Crítica de Filme | Os Oito Odiados

Bruno Giacobbo

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6 de janeiro de 2016

Quentin Tarantino é um cineasta surpreendente. Dos mais instigantes do atual cenário hollywoodiano. Com reviravoltas sensacionais e personagens marcantes, seus filmes podem ser tachados de várias coisas, menos de previsíveis. O principal motivo desta falta de previsibilidade é o fato dele ser o autor de quase todas as histórias que filmou. Com uma única exceção, o excelente “Jack Brown” (1997), que é uma adaptação de um romance policial de Elmore Leonard, todas as suas demais obras saíram daquela cabeça criativa. E mesmo neste trabalho, ele deu um jeito de mostrar que aquele era um típico produto tarantinesco: a personagem título, que no livro era ruiva, foi interpretada pela atriz Pam Grier. Uma clara homenagem ao blaxploitation, movimento cinematográfico dos anos 70, onde as películas eram produzidas, dirigidas e estreladas, exclusivamente, por negros e pelo qual nutre verdadeira adoração. Ao revelar o teor de Os Oito Odiados, seu oitavo longa-metragem, o diretor suscitou uma discussão sobre a originalidade do novo projeto, já que o anterior, “Django” (2012), também era um western. No entanto, qualquer dúvida a este respeito é dirimida no primeiro olhar.

A trama é sobre um grupo que é obrigado a passar uma noite junto, dentro de uma estalagem, no interior do Wyoming, alguns anos após o fim da Guerra da Secessão (1861 a 1865), para fugir de uma forte nevasca. Os tipos ali são bem heterogêneos. Existem dois caçadores de recompensa, John Ruth (Kurt Russell), conhecido pela alcunha de “O Carrasco”, e Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), um ex-militar nortista, que precisam chegar a Red Rock. O primeiro está levando Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), uma prisioneira perigosa, condenada à morte por um crime não nos é informado. Em busca de abrigo, o caminho deles se cruzará com o de Chris Mannix (Walton Goggins), o novo xerife da cidade para qual estão indo. Filho de um oficial do exército sulista, ele carrega um preconceito intrínseco a negros e homens do norte. Uma vez no refúgio, o quarteto encontrará os demais personagens que darão sentido ao nome do filme: o General Stanford Smithers (Bruce Dern), o mexicano Bob (Demián Bichir), o vaqueiro Joe Gage (Michael Madsen) e Oswaldo Mobray (Tim Roth).

As principais características dos filmes de Tarantino estão presentes aqui. As já citadas reviravoltas surpreendentes e personagens marcantes; mais a estrutura narrativa dividida em capítulos, seis ao todo. Nada que surpreenda os fãs mais ardorosos, fora as próprias surpresas que o enredo em si reserva. Contudo, há outra característica que faz Os Oito Odiados não soar como mais do mesmo, quando comparado ao restante da filmografia prévia: sua teatralidade. Dos 167 minutos de duração, em que boa parte são gastos com uma cuidadosa construção e apresentação dos personagens, 90% da história se passa na estalagem. Ou seja, praticamente um cenário. A aposta neste tipo de obra é sempre arriscada. O resultado pode ser cansativo, devido à mesmice visual e a ação limitada a um ambiente claustrofóbico; ou frenético, se for calcado em um texto que cative a atenção do público e interpretações inspiradas. Com a usual verborragia do diretor em plena forma e a escalação de alguns de seus atores favoritos, a balança pendeu para a segunda opção.

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No campo das atuações, Jackson e Goggins puxam a fila em um elenco repleto de ótimos intérpretes e roubam a cena. Seus desempenhos são magistrais e dignos de nota. Chega a ser estranho que, em plena temporada de premiações, nenhum dos dois apareça nas listas de possíveis indicados ao Oscar. Apenas Leigh, igualmente brilhante, está bem cotada. Na boca deles e no contexto histórico da trama, a palavra nigger (em inglês, o equivalente a crioulo), proferida em profusão, adquire uma conotação cômica. Não dá para se ofender. E se não fosse suficiente ter este duo tão afiado, texto e interpretações, o filme possui um fotografia primorosa, que vai do branco ofuscante da neve ao cobre amadeirado do refúgio, assinada por Robert Richardson, um cracaço no seu ofício; e uma trilha sonora das mais inspiradas já feitas pelo mestre Ennio Morricone, que embala e sublima todos os grandes momentos que vemos na telona. Apesar de não ser propriamente uma parte da trilha, há um trecho musicado em que a canção tocada ao piano contrasta com aquela que, seguramente, não é uma noite feliz. Simples e genial.

Em diversas entrevistas, Tarantino afirmou que sua inspiração para Os Oito Odiados foi a série Bonanza (1959 a 1973), um dos maiores sucessos da história da televisão norte-americana, que narrava a luta de um rancheiro e seus três filhos para manter a propriedade deles a salva de malfeitores. Entretanto, pode se notar, também, uma forte influência de westerns clássicos como, por exemplo, “Onde Começa o Inferno” (1959), de Howard Hawks, e “O Bom, o Mau e o Feio” (1966), de Sérgio Leone. A semelhança com o primeiro vem das cenas em lugares fechados; com a obra-prima italiana a proximidade é delineada, especificamente, por uma passagem que evoca o memorável e fumegante impasse protagonizado por Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach. De um jeito ou de outro, os personagens de Russell, Jackson e Goggins são herdeiros diretos destes homens duros e com deturpado senso de justiça, ainda que um deles, devido a uma decisão de roteiro, nos faça lembrar de Vincent Vega (John Travolta), em “Pulp Fiction” (1995).

Desliguem os celulares e excelente diversão.

FICHA TÉCNICA:
Direção e roteiro: Quentin Tarantino.
Produção: Richard N. Gladstein, Shannon McIntosh e Stacey Sher.
Elenco: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Walton Goggins, Demián Bichir, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern, James Parks, Channing Tatum, Dana Gourrier, Zoë Bell, Lee Horsley, Gene Jones, Keith Jefferson, Craig Stark, Belinda Owino e Quentin Tarantino.
Trilha Sonora: Ennio Morricone.
Direção de Fotografia: Robert Richardson.
Montagem: Fred Raskin.
Duração: 167 minutos.
País: Estados Unidos.
Ano: 2015

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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