Freud edita
Demétrius Carvalho
– Ah mãe, fica tranquila. Não há de ser nada. Freud explica as pegadas. – Zomba de mim. – Não estou zombando mãe. Te amo. Vou desligar por que vou entrar no metrô. – Te amo e se cuida.
Subiu na estação Vila Madalena e tinha um pensamento confusamente focado. Explico, rodeava um assunto, mas sem encontrar como desatar o nó do sapato. Achava um saco ele, como fotógrafo, ter que pensar em editais de cultura para poder viver de sua arte. Difusamente parecia não ter foco. Quer dizer, tinha, se fosse com a máquina fotográfica. Daí, as cenas mais desconexas eram fotografadas e entendidas sem pestanejar como uma obra só, mas agora ter que pensar que tipo de foto poderia retratar a influência da cultura urbana americana nas grandes cidades brasileiras sem citar filmes, livros, música…
A foto é arte? Retratação da realidade? Pode ser os dois? Podia ser tudo em sua cabeça e ele que estava acostumado a focar e retratar, ele que estava acostumado a experimentar fotos desfocadas, não encontrava o caminho… por onde trilhar. Ainda com o celular na mão, lembrou da conversa que havia tido a poucos minutos com sua mãe.
– Bora Freud… me explica…
Freud devia estar ocupado com Zeus tomando um chá, com o Diabo tomando café ou com um jovem mortal morto tomando Coca-cola no purgatório. Podia ao menos mandar um Whatsapp explicando “Pegadas” e olhe que a produtora que o chamou para esse trabalho até que conseguiu explicar bem. Era um trocadilho. Coisas que nossa cultura pegou da cultura dos outros e se apropriou de tal forma que nem pensamos o quanto fomos influenciados por ela.
Estação Sumaré anuncia o falante. Olhou para aquelas fotos nos vitrais. Como eram lindas e representativas. Com o fundo vazado sob a avenida. Viajantes fantasmas que nos acompanham sempre. Será que eram almas penadas vindo do purgatório? Teriam visto Freud? Teriam pegadas? Tarde demais, portas fechadas. Quem sabe na volta…
Sacou novamente o celular e digitou “pegadas” no Google para ver se tinha uma idéia brilhante. Um monte de pé, pegadas na areia então…batia clichê e nada urbano. Tinha umas pegadas de animais também e até marca de batom, mas parecia que nem Freud, nem o Google estavam dispostos a cooperar. Vai ver que eles guardaram as idéias deles para seus próprios editais…
Metrô Clínicas e duas enxurradas descem. Uma branca que ia ao hospital e outra maior, verde, devia ter algum jogo. Camisa de time? Podia ser? O esporte era inglês… bom… a apropriação foi tão grande que para o mundo isso era brasileiro. Vai ver que Charles Miller chegou uma hora dessas em nossas praias e encontrou alguns índios jogando bola e roubou o nosso roubo. Só acrescentou as camisas, afinal, aqui devia ser o time dos pintados contra os não pintados.
Esse Charles Miller… roubou o nosso esporte, Freud explica e Google mostra…
Estação Consolação ao desolado aqui. Outra legião descendo. Dessa vez o de engravatados…isso é tão não brasileiro que eu estava olhando as fotos que tinha na máquina para ver a pegada, mas ela não me pegou. Procurava como quem tateia no escuro por algo e pensei se Zeus não estaria na estação Paraíso para me ajudar. Zeus deixa pegadas no céu? Nas nuvens pelo menos? Olha o foco pensou e instintivamente aprontou a câmera, mas não havia o que “pegar”. Recostou a cabeça, relaxou enquanto pensava nas pegadas, cultura urbana, deu uma leve cochilada…
Clic… acordou com o som do próprio obturador de sua máquina clicado sem querer enquanto cochilou. Freud pode não ter exatamente explicado, mas que resolveu meu edital, resolveu…