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A cor do Oscar: racismo, premiações de cinema e seus desencontros

Victor Lages

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24 de abril de 2021

Com o Oscar 2021 chegando no próximo domingo (25), a questão do racismo continha bastante em voga. Embora este ano tenhamos tido um bom número de indicações de filmes com esta temática, bem como atores negros, ainda é um assunto bastante pertinente.
Vamos começar a discussão pautando-nos em dois discursos de agradecimento de prêmio. O ano é 1940, quando Hattie McDaniel, atriz de “… E o Vento Levou”, ganha o primeiro Oscar dado a um artista negro na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante. Chorando, ela disse: “Espero, sinceramente, que eu seja sempre digna para a minha raça e para a indústria cinematográfica”.
O tempo passa e chegamos a 2002. Ano em que Halle Berry se torna a primeira negra a ganhar o Oscar de Melhor Atriz, falando que “esse momento é muito maior que eu; é um momento para Dorothy Dandridge, Lena Horne, Diahann Carroll e tantas outras como eu”.
Portanto, o que esses dois discursos têm em comum? Ambos colocam não só a comunidade negra em evidência nas artes, como também as mulheres. No entanto, não se vê, ao menos de maneira superficial, uma mudança significativa na estrutura da indústria audiovisual. Talvez, como veremos ao fim do texto, no máximo, há um grande movimento de idas e vindas na questão de representatividade dentro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

#OscarsSoWhite

Por exemplo: nos anos de 2015 e 2016, o Oscar foi assombrado pela hashtag #OscarsSoWhite, que levantou questões e debates sobre racismo e a falta de reconhecimento de profissionais afrodescendentes pela Academia. Nesses dois anos, nenhum ator ou atriz negra foi indicado nas categorias principais. Isso levou diversos artistas a protestarem. Spike Lee, assim como Jada Pinkett Smith e seu marido Will Smith foram alguns que se movimentaram para boicotar o Oscar. No palco, contudo, o prêmio era apresentado por Chris Rock, que, em seu monólogo de abertura, disse:

“Não é uma questão de boicotar nada, mas nós queremos oportunidades. Os atores negros querem as mesmas oportunidades. É isso. E não só uma vez. Leo (DiCaprio) tem bons papéis todos os anos. Vocês todos conseguem todos os anos. E os atores negros? Olhem Jamie Foxx. Jamie Foxx é um dos melhores atores do mundo, cara. Jamie Foxx estava tão bom em Ray, que eles foram ao hospital e desligaram os aparelhos do verdadeiro Ray Charles”.

O tom era de humor, mas a acidez no discurso de Rock era verdadeira. Aliás, justíssima. Naqueles anos, ótimos filmes, com ótimas interpretações e ótimas oportunidades estavam ali. Como Um Homem entre Gigantes, Beasts of No Nation e a cinebiografia de Martin Luther KingSelma, por exemplo. Todos esses foram ignorados, exceto pelo último que foi indicado apenas a Melhor Filme e Melhor Canção Original.

2017: um ano histórico

Mas aí vem 2017 e um questionamento que talvez nunca seja respondido. O Oscar quis se provar menos racista ou a própria indústria cinematográfica abriu os olhos para outras possibilidades? Na grande verdade, o que possivelmente aconteceu foi a Academia reconhecer a necessidade de se alinhar aos movimentos sociais. Dessa forma, ela assumiria um compromisso (tardio, por sinal) com a representatividade devido às movimentações de base, principalmente via redes sociais (como visto pela hashtag), feitas pelos grupos.
E esse compromisso veio “de cima para baixo”, dos negros ricos, famosos e bem-sucedidos para os consumidores da arte que querem se ver nas telas. Daí veio o estrondoso sucesso do filme de super-herói Pantera Negra.
Mas, afinal, o que pode mudar dentro da instituição? Além disso, num macroscosmo, na indústria quando os negros ocupam espaços de visibilidade e reconhecimento? Em um humilde palpite, tudo pode mudar, das narrativas às perspectivas, das histórias aos públicos, como vimos em 2017.
Esse ano, aliás, entrou para a história por ser a cerimônia com mais indicados afrodescendentes. Depois desses dois anos embranquecidos, essa foi a primeira vez em que havia atores negros lembrados nas quatro categorias de atuação. Havia uma montadora negra (Joy McMillon, por Moonlight: Sob a Luz do Luar); um diretor de fotografia negro (Bradford Young, por A Chegada); uma diretora negra documentarista (Ava DuVernay, por A 13ª Emenda); e tivemos a segunda vitória de um filme na categoria principal dirigido por um cineasta negro (o primeiro foi Steve McQueen por 12 Anos de Escravidão e, neste ano específico, Barry Jenkins, por Moonlight).

Não foi bem assim

Mas isso foi 2017 e, pelo visto, marcou fortemente a história da Academia. Mas até que ponto? O estudo de Donald Bogle e as últimas vitórias de artistas negros no Oscar revelam que a questão do racismo não mudou totalmente.
Bogle, historiador de cinema norte-americano, desenvolveu uma pesquisa sobre os estereótipos da representação do negro em Hollywood no início do século XX. Segundo seus resultados, há sempre uma figura masculina bondosa e submissa disposta a sempre servir os brancos; a semelhante figura feminina; o tolo e preguiçoso que dá o tom cômico aos filmes; o sofredor e/ou abusivo; e o traiçoeiro e violento.
Já se passaram quase 100 anos da identificação desses estereótipos, mas pouco está diferente. Viola Davis venceu seu Oscar em 2017 por Um Limite entre Nós, interpretando uma mãe submissa a seu marido opressor e Mahershala Ali ganhou nesse mesmo ano por Moonlight como um traficante que exerce uma persona paternal ao protagonista.
E o que aparentava ser uma transformação, acabou se relevando uma “tendência apaziguadora” por conta da Academia. Em 2018, o único filme com essa temática que figurou entre os principais foi Corra!, de Jordan Peele, roteirista e diretor que foi o quinto negro a ser indicado na categoria de direção em todos os 91 anos de premiação.

Mudanças na Academia

Em julho deste ano, 928 novos nomes foram convidados a entrar como membros votantes do Oscar. Sendo 49% mulheres e 38% negros. Como possível consequência, em 2019, Spike Lee foi o sexto diretor indicado a Melhor Direção, com Infiltrado na Klan, e vimos uma quebra de recordes na entrega de prêmios do ano passado: sete estatuetas foram dadas a profissionais negros, 15 para mulheres e, das três atuações negras que competiam com as demais brancas, duas ganharam, sendo elas Regina King, como Melhor Atriz Coadjuvante por Se a Rua Beale Falasse, e Mahershala Ali, como Ator Coadjuvante por Green Book: O Guia.
Mas 2020 chegou e, novamente, derrubou todo o movimento por água abaixo. Apenas Cynthia Erivo teve sua interpretação reconhecida nas categorias de atuação por Harriet.
Então, 2019 é para essa década o que 2002 foi para a passada. Halle Berry, por A Última Ceia (vivendo a viúva de um ex-presidiário), e Denzel Washington, por Dia de Treinamento (encarnando um policial corrupto), levaram como Melhor Atriz e Ator, num momento único que fez muitos acreditarem em mudanças a respeito do racismo, ainda que mostrasse o estudo de Bogle vivíssimo nesse Oscar.

Além dos melhores do ano

Podem estar ocorrendo transformações, numa montanha-russa de “ano sim, ano não, há espaço”, mas elas estão tão invisíveis ao olho nu que fazem quase crer que o buraco realmente é mais embaixo e é algo muito maior do que só um prêmio dado aos “melhores do ano”. Como bem colocou Celso Fernando Claro de Oliveira, jornalista do Café História e co-autor do livro Reflexões sobre a representação do racismo no cinema brasileiro:
Basta lembrar que as vitórias de Halle Berry e Denzel Washington na cerimônia de 2002 foram vistas à época como “divisores de águas” na relação dos atores negros com o Oscar, mas que revelaram ter pouco resultado prático no combate ao racismo.
Não podemos esquecer que muitos dos profissionais negros indicados ou vencedores do Oscar dificilmente conseguem repetir o feito, bem como é possível observar que a carreira de muitos desses nomes se estagnou logo após o reconhecimento por parte da Academia. Assim, apesar de algumas transformações significativas, algumas barreiras permanecem.
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Victor Lages

Feito no coração do Piauí, onde começou sua aventura cinematográfica depois de descobrir as maravilhas do filme “Crepúsculo dos deuses”, o jornalista Victor Lages ama tanto a sétima arte que a leva para tudo em sua vida: de filosofias do cotidiano à sua dissertação de mestrado.
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