Os 40 anos de The Rocky Horror Show
Alan Daniel Braga
Numa noite tempestuosa, um casal de intelectuais – apaixonados, inocentes e virginais – está a caminho da casa de um ex-professor e acaba perdido em uma estrada. Ao tentar desviar de uma via sem saída, o pneu do carro fura e eles decidem pedir ajuda. O local mais próximo é um antigo e assustador castelo e, certos de que lá haverá um telefone, os dois rumam em direção à luz. Recebidos por um bizarro mordomo, descobrem que o dono da casa, um libertino cientista, dá uma festa em comemoração à sua nova criação: um homem loiro, alto e forte construído para… Aliviar as tensões de seu criador. A partir daí, um simples telefonema leva o casal a uma jornada que os fará revelar e viver seus segredos mais íntimos.
The Rocky Horror Show começou como uma grande e debochada homenagem às ficções científicas e filmes B de terror que tomaram os cinemas a partir do fim dos anos 1940. Escrita pela cabeça explosiva de Richard O´Brien, a obra terminaria recheada de humor, sexualidade, referências pop e do rock dos anos 50.
Em 19 de junho de 1973, a montagem original, com produção e direção de Jim Sharman, estreava em um pequeno espaço do Royal Court Theatre, em Chelsea, Londres. O elenco já contava com nomes como Tim Curry, Patricia Quinn, Nell Campbell (a Little Nell) e o próprio autor, Richard O´Brien, que mais tarde imortalizariam no cinema os personagens que interpretavam nos palcos. O sucesso fez com que a peça conquistasse o produtor musical Jonathan King, que apostou na trilha sonora, e garantisse uma longa trajetória por diversos espaços, totalizando sete anos ininterruptos em terras britânicas.
O caminho natural foi o debut internacional. Em março de 1974, o produtor Lou Adler levou a peça para o Roxy Theatre de Los Angeles. Tim Curry foi na bagagem e, ali, o cantor Meat Loaf, que também entraria para o elenco mais memorável, entrou para a trupe. O sucesso local chamou a atenção da 20th Century Fox, que fechou um contrato com Sharman e O´Brien para a versão cinematográfica. Ainda em 1974, a peça estreou na Austrália e, em 1975, antes do filme ser lançado – e na tentativa de servir de chamariz para este – a peça foi levada por Lou Adler para a Broadway. Desta vez, foi um fiasco. Foram apenas 45 apresentações antes do fechamento das portas.

Cena de The Rocky Horror Picture Show com Little Nell (à esquerda), Patrícia Quinn (acima), Tim Curry (ao centro) e Richard O´Brien (à direita).
Com Barry Bostwick e uma quase angelical Susan Saradon dando vida ao casal principal, o longa-metragem da Fox foi lançado em agosto de 1975, com uma recepção também muito morna. Na verdade um elefante branco que a princípio não decolou. As cópias foram retiradas até que a distribuidora descobrisse o caminho que levaria a obra para sua mais bem sucedida trajetória. Na época, filmes B ou considerados “estranhos”, como o cultuado Pink Flamingos, começavam a tomar os cinemas em sessões de madrugada. Foi assim que The Rocky Horror Picture Show fez sua reestreia em abril de 1976, no Waverly Theatre de Nova York. Foi como cult, reunindo seguidores no underground, que o filme seguiu por anos, chegando a ocupar mais de 230 salas por todo os Estados Unidos em 1979. A diversão era garantida nas sextas e sábado, quando as convenções se reuniam para repetir trechos do filme, interagir com a tela, dançar e gargalhar com novas criações. Em 1980, o filme Fame tornou a prática da “audience participation” ainda mais conhecida. (Em alguns lugares do mundo, é tradição até hoje.)
Em 1981, com o buchicho e a legião de fãs que se formava, Richard O´Brien e Jim Sharman, com suporte da Fox, Lou Adler e Cia, tentaram uma sequência para o filme. ‘Shock Treatment’ trazia o mesmo casal do filme anterior, agora interpretado por outros atores (contando com Jessica Harper, a Phoenix de O Fantasma do Paraíso), em uma trama sobre loucura e o comportamento de uma sociedade televisiva. Mesmo que trouxesse o tradicional trio O´Brien, Quinn e Little Nell, a película naufragou, mesmo nas sessões de madrugada.
O tempo passou… E ao chegar aos 40 anos com centenas de remontagens, uma versão cinematográfica cult e músicas cantadas em diversas línguas, The Rocky Horror Show mostra que se comunicou e hoje é mais que mera brincadeira, homenagem ou musical B que deu certo. The Rocky Horror Show é comportamento. É aceitação. É abrir a cabeça. É deixar a convenção e o moralismo de lado. E é a vontade que todo ser humano tem de transgredir. Nem que seja um pouco. Nem que seja por duas horas. Você não precisa andar travestido, ter relações sexuais com estranhos, ter desejo pelo mesmo sexo ou ser um rebelde sem causa. Basta aceitar as loucuras de todos nós. Basta deixar os entraves e fazer a música rolar. Divirta-se. Com a vida, com o amor, com o sexo e com tudo que for meio disforme em você.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
Direção: Jim Sharman
Roteiro: Jim Sharman, Richard O’Brien
Elenco: Tim Curry, Susan Sarandon, Barry Bostwick, Richard O’Brien, Patricia Quinn, Little Nell, Charles Gray, Jonathan Adams, Peter Hinwood e Meat Loaf.
Produção: Michael White
Fotografia: Peter Suschitzky
Duração: 100 min.