. Uma mensagem de esperança em um ambiente muito tenso. Tentamos ser positivos com ele, por isso o final sem um fechamento, e tem muitas músicas também que fazem a interligação de tudo isso.

Tudo que foi escrito é uma ficção, mas trabalhamos com 36 atores, palestinos, judeus e europeus, e tivemos como extra pessoas religiosas, mas estes eram reais. As pessoas ortodoxas que aparecem no filme não são atores. Estas propuseram para Amos como queriam aparecer e trouxeram boas discussões ao filme, encorpando os argumentos. Eu não escrevi qual tipo de religião iria ser retratada no roteiro original, só coloquei pessoas religiosas, e isso tudo foi aparecendo ao longo das filmagens. Ele escolheu as pessoas. Não digo que foi por improviso, pois houve bastante discussão de como se fazer. As pessoas religiosas davam seus pareceres de como achavam interessante o tema ser abordado e a gente ia pensando “por que não?”. E a filmagem foi magnífica, sabe por quê? Porque foi uma viagem real que fizemos com o trem. Colocamos todo mundo a bordo, fechamos o trem para a filmagem e viajamos até conseguir o material necessário. Um dia bem extenso. Os atores, ao longo do percurso, foram sendo colocados em situações verdadeiras para que eles pudessem curtir a viagem e para que a atmosfera fosse real. As pessoas em Jerusalém estão muito divididas, em conflitos e guerras, e isso trouxe um clima harmônico, que não se vê normalmente na cidade.

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Amos é brilhante para fazer isso, para criar uma atmosfera sorridente entre os atores e isso é visto diretamente no filme. Ele cria as condições para o que o ator está fazendo seja capturado pela câmera e sirva para o propósito do longa. Como escritora, eu levo os conceitos e ele vai trabalhando a ponto de olhar e dizer “Uau!”, porque o diretor dá vida ao que escrevi de uma forma muito interessante. Talvez seja por isso que Amos goste trabalhar comigo. Eu confio nas habilidades dele para transformar em realidade o que foi escrito por mim e, juntos, nós nos divertimos.

A respeito do filme, ele fala sobre paz e faz isso de forma bonita. Escrevi o roteiro para começar de um jeito e Amos acrescentou a cena inicial para ter um início poético. Mas sempre foi a intenção do roteiro captar as diferenças sociais, políticas e religiosas de Jerusalém. Mas, antes de começar a filmar, nós pegamos o trem juntos e fizemos essa viagem várias vezes para ter noção de como aconteciam as inter-relações dentro dos vagões. Não daria para escrever sobre algo sem vivenciar. Você tem que sentir! A ideia inicial era fazer sobre viagens curtas em micro-ônibus, porém a ideia partiu de Amos de fazer sobre o trem para Jerusalém porque realmente é uma viagem muito bonita.

Fale um pouco sobre direção de fotografia e as músicas escolhidas para o filme.

Sobre a luz e a fotografia, Amos trabalhou com um excelente diretor de fotografia: Eric Gautier. Para Eric, foi bem difícil trabalhar a luz dentro do pequeno espaço do trem. Ele tinha que antecipar os movimentos dos personagens para saber onde projetar a luz e muita coisa era feita no improviso, afinal, ele não saberia como o ator iria se mexer, para onde ia olhar… ele é tão talentoso que consegue imaginar e adivinhar, e quando não era possível, não era um problema, por causa do talento dele. O que você me disse sobre o efeito contemplativo do filme é exatamente a intenção da filmagem, um clima meditativo. Ele propõe para a gente olhar com outros olhos a cidade e as pessoas. Acho que você captou as intenções.

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Sobre as músicas, elas foram escolhidas pelo diretor Alex Claude, porém, a cantora do começo do filme propôs a a sua canção. Amos abre bastante espaço para discussão, ou seja, todos participam e trazem algo para o longa. Eu também proponho coisas, mas eu havia escolhido outras músicas. Meu roteiro, no entanto, é sempre uma escrita proposta. O texto que o padre declama é o Apocalipse da Bíblia. O que ele fala sobre liberdade foi proposto pelo ator para colocar junto a um verso final de Pasolini e o poema que a personagem recita no final é um trecho que tem a ver com os filmes de Amos, uma poesia alemã para resgatar Belle in Jerusalém. Amos é apaixonado por seus poemas. Ela morreu sozinha, e ele admira muito seu trabalho, aproveitando para homenageá-la no filme. Sutilmente, ele aponta o que Jerusalém se tornou usando todas as linguagens possíveis. A música cantada com castanholas é judeu-espanhola, por exemplo.

Marie-Jose Sanselme nos deixou curiosos para os próximos roteiros que irá escrever em conjunto com o diretor, com um gostinho de quero mais. A roteirista e jornalista trouxe impressões sobre as filmagens, sobre direção de arte, fotografia e trilha sonora escolhida e nos contou um pouco dos bastidores, em uma rica entrevista repleta de informações sobre a trajetória no trem para Jerusalém e o encanto que foi para ela participar desse filme.

Giovanna Landucci

Publicitaria de formação, sempre gostei de escrever. Apaixonada por filmes e séries, sim, posso ser considerada seriemaníaca, pois o que eu mais gosto de fazer é maratonar! Sou geek principalmente quando falamos de Marvel e DC. Ariana incontestável, acho que essa citação de Clarice Lispector me define "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar." Ah, como é de se notar pela citação, gosto de livros e poesia também.
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