ENTREVISTA | Thiago Ramil fala sobre sua carreira e seu primeiro álbum

Anna Cintra

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27 de junho de 2016

Thiago Ramil, cantor e compositor gaúcho, fez notar-se sem pressa.Ainda que envolvido com música desde criança (quando, inclusive, já acompanhava de perto a carreira dos tios Kleiton, Kledir e Vitor Ramil), esperou concluir a graduação em psicologia para dedicar-se a “Leve Embora”, seu trabalho de estreia.

O álbum, selecionado pelo projeto Natura Musical e lançado em 2015, tem uma força que é reconhecível logo de cara. Thiago passeia por vários terrenos musicais (samba, folk, reggae, indie rock e regionalismos), desconstrói padrões e segue mostrando que sabe plantar em solo fértil.

ThiagoRamil

São doze canções cuidadosamente elaboradas através de um viés confessional, existencial ou simplesmente poético. Cada uma delas ganhou um pano de fundo próprio, com arranjos instigantes e enxertados de ruídos, recursos eletrônicos, ambiências, loops, batidas que enganam  a expectativa rítmica e espaços vazios. Ao fim de tudo, a singela e quase sussurrada “Gira – Sol” que, mesmo acompanhada apenas do violão, evoca um universo onírico e evidencia o aconchegante timbre de voz do cantor.

Para Thiago, o entrosamento criado entre os produtores e músicos durante o período de pré – produção (dez dias passados em um sítio no interior do Rio Grande do Sul ) é um dos principais responsáveis pela identidade e qualidade sonora do trabalho. Esse caráter coletivo, o cantor tenta manter também na estrada, dividindo o palco com bandas como Apanhador Só e Musa Híbrida.

Em entrevista ao Blah Cultural, Thiago nos conta um pouco mais de sua trajetória, influências e processo de composição.

Thiago Ramil divulgacao 1

Cerca de nove meses depois da estreia oficial, você já consegue mensurar o quanto de frutos colhidos com “Leve Embora”? Como tem sido a distribuição do trabalho, os shows e a receptividade do público?

Esses tempos, vendo umas fotos de família, percebi (mais uma vez) como o tempo passa rápido. Ler, na tua pergunta, que fazem nove meses do lançamento do disco me assusta!! (risos) Parece que foi ontem o lançamento, as gravações e o processo todo…

Mas enfim, respondendo tua pergunta, me sinto colhendo frutos em cada apresentação, em cada retorno ou comentário do público, em cada novo vínculo estabelecido pelo meu trabalho. Em termos de distribuição e divulgação, não pude contar com uma assessoria de imprensa à nível nacional e por isso sinto que meu trabalho não teve grande distribuição quantitativa. Ao mesmo tempo, percebo e valorizo muito o envolvimento que o público que entrou em contato com o disco tem manifestado e demonstrado pra mim, por isso acredito que o disco vem tendo uma boa repercussão e um grande envolvimento à nivel qualitativo. O que, ao meu ver, é um grande valor em tempos de excesso de informações e de um consumo acelerado e superficial das coisas. Toda vez que alguém me dá algum retorno sobre as músicas, dizendo que se viu ou se indentificou ali, a alegria é grande, seja  por compartilhar significantes, seja por saber que a pessoa ouviu até o fim (e talvez mais de uma vez) aquela canção.  Além disso, muitas pessoas tem me pedido autorização para usar músicas como trilha de projetos seus, além de outras produções artísticas como desenhos e vídeos. Isso pra mim é um grande valor e uma honra.

Você é cantor, compositor e instrumentista. E, mesmo antes de ser contemplado pelo Natura Musical, já havia percorrido uma trajetória integrando a banda Cadiombleros e o Coletivo Escuta, ambos de Porto Alegre. O que trouxe dessas experiências para o seu primeiro disco?

Foi nos Cadiombleros que pude experimentar outros instrumentos, como bandolim, violino, cavaquinho, viola caipira, entre outros. Foi um período de amadurecimento musical em que ampliei minhas referências musicais, além de exercitar a vivência do palco. Algumas músicas do disco, como Leite e Nata e Show Me já faziam parte do repertório dos Cadiombleros.

 O Escuta, foi um encontro muito importante que rolou em Porto Alegre e reuniu mais de quarenta jovens compositores, produzindo uma troca muito significativa entre todos. Pra mim foi um momento importante de amadurecimento e aprimoramento da prática composicional da canção em voz e violão; compus muito nessa época.  No Escuta nasceram algumas parcerias que estão no disco como e Salar, com o Alércio PJ da banda Musa Híbrida. Todavia, o mais signifcativo desse encontro foi a troca de formas, referências, harmonias, possibilidades dentro do universo de uma canção.

Ainda que a mescla entre os mais diversos elementos sonoros e estilos musicais  não seja algo inédito na música brasileira, Leve Embora explora isso com precisão e imprime texturas e acabamentos diferentes para cada uma das 12 faixas, apontando nitidamente que você está aberto a várias tendências.Quais suas influências? Como foi delinear o conceito do disco e escolher o set list?

 Sempre gostei de buscar diferentes caminhos nas canções para não criar uma unidade que me definisse como compositor, é com gosto que tenho dificuldade de responder qual meu “estilo musical”. Na esfera dos arranjos para disco Leve Embora, buscamos valorizar as referências trazidas nas canções procurando sutilmente descaracterizá-las, dando uma estética mais original, própria. Exemplo disco é a música Casca em que a referência do samba se faz presente sem o compromisso de ser um samba clássico, possibilitando outros elementos e sonoridades. Além disso trabalhamos cada música de uma maneira diferente, não houve um formato padrão para a construção dos arranjos e o fato de não haver um baterista (oficial) dentro da banda possibilitou novos caminhos rítmicos na formação dos arranjos. Outra coisa que contribuiu bastante para diversidade dos arranjos foi a relação horizontal entre os músicos e produtores, o que ampliou as perspectivas e possibilidades estéticas.

 Definir o Set List foi uma tarefa muito árdua, porque sempre tem músicas  que tu imaginas dentro e que acabam ficando para outro momento, mas isso faz parte do processo. A seleção das músicas se fez a partir de um dos conceitos do disco que é trabalhar a ambiguidade entre leveza e peso. Selecionamos músicas que trazem essa característica em si e que abordam a temática, seja pelo texto, seja pela atmosfera, pelo arranjo. A idéia de associar leveza ao peso se aproxima do sentido de emprestar beleza à tristeza, sentido esse que habita a esfera do Acalanto (trabalho que desenvolvi com as crianças em acolhimento institucional) e que representa pra mim, não só uma estética artística, mas, principalmente, a elaboração dos processos da vida em sua amplitude.

Minhas referências são muitas, sempre tenho dificuldade em citá-las. Começei minha relação com a prática musical através da música erudita, meu primeiro instrumento foi o violino, portanto essa é uma referência importante. Desde criança ouvi muito Beatles e MPB em casa, além de acompanhar de perto a carreira dos meus tios. Passei na pré-adolescência pelo Punk Rock e o Hardcore (minha primeira banda se chamava Bellybutton e tocava muito NOFX, OFFSPRING). Mais tarde me aproximei bastante da música Brasileira, do samba de velha guarda, dos ritmos populares,  bastante influenciado da minha irmã, a Gutcha Ramil, que toca e pesquisa muito sobre isso, no projeto que tem   com outras meninas, chamado Três Marias. Mas não posso deixar de citar Bob Marley, quem ouvi muito desde sempre e que é uma refêrencia melódica muito importante. Citar projetos como Radiohead, James Blake, Cake, Alt-J, Sondre Lerche, Rage Against the Machine, Rodrigo Amarante…

Cem por cento das letras foram compostas por você (com ajuda de parceiros ou não) e refletem, além de tudo, muita sensibilidade. Como é o seu processo de composição? Ter cursado psicologia ajuda nessa hora?

Muito obrigado pelo elogio! Sempre busquei retratar com sinceridade a vida, sejam as experiências, sejam as projeções. Gosto de escrever sobre o que me toca na víscera, sobre o que, de certa forma, padeço. Uma vez li, acho que foi Lacan quem disse, que o escritor precisa padecer daquilo que escreve, isso fez muito sentido pra mim. Não haveria sensibilidade nem sinceridade nas canções, se a escrita fosse sobre algo indiferente. Por isso escrevo quando me toca, se não me toca, não escrevo.

 Não tenho uma fórmula para compor, tem músicas que iniciam pelo tema, música que começam pela harmonia, outras pela melodia. Uma característica é que raramente escrevo a letra no papel, tendo a ir construindo-a junto com a melodia, de forma cantada e guardo quase tudo de cabeça. Gosto muito da poesia como gênero literário e me guio muito pela sonoridade das palavras, assim vou construindo a letra um pouco pelo improviso, fazendo depois um momento de lapidação  em que podo as arestas e circunscrevo o tema. Em termos de construção harmônica, gosto de buscar o inesperado, o estranho, e a partir disso faço flexões melódicas e vou encaixando as palavras.

A formação em psicologia abriu muitos horizontes e ampliou minha perspectiva sobre o ser Humano e suas multiplicidades. Além disso possibilitou experiências muito significativas, as quais busquei retratar na música e na produção artística. Acho que meu interesse pelo humano, suas dores e desejos, aparece bastante no meu trabalho como músico e por isso acredito que a formação contribuiu muito para minha forma de ver o homem, o mundo.

Em que pontos a sua música tem a ver com seu modo de vida?

A música é uma extensão da minha vida. Não consigo encontrar forma de separá-la do todo. A composição foi sempre uma necessidade pra mim e uma forma de sublimar minhas experiências vividas. Além disso é a ferramenta que disponho pra retratar aquilo que sinto, sofre, amo, odeio,… por isso não consigo viver sem compor, sem cantar. É pra mim uma necessidade básica, uma forma de seguir adiante e elaborar os nós e as pedras do caminho. A música me leva embora, me lava, me empurra, me sustenta.

 Você colaborou para a adaptação de crianças e adolescentes em período de carência emocional quando trabalhou e desenvolveu a prática do Acalanto em um Centro de Acolhimento de Porto Alegre. Imagino que esses momentos farão  parte da memória musical (e afetiva!) de muitas delas. Mas, e você: quais suas primeiras memórias musicais?

  Esse trabalho desenvolvido em uma casa de acolhimento, tem, na sua origem, uma memória musical muito importante pra mim que é a lembrança da voz da minha mãe ao me cantar cantigas de ninar antes de dormir. Um dos objetivos dessa atividade era a possibilidade de compartilhar significantes com as crianças e isso fez com que o trabalho fosse tão rico .

Outra memória musical muito antiga que guardo com muito carinho são as minhas primeiras aulas de musicalização, onde a gente exercitava o solfejo de canções clássicas e dispunha de instrumentos de percussão para trabalhar esferas ritmicas. Lembro do solfejo de algumas melodias até hoje.

 

Da cena musical da qual você faz parte, quem mais você destacaria?

Gosto muito do trabalho e do timbre de voz do amigo e compositor porto alegrense Poty Burch. Acho que ele tem uma singularidade e uma simplicidade muito rica e carismática. Outro trabalho que acho muito interessante e que tem grande influência sobre o meu disco é o grupo Três Marias, do qual fazem parte minha irmã, Gutcha Ramil, e a Andressa Ferreira. Ambas gravaram o disco e me acompanham nas apresentações.

Sei que perguntar sobre um segundo trabalho assim, tão cedo, é igual a perguntar para um casal sobre um irmãozinho para o filho que acabou de nascer (risos)… mas, já tem planos para o próximo álbum?

Já tô louco pra gravar de novo, poder contemplar outras canções, que infelizmente ficaram de fora. Mas sinto que ainda preciso trabalhar bastante esse primeiro disco, circular, formar público, dialogar com outros projetos, produzir vídeos e outros materiais. Mas a vontade existe e confesso que já comecei a esboçar idéias para um novo álbum. Muitas músicas ficaram de fora e venho compondo outras canções desde o lançamento do disco. O difícil vai ser ter que deixar músicas de fora de novo, mas faz parte, as músicas tem seu tempo, tem seu momento.

Anna Cintra

Estudante de Psicologia há dois semestres, metida à mochileira há alguns anos e interessada em Fotografia desde sempre! Tem mania de sair com o cabelo molhado, de tomar mate gelado e de Ricardo Darin. É de Niterói, mora em Maricá e diariamente atravessa a Guanabara para trabalhar. Tá sempre saudosa de Porto Alegre, do Guaíba e do Quintana. Adora lugares com farol, mar e Iemanjá. E jura que viu Deus no último grande show que assistiu: ele estava no palco,usava uma bata, óculos escuros,cantava e tocava piano como ninguém! Pera! Esse era o Stevie Wonder...!
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