Fuscores

– E quando você fizer 21 anos, esse carro será seu Pâmela…
Foi mais ou menos assim que meus problemas começaram. Perguntei-lhe se poderia pintar o carro de verde e ele não fez cara de aprovação. Deveria manter o azul original. Em 5 segundos, ele matou a minha esperança verde.
Passaram-se cerca de 10 meses e faltava então menos de 2 meses para que eu herdasse o carro, mas eu estava incomodada com o clima na minha família. Todos deram para brigar por qualquer coisa e toda hora. Parece que eles não percebiam, mas o clima andava pesado. Minha mãe chegou a sugerir de pintar o fusca de amarelo antes de me dar. Outra discussão… Resolvi até sair de perto, sair de casa. Aquilo estava me fazendo mal e fui na casa da Lilyana. Podia sair daquele clima e ultimamente estava muito divertido andar com ela que havia baixado um aplicativo em seu celular onde ela tinha um GPS, um time e tinha que encontrar portais. E ela simplesmente encontrava outros jogadores no meio da rua. Eu achava aquilo divertidíssimo e quando voltei para casa, havia esquecido por completo as brigas dos meus pais (que incluía meus irmãos com uma freqüência grande demais para a minha sanidade). Para mina surpresa, eles ainda estavam brigando, mas dessa vez, a minha irmã disse que não era uma briga e sim meu pai lamentando-se e praguejando contra tudo e todos. Como poderia me dar o carro assim? Nem perguntei, corri para a varanda para ver o que havia acontecido e um grande afundamento no capô. Ouvi-o explicando que só poderia ter caído alguma coisa de uma construção que havia onde ele estacionou…
Chegando mais perto, vi que não apenas havia afundado e muito, como rasgado a lataria. Feliz eu não estava, mas entrei na sala e abracei o meu pai: – Tudo bem, trocamos o capô e pronto. Na verdade passou-se dois dias para que fossemos procurar um capô, mas aí. já viu. Só encontramos um laranja e sendo um carro que não se fabrica mais, a probabilidade de achar era bem pequena: – Tudo bem pai, pintamos o capô…
Ao chegar em casa, Rogério eufórico pergunta:
– Vai pintar ele de laranja? Não acredito. Minha cor favorita… Respondi que se pintasse, seria verde. Pronto, estava instaurada outra briga.
–Já disse que devia permanecer azul.
– Amarelo fica melhor.
– Mas ela já tem uma peça laranja. Minha irmã parece ter percebido o transtorno que passava por minha cabeça e no limite entre falar alto e gritar, disse que devíamos para de discutir e que quem decidia era eu, a nova proprietária do carro. Meu pai fez menção de reclamar, mas deu sugestão que minha irmã devia dar o voto de minerva. Acho que ela escolheu o lilás apenas para não puxar para o lado de ninguém. Meu pai, no limite do consolo e do resmungo, deu as costas e deixou a sala. Minha mãe chegou perto de mim, pôs as mãos em minha cabeça levantando-a e disse:
– Filha, escolha você. Não tem como você agradar todo mundo com esse fusca…
Fui deitar e aquilo estava me incomodando. Ter o carro azul? Verde? Laranja, amarelo ou lilás? Melhor ir dormir para que esse carro saia da minha cabeça pensei, mas, estava enganado. Em meus sonhos ele apareceu e acordei achando bem sem noção, mas o teto era azul e o capô laranja… era quase meio carro já…
Deixei o carro na oficina com as instruções e claro que levou alguns dias para ficar pronto e então, já era final de semana e a família estava reunida no sítio de meus avós. Disse que chegava depois com ele e se me diverti com todo mundo curioso sobre a cor que eu havia mandado pintar, confesso que agora eu estava tensa. Eu podia ter conseguido desagradar todo mundo ainda mais. Mas agora não tinha mais o que fazer. Era ir e esperar a reação deles. Eu só faria 21 anos semana que vem, mas ver o rosto deles migrar de um espanto coletivo para gargalhadas e todos se abraçando, me chamando de louca e eu sabia que tinha ganho ali o meu presente de aniversário…