Lembrando Shirley Temple
Stenlånd Leandro
Falar em Shirley Temple é falar de inocência, meiguice e talento. Combinação perfeita, adicionada ainda a toda doçura revelada nas covinhas de suas bochechas. Seus muitos sorrisos, sempre carregados de toda pureza e leveza de uma criança, conquistaram todo o mundo, tornando-a uma das atrizes mirins mais famosas de todos os tempos. Shirley nos traz toda a magia da infância e nos faz por instantes esquecer de todos os problemas ao nosso redor, apenas viver seus sonhos de criança. Por isso recebeu o carinhoso apelido de “American Little Darling”, e por que não dizer também, nossa “Brazilian Little Darling”. Afinal esta pequena garotinha feliz e sorridente tem um lugar reservado no coração de todo cinéfilo brasileiro. Não há quem não goste desta bonequinha de cachinhos louros e vestidinho boneca. No dia 10 de fevereiro, o mundo perdeu um pouco do seu brilho ao se despedir da pequena, que aos 85 anos morreu em sua casa, por causas naturais. Deixou um legado vivo, salvo em sua voz doce nos seus muitos filmes. Temple sempre será lembrada como a menininha que encantou o cinema com seu talento e inocência.
A carreira artística de Shirley Temple foi planejada por sua própria mãe, a qual criou sua imagem e a impulsionou. Aos três anos, já com talento no sapateado, participou dos curtas “Baby Burlesks”, uma série de paródias com pequenas crianças imitando atores adultos. A partir de então participou de uma série de filmes. Com naturalidade conseguiu conquistar um grande estúdio chamado Fox. Lá permaneceu até trocar os filmes infantis por filmes mais adolescentes. Shirley tinha apenas três anos de idade quando iniciou sua carreira artística, uma criança prodígio que deixava de boca aberta produtores, diretores e coreógrafos. Como explicar o impressionante talento de uma criança de apenas três anos? Toda sua genialidade era nata, Shirley atuava, cantava e dançava como se pensasse que tudo aquilo fosse comum e que toda criança fosse capaz de fazer.
Não demorou ao receber seu primeiro Oscar, com apenas seis anos de idade. Na época da Grande Depressão, com a quebra da bolsa de 1929, Shirley salvou a Fox de um colapso, conseguindo garantir os lucros. Recebeu inclusive um agradecimento do próprio presidente Roosevelt por ajudar o país a sorrir em um momento complicado.
Era uma criança com grande expressão artística, mesmo sendo praticamente um bebê, conseguia passar emoção em uma cena, causar risos em seu público, assim como o comover. Além de atuar, podia cantar e tinha uma doce voz. Como dançarina, seus pés eram assustadoramente ligeiros. Conseguia realizar números sofisticados de sapateado. Suas pernas muito curtas e seus pequenos pés deixavam transparecer toda a habilidade que possuía. Um talento nato, como explicar tanta agilidade em uma criança tão pequena?
A mesma agilidade no sapateado aparecia também em casa, ao decorar suas falas. Relatos apontam que a pequena se divertia com seus papéis. À noite, ao passar o texto com sua mãe, conseguia decorar não apenas suas falas, mas de todo o elenco. Shirley conseguia memorizar falas e sapatear antes mesmo de aprender a ler. No dia seguinte, na gravação, sabia a fala de todos. Com inocência, ia ao auxílio dos adultos quando estes se enrolavam em seus textos ou trocavam alguma palavra.
Muitos foram os colegas de trabalho de Shirley Temple, que embora sendo uma criança, atuou ao lado principalmente de adultos. Entre eles estão Carole Lombard, Gary Cooper e Spencer Tracy.
Shirley era a atriz mais rentável da Fox dos anos 30. Porém, ao considerar sua pouca idade, é provável que a princípio não fazia ideia do que isso significava e de quem havia se tornado. Ator infantil e amigo de Shirley, Delman Watson deixou claro uma vez em entrevista toda a pureza e simplicidade da pequena atriz. Segundo Delman, Shirley pensava que todas as crianças trabalhavam e que todas iam ao estúdio, ela não sabia o quão única sua vida era, em sua cabeça, sua infância era comum como a de qualquer outra criança.
Sua vida “comum” se resumia em trabalhar muito. Em 1934 Shirley chegou a atuar em oito filmes apenas neste ano, recebendo um aumento de salário e uma boneca de si mesma. Shirley era mimada por todos no estúdio. Todos os atores a tratavam aos mimos e os visitantes mais ilustres do estúdio não deixavam de perguntar se poderiam conhece-la. Entre eles até mesmo Walter Disney, das mãos de quem Shirley inclusive recebeu um Oscar em 1939.
Sendo uma atriz mirim especial no estúdio, a Fox disponibilizou para ela um grande camarim, uma área enorme para brincar, professores apenas para ela, festas de aniversário e até mesmo um mini carro estilo de corrida. Em resposta a tantos mimos, a então adulta Shirley Temple uma vez reconheceu, “tenho orgulho de ter crescido em Hollywood. E quem não teria?”
A pergunta final de Temple é um pouco inquietante, pois afinal não é segredo que os estúdios de Hollywood colocavam os atores mirins sobre pesada carga horária e drogas. Porém, no caso de Shirley, com sua mãe presente a todo momento e tomando conta da filha, o estúdio não teve oportunidade para isso.
Nas gravações de filmes, Shirley era acompanhada por guarda-costas do camarim até o set de filmagem. Quando as gravações se encerravam, os mesmos a levava de volta. O medo era que Shirley se queimasse de sol no caminho e também de possíveis sequestros. O estúdio não queria que nada acontecesse com seu maior trunfo.
A todo tempo queriam adotadar a pequena Shirley, não apenas em suas personagens nos seus filmes, mas também pelos demais estúdios, que a ofereciam propostas tentadoras. A MGM, por exemplo, tentou comprar a menininha para o filme “O Mágico de Oz”, de 1938. Porém a Fox não permitiu e o papel de Dorothy ficou para a consagrada atriz Judy Garland, que protagonizou o filme com notório talento e perfeição. Para Shirley neste ano, ficou o filme “The Little Princess”, o qual ela se divertiu nas filmagens e foi seu primeiro filme colorido.
Descrita pelos colegas de trabalho como “gentil e profissional”, a pequena garotinha de cachinhos louros cresceu e se tornou uma bela adolescente. Muitos alegam que ao crescer Shirley perdeu algo, talvez a inocência em seus olhos e todo seu ar infantil. Continuou a fazer filmes, mas disse adeus a Fox. Era hora de sair de “casa” e seguir outros caminhos. Seu primeiro passo foi começar a frequentar a escola e ser uma criança mais normal. Teve seu primeiro beijo na tela aos 14 anos de idade e aos 18 anos já tinha um papel mais maduro em um filme com Cary Grant, chamado “The Bachelor And The Bobbysoxer”, 1947.
No campo pessoal, quando criança Shirley não tinha muito contato com crianças de sua idade. Tinha uma melhor amiga, que era sua dublê nos filmes e alguns outros atores mirins, os quais cresceram com ela e a convidariam para festas ao chegarem na adolescência. Shirley também conhecia Judy Garland, Mickey Rooney, Deana Durbin e Elizabeth Taylor, os mais famosos atores mirins de sua época. Porém, por ser bem mais nova que estes, nunca chegou a ter muito contato.
Casou-se cedo, com apenas 17 anos. Seu primeiro marido foi o soldado John Agar. O casal teve uma filha, chamada Linda Susan, porém separaram em 1950. O motivo foi o alcoolismo de John Agar. Em uma viagem para o Havaí com seus pais e sua filha, Shirley conheceu Charles Alden Black, com quem ficou casada até a morte dele em 2005. O casal teve dois filhos, Charles Alden Black Jr. e Lori Black.
Uma vez em entrevista Shirley falou, “minha vida é agora, recuso-me a viver de passado”. Dito e feito, em 1974 entrou para política, nomeada embaixadora dos EUA na Checoslováquia e entre 1989 e 1992 embaixadora no Gana.