ILESSI foto Lorena Dini divulgação

A ‘Dama de Espadas’ Ilessi e a necessária luta contra o racismo

Cadu Costa

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30 de outubro de 2020

A cantora carioca Ilessi lançou, no último dia 9 de outubro, seu novo álbum “Dama de Espadas”. Dona de uma voz poderosa moldada nos palcos da cidade, a intérprete agora também se descobre como compositora e dona de um discurso altamente necessário, bem como focado na visão de uma mulher negra e de como se enxerga no mundo de hoje.

Então, em meio à toda a loucura do lançamento de um disco tão importante, Ilessi encontrou um tempinho para um bate-papo com o ULTRAVERSO. E olha… como rendeu essa entrevista. Confira abaixo um pouco dessa maravilhosa cantora. Com vocês, Ilessi.

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ULTRAVERSO – Ilessi, conta pra nós um pouquinho da sua carreira e da sua história.

ILESSI – Eu comecei a cantar bem nova, aos 17 anos. E gravei meu primeiro disco “Brigador – Ilessi canta Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro” em 2007, lançando somente em 2009. É um disco que tenho muito carinho com muitas participações especiais.
10 anos depois, em 2018, eu lancei meu segundo disco “Mundo Afora: Meada”, produzido pelo Thiago Amude, onde eu apresento um panorama da cena musical brasileira com os compositores da minha geração, aqueles que eu curto. Originalmente era pra ser um disco duplo, mas não rolou por conta da grana mas vai ter uma continuação chamada “Mundo Afora: Do Caminhar”.

‘Mundo Afora: Meada’ foi o disco que conhecemos o seu trabalho e ele parece ter vindo num momento especial.

ILESSI – Foi um disco muito especial pra mim. A ideia era apresentar vários compositores de todas as regiões do Brasil. Nesse primeiro, conseguimos cantar músicas de artistas das regiões do Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. Queremos agora ir pro Norte num segundo projeto.
Eu quero ser um veículo para dar voz a esses compositores que não conseguem colocar seu trabalho acessível a maior quantidade de pessoas. Eu cresci muito com esse disco. Cresci com todos, na verdade.

Seu novo trabalho, ‘Dama de Espadas’ chega também num momento em que as questões raciais são debatidas. E ele vem num discurso forte enaltecendo uma identidade racial muito importante para os dias de hoje. Como foi o processo de criação dessa obra?

ILESSI – Esse disco é resultado de um show que eu fazia em 2017. Eu estava num processo de me descobrir, me assumir como cantora e agora me assumir compositora tem um impacto muito grande nessa coisa de fazer música e ser mulher negra. Foi uma tomada de poder muito importante pra mim.
As coisas foram acontecendo de uma forma muito espontânea. Eu fazia curadoria do Festival Sonora aqui no Rio, um festival de compositoras mulheres, e o projeto era pra ser um show nesse evento. Mas eu fui tomando confiança ao conhecer diversas outras mulheres compositoras e aquilo foi criando um corpo e fui atravessada por muitas coisas da vida, como o racismo, o machismo e aquilo foi criando uma vontade de dizer as coisas que eu queria dizer. Eu queria criar aquela estrutura musical, aquele conceito estético, é um lugar muito meu.
O trabalho teve essa força para me mostrar que eu tinha muita coisa para dizer e não tinha como dar vazão até aquele momento onde me reconheci como compositora e me permitiu me expressar de uma forma artística mais catártica, reveladora e com uma ação mais transformadora.

E como você se sentiu ao se descobrir dessa forma?

ILESSI – Me senti muito transformada. Mais madura, mais corajosa. O disco já nasceu muito pronto porque é muito evidente o que eu queria dizer. É o disco de uma mulher negra falando dela, da sua própria história. Era a necessidade de um passo além no sentido da minha descoberta e me sinto muito feliz com isso.

E o efeito da pandemia na construção desse disco teve impacto?

ILESSI – Para mim, foi muito intenso esse disco ter sido atravessado dentro de um contexto de pandemia do Covid-19. Todas questões raciais sempre existiram, mas isso começou a ter uma visibilidade maior e não tem volta. Estamos causando medo em muita gente. E que bom isso esteja acontecendo.

‘Dama de Espadas’ soa como um disco necessário. Era esse o seu sentimento?

ILESSI – Totalmente. Eu tinha que colocar aquilo pra fora e sabia que esse momento ia chegar mas ainda não tinha achado a via ideal. Acho que aconteceu no momento certo, mais madura. E era necessário falar porque no Brasil ainda acontece um incômodo de ver o negro nas capas de revistas, como apresentadores, como intelectuais, como cientistas, como autores de livros, como protagonistas. Esse incômodo não faz sentido algum.

entrevista Ilessi Lorena Dini divulgação

Foto: Lorena Dini / Divulgação

O Brasil ter sido o último país do mundo a abolir a escravidão tem um impacto muito forte na construção da identidade brasileira, não?

ILESSI – A questão racial tem um impacto nas nossas vidas, na nossa saúde mental, na qualidade das nossas relações. E a gente tem um processo cultural e histórico muito perverso que envolve uma herança de eugenia, uma falsa miscigenação, desse mito de democracia racial. É um projeto político que precisa ser derrubado mas precisa falar disso também. É preciso problematizar as coisas. A gente precisa falar e vamos falar.

A canção ‘Eu Não Sou Seu Negro’, que tem uma fala do saudoso James Baldwin, tem uma visão poderosa. E, juntamente com as músicas ‘Ladra do Lugar de Fala’ e ‘Ilê de Luz’, parece encerrar o disco com uma ideia maravilhosa de que você será ouvida, quer queiram ou não. É isso?

ILESSI – Sim, é muito isso. Na canção “Eu Não Sou Seu Negro”, eu reproduzo essa fala do James Baldwin nos anos 70. E é impressionante como isso tem tanto a ver com a gente. Tivemos um livreco do Ali Kamel chamado de “Nós Não Somos Racistas” e só podemos combater isso com intelectuais como James Baldwin. E como nem todos terão acesso a isso, precisamos da arte. As pessoas não querem ver o impacto mental que o racismo causa na vida do negro.
Nós temos outra cultura, mas eu quis fazer essa ligação com o orgulho negro brasileiro. Temos muita coisa bela aqui. Resistimos com a capoeira, com o samba, com o rebolado, com o Carnaval. É onde o negro se liberta das amarras. E por conta disso, eu senti que precisava de uma coisa alegre. Eles não querem ver a gente assim. Eles querem ver a gente baixando a cabeça ou muito passivo ou muito ‘revolts’. Tem muito essa coisa de ‘vamos sobreviver’ e eu entendo porque é bem sobrevivência mesmo isso que temos. Mas o negro precisa é viver. Viver bem e feliz.

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Então você é artista e acha que não tem muito espaço? Fique à vontade para divulgar seu trabalho na coluna Contra Corrente do ULTRAVERSO! Não fazemos qualquer distinção de gênero, apenas que a música seja boa e feita com paixão!
Além disso, claro, o (a) cantor(a) ou a banda precisa ter algo gravado com uma qualidade razoável. Afinal, só assim conseguiremos divulgar o seu trabalho.
Enfim, sem mais delongas, entre em contato pelo e-mail wilson@ultraverso.com.br! Aquele abraço!

Cadu Costa

Cadu Costa era um camisa 10 campeão do Vasco da Gama nos anos 80 até ser picado por uma aranha radioativa e assumir o manto do Homem-Aranha. Pra manter sua identidade secreta, resolveu ser um astro do rock e rodar o mundo. Hoje prefere ser somente um jornalista bêbado amante de animais que ouve Paulinho da Viola e chora pelos amores vividos. Até porque está ficando velho e esse mundo nem merece mais ser salvo.
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