Pago para dormir
Demétrius Carvalho
Não que eu seja pago para dormir. Também não quer dizer que eu pago para dormir. Não é verdade também que me pagam para que eu durma, mas na prática eu durmo e me pagam. Quer dizer, eu deveria estar prestando muita atenção para depois relatar o que vejo e assim receber, mas eu durmo. As pessoas no entanto dizem que eu faço o meu trabalho de uma forma primorosa, mas quer saber? É tão tedioso e não entendo nada do que está acontecendo e por isso durmo…
Na verdade, eu não tenho muitas habilidades. Não era bom com números, a área de humanas é muito complexa, a da saúde então nem se fala. Habilidades musicais ou esportistas eu sequer estava entre os medianos da turma. Eu era um cara que não conseguia prestar atenção em nada e então eu passava o dia no computador. Fosse jogando games, conversando com amigos, ou fazendo o que fosse e assim, tanto usava o pouco do inglês que eu sabia, como era estimulado a aprender mais. Isso durou uns 5 anos. Um ciclo vicioso. Aprendia inglês por causa dos games e não saia dessa vida ociosa. Isso só me incomodava na verdade por que incomodava a minha mãe. Tinha que arrumar um emprego, mas não, minha total falta de habilidade para qualquer coisa, não sabia nem por onde começar…
Um dia um amigo mandou um anúncio de uma palestra desses carinhas da moda dos empresários que recebem uma bolada para falar por 45 minutos o que a gente tem que fazer para ser bem sucedido e como era gratuito, eu fui e nada parecia surtir efeito comigo, nada do que falava, afinal, eu parecia não ter habilidade natural para nada, mas ele disse que não interessa em que nos agarremos. O lance é nos agarrarmos e assumir uma postura de quem sabe. Funcionaria em 99% das vezes e com o tempo você iria aprendendo sobre o caminho escolhido…
Precisava encontrar algo com games ou línguas e encontrei os dois em um, eu realmente podia ser bem sucedido. Quer dizer, não era exatamente sobre games, era sobre um jogo. Também não posso dizer que era muito sobre línguas. Era basicamente para escrever sobre beisebol no Brasil, mas como a demanda por esse assunto por aqui não era tão forte como nos Estados Unidos, eu podia assistir a uma partida (dormir) pela própria tv a cabo que me foi fornecida para dormir, quer dizer, trabalhar. Confesso que tentei entender, mas o jogo chato e complicado, mesmo assim, eu tentava ver os jogos…
Tal qual o Brasil, a doença por um esporte fazia com que houvessem sites falando em tempo real do jogo, mas sabe o que eu percebi? Cerca de duas horas depois, havia uma quantidade tão grande de sites americanos falando do jogo que bastava apenas eu pegar um parágrafo de um texto, outro de outro, traduzir, acrescentar uns jargões meu, uma pitada do meu humor e estava lá o meu aclamado texto…
No começo eu lia bastante para entender daquilo, mas dormia durante os jogos. Depois, por vezes, eu tornava a jogar meus games com o jogo ligado, mas isso me deu um certo peso na consciência e voltei a ver os jogos. Voltei a dormir, é verdade, mas pelo menos dormia bem para ler a resenha esportiva americana para eu poder ser pago para dormir…