Livro infantil conta história de amor entre duas mulheres

Giselle Costa Rosa

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17 de novembro de 2015

Tempos pós modernos com um fato que ocorre há séculos (mesmo que sob os panos). A história do livro é um conto de fadas clássico: Num reino muito distante mora uma princesa chamada Cíntia, prometida desde pequena para o príncipe do reino vizinho. Uma fada madrinha muito bondosa, preocupada com a ideia de a afilhada ser obrigada a se casar com alguém que talvez não amasse, lançou-lhe um encanto: “Princesinha, crescerás e saberás quem é o seu verdadeiro amor assim que essa pessoa lhe tocar as costas!”

Pois bem, o tempo passa e o casamento entre Cíntia e o príncipe acaba sendo marcado. Eles não se amavam, mas eram amigos. Quando a princesa conheceu Ishtar, a costureira que faria seu vestido de noiva, a profecia se confirma. Ela se apaixonada por uma mulher. “A tradição dizia que uma mulher tinha que amar um homem. E agora, seria jogada na rua por amar uma mulher? Seria condenada a um casamento forçado apenas para cumprir o que era esperado pela tradição? Como faria para que todos entendessem que esse amor era tão amor quantos outros amores? Seria melhor fugir do reino?” (Pág 19.)

A Princesa e a Costureira, da escritora Janaína Leslão, que também é psicóloga formada pela Unesp, Conselheira do CRP- SP, o Conselho Regional de Psicologia, e militante das causas feministas e dos LGBT´s, aborda esse universo cada vez mais falado na mídia. O livro será lançado no dia 26/11, às 17h30, na Unifesp Baixada Santista. E já está em pré-venda pelo site da editora e estará disponível na Livraria Cultura a partir do mês de dezembro.

A autora deu uma entrevista ao blog “Ser mãe é padecer na internet” da jornalista Rita Lisauskas na versão online do Jornal Estadão, nesta terça-feira, 17 de fevereiro. Confira abaixo:

Blog: Esse é seu primeiro livro? Como surgiu a ideia de escrever um livro infantil sobre o amor de duas mulheres?

Janaína Leslão: Este é meu primeiro livro. Embora seja um conto de fadas, foi escrito pensando em pré-adolescentes e adolescentes. Nesta idade, quando muitos começam a prestar atenção nas outras pessoas, quando começam a “gostar de alguém”, as únicas referências são as heterossexuais. Desde criancinhas somos bombardeados com contos de diversas origens e enredos, mas que colocam como única possibilidade de felicidade a moça ser salva da morte, da pobreza ou da tristeza por um príncipe encantado e ser feliz para sempre. Em primeiro lugar acho muito complicado a moça não ter escolha, bastando a ela ser escolhida. Nem sempre a mocinha e o príncipe vão dar certo juntos. Apesar dos contos de fadas tradicionais, garotas também se interessam por garotas e rapazes por outros rapazes. Então, quando isso acontece na vida real, gera muito sofrimento por não haver um referencial prévio de que isso é possível em algum lugar.

Janaína Leslão: O conto foi escrito em 2009 e está registrado na Biblioteca Nacional desde 2010. Foi recusado por aproximadamente 20 editoras nesses anos todos. Quando estava quase desistindo achei a Metanoia Editora, que ficou animada com a possibilidade de publicar a história com esse teor de ineditismo. E pronto, o livro está em pré-venda.

Sobre os responsáveis pelas crianças e adolescentes, espero que possam se apoiar na história para conversar sobre a diversidade das pessoas e o respeito às diferenças. Para muitos adultos esse tema é bem complexo, e nada melhor que uma historinha para descontrair e ajudar no diálogo. E cada família vai usar suas próprias palavras, suas próprias referências para conversar com a criança, se achar necessário. Não ficamos debatendo infinitamente sobre o fato de a Branca de Neve estar em um caixão de vidro, ser beijada, reviver e viver feliz para sempre com alguém que ela sequer conhecia.

Blog: A princesa Cíntia e sua irmã, Selene, são negras. Você fez essa indicação ao ilustrador ou foi uma ideia dele?

Janaína Leslão: Sim, eu queria que as princesas fossem negras. Quase todas as características dos personagens, como o cabelo e tom de pele, por exemplo, foram descritas ao ilustrador. Já a Fada Madrinha foi criação dele (o ilustrador Junior Caramez). Adorei o turbante afro que ele colocou nos cabelos dela. Embora eu não tenha pedido, faz todo sentido ela ser negra, afinal a princesa Cíntia é negra também!

Blog: Você afirma ter se aproximado das questões de gênero no atendimento à vítimas de violência e como militante feminista e da causa LGBT. O que já viu nesses anos de atendimento?

Janaína Leslão: Na militância e na vida em geral temos muitos exemplos de famílias que discriminam um dos seus por ter uma orientação sexual diferente do que eles esperavam. Lembro muito de uma história que realmente me tocou -um adolescente foi expulso de casa porque seu padrasto não aceitava que fosse gay. Ele não tinha trabalho e nem como se sustentar  Há outras histórias de mulheres que “moram com a amiga” há 20 anos e a família só convida a filha, e não a companheira, para a Ceia de natal, para os aniversários e casamentos. É muito triste.Blog: Você afirma ter se aproximado das questões de gênero no atendimento à vítimas de violência e como militante feminista e da causa LGBT. O que já viu nesses anos de atendimento?

Por outro lado já ouvi histórias lindas de rapazes e moças que tinham muito receio de contar para a família que estavam namorando e, surpreendentemente, ouviram “continuo te amando e ponto!” É lindo! As pessoas se amam de forma inteira, sem ressalvas por esse ou aquele fato que, no final das contas, não interfere na vida de mais ninguém.

Blog: O livro tem um final feliz, como todos os livros de princesas e príncipes. Em tempos de intolerância, é possível um final feliz na vida real para quem se apaixona por alguém do mesmo sexo?

Janaína Leslão: Claro que é possível. E por que não seria? É verdade que a “torcida contra” é grande. Quando uma moça fala que vai se casar com um rapaz todos fazem festa, chá de cozinha, despedida de solteiro, dão presentes, contribuem para lua de mel, comparecem à cerimônia.  Se um dia esse casal entra em crise, há uma legião de aconselhadores para que superem os desentendimentos. Se uma moça fala que vai casar com outra moça, todos perguntam se ela “tem certeza”. Na maioria das vezes não fazem um ritual para o enlace, não há lua de mel e a desconfiança sobre a durabilidade da relação é uma constante entre os amigos e família. Se um dia elas entrarem em crise, há uma legião de pessoas para dizer que desde o princípio achava que não daria certo. Sem o apoio de família e amigos, sem serem recebidas como uma família, as chances de acharem que de fato tudo não passou de um grande engano aumentam em proporções absurdas!

Blog: Muitos acreditam que apresentar esse tipo de história às crianças é incentivá-las a serem homossexuais. Queria que você explicasse se uma história como a que você escreveu tem o poder de ditar a orientação sexual de uma criança.

Janaína Leslão: Como ser humano e observadora das relações, sei que se perguntarmos para um homem que passou a vida toda gostando de mulheres se foram os contos de fadas que o influenciaram em sua preferência ele vai dizer que não, talvez até ache a questão absurda. Por outro lado, na minha página, há vários depoimentos de rapazes e moças que dizem sempre terem sido influenciados a serem heterossexuais por suas famílias e ou religiões, mas que nenhum esforço, incentivo ou castigo as impediu de serem homossexuais. Ou seja, um conto de fadas com esse teor jamais influenciará na orientação sexual de quem quer que seja. Se fosse assim a humanidade seria 100% heterossexual. 

Blog: É preciso explicar às crianças que duas pessoas do mesmo sexo podem se amar?

Janaína Leslão: A gente não explica que pessoas de sexos opostos se amam. As crianças inicialmente sequer têm noção de “sexo das pessoas”. As pessoas se amam e pronto. Não existe um grande evento para dizer que papai e mamãe são de sexo diferentes. Então não precisa ter cerimônia para dizer que a prima namora aquela outra moça ali, que é bem legal. As coisas tem que ser tratadas com naturalidade para que sejam sentidas como naturais. Sei que parece difícil, mas não é impossível. Ninguém é igual a ninguém, cada ser é único e, por isso, a diferença é a regra a ser reconhecida e acolhida e não exceção a ser combatida.

A editora de “A Princesa e a Costureira”, Lea Carvalho, também falou ao blog.

Blog: Como foi receber o projeto desse livro para publicar?

Lea Carvalho: Foi uma grande alegria! A Metanoia é uma das poucas editoras do Brasil que se dedica à publicação sobre gênero e sexualidade, então, quando nos chegou o original de “A Princesa e a Costureira” logo nos propusemos a editá-lo, até porque entendemos que livros como este, que naturalizam as relações de afeto, são ferramentas importantes para família e professores ensinarem nossas crianças e adolescentes a lidarem com a diversidade humana sem preconceitos.

Blog: Quem é o público do livro e qual a importância dele?

Lea Carvalho: O livro pretende alcançar famílias e escolas que estejam dispostas a desconstruir preconceitos com suas crianças e adolescentes. Mais do que tolerar, é importante educar a nova geração de pessoas para a aceitação e o respeito à diversidade humana, seja ela cultural, religiosa ou sexual.

A sexualidade em nossa sociedade é pouco discutida fora do viés médico-biológico. No entanto, é tratada pela religião como pecado, pelas famílias com silêncio e moralismo, pela escola com omissão, pela mídia como bizarrice e todos esses fatores ajudam a perpetuar o preconceito e a exclusão contra pessoas LGBT. Já passou da hora de todos os segmentos da sociedade entenderem do que trata a sexualidade humana e suas formas de expressão e, a partir daí, desconstruirmos os mitos e tabus criados, em prol de uma coexistência respeitosa e pacífica entre todas as pessoas.

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
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