Paulo Neto

Paulo Neto, o artista do ‘novo normal’

Guilherme Farizeli

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9 de setembro de 2020

A música e a cultura em geral estão sendo fundamentais para manter a saúde mental das pessoas nesses tempos de pandemia do coronavírus. Pensando nisso e na falta de estrutura econômica da maioria dos artistas do país, Paulo Neto criou, junto ao seu companheiro Zé Ed, o projeto “Adote O Artista”. Segundo Paulo Neto, o objetivo é levar à casa das pessoas uma apresentação sincera, única e individual, bem como promover uma fonte de renda aos artistas que passam por dificuldades durante a pandemia.

A saber, o projeto promove o envio de telegramas musicais como presente para uma pessoa querida. Quem contrata escolhe o motivo do presente e o cantor escolhe que música tocar para cada história, o que torna a experiência emocionante para todos. Após tocar mais de 2 mil pessoas, de forma individual, em apenas quatro meses, Paulo Neto disponibiliza o single “Uma Canção para Alguém como Você” em todos os aplicativos de música.

Então, para conhecer mais sobre esse projeto tão encantador, a nova música e, claro, a carreira dele, conversamos com o cantor Paulo Neto, em um bate-papo descontraído e de grande reflexão sobre a situação atual do país. Confira!

ULTRAVERSO: Nessa situação de pandemia, você lançou o projeto “Adote o Artista”. Como funciona exatamente a campanha?

Paulo Neto: Então, Wil… quando foi decretado o isolamento, entendi que seria muito mais grave do que imaginava… nós (da música) trabalhamos com aglomeração, então fomos os primeiros afetados. E eu sei a dificuldade que é para a gente poder resistir, pagar contas… Assim, quando todos os trabalhos foram cancelados e não tinha grana na conta, fique aflito.

Aí, junto com meu namorado (o músico Zé Ed, que também participa do projeto), foram duas coisas que viraram a chave na minha cabeça: o depoimento de uma diarista em um grupo do Facebook, onde ela pedia para que as pessoas não cancelassem as diárias porque tinha dois filhos que não tinham o que comer no outro dia. E depois uma outra declaração da Rafa Brites, que é influencer, pedindo que todas as pessoas que tivessem uma grana reservada olhassem para os seus amigos, profissionais liberais, autônomos.

Foi quando comecei a bolar uma ideia e chegamos nesse formato de telegrama, onde eu vendo uma canção inédita e cria-se essa conexão. Pensei em criar algo que a gente fizesse e já recebesse na hora. Então, resolvemos fazer pelo WhatsApp, por ser uma coisa mais íntima, e coloquei a ideia no ar. Porque eu adoro gente. Eu gosto de conviver com pessoas. Meu trabalho já fala um pouco sobre isso. Afinal, o artista quer ser reconhecido, mas não é só o artista, como qualquer indivíduo.

E, com esses telegramas, existe uma troca mútua. Eu sei quem é a pessoa e ela sabe quem sou eu. A gente se olha, se reconhece. E isso é muito precioso. Foi aí que a gente entendeu o quão potente era esse projeto. Uma coisa muito personalizada. O mais poderoso aqui é o seu afeto e isso é impagável. Você está dando uma experiência para a pessoa com uma música inédita, o que não aconteceria tanto com uma canção já conhecida.

Esperava uma repercussão tão grande?

Paulo Neto: Imagina, Wil! Sabe por quê? Quando eu comecei, fiz um cálculo mínimo: “se eu fizer duas chamadas por dia, eu vou pagar meu almoço e meu jantar”. Então, eu nunca imaginei que pudesse alcançar tanta gente, que fosse virar, de fato, um telefone sem fio.

Foi algo que tomou uma proporção que eu precisei que mais seis artistas fossem incluídos no projeto, já que eu não estava dando conta de tanta gente. A gente estava ficando sem controle. Tivemos que pedir ajuda de amigas produtoras que estavam sem trabalho para poder organizar nossas agendas. Foi realmente inesperado! A gente esperava que ficasse só no nosso nicho de amigos.

Você pretende continuar com o projeto mesmo quando a pandemia acabar? É uma ideia que pode ser estendida como uma nova fonte de renda do artista mesmo em ‘tempos normais’?

Paulo Neto: Com certeza! Eu falo toda hora: “se pelo menos eu tirar duas vezes na semana para fazer…”. Porque, além de ser uma fonte de renda, é uma grande pesquisa humana. A gente precisa, cada vez mais, se reconhecer humanamente. E eu estou conhecendo histórias que nunca na minha vida pensei que pudesse conhecer. Tem histórias que mudaram a minha vida mesmo, pensamento.

Então tem gente que já compra aniversários agendados para outubro. Tem gente que já pensa como presente personalizado de uma data comemorativa. A estamos fazendo para empresas agora, por exemplo. Assim, além de ser um presente, começaram a entender que a minha história era uma startup, uma invenção, que as pessoas poderiam usar como exemplo para inventar coisas genuínas que mudassem vidas, porque mudou a minha.

Foto: Carmen Campos / Divulgação

A que você atribui esse sucesso?

Paulo Neto: Eu atrelo a várias coisas. Por exemplo, todo mundo ficou mais sensível. Foi um susto que as pessoas tomaram e tudo o que nos separava era o telefone celular. A gente estava do lado da pessoa, mas toda hora fora. Do lado de quem a gente ama, mas mexendo no telefone. E aí, de repente, tivemos que nos conectar pelo celular.

Além disso, o afeto é uma arma poderosíssima. Então, quando você é lembrado por alguém que julgaria não ser lembrado, fica impactado, né? E a música é uma arte muito atravessadora. Fora tudo isso, tinha uma entrega muito grande da minha parte. Assim, eu ia com um brilho no olho porque aquilo estava mudando a minha vida, fazendo a minha vida ter sentido. Porque não era sobre um prato de comida e sim como a música era importante e fundamental para a saúde mental. Não só minha, como de muitas pessoas.

Tinha também você olhar com um fio de esperança, de alguém que teve coragem. Eu tinha consciência de que dentre meus amigos artistas, eu fazia um parte de 1% que estava trabalhando. Eu não parei de trabalhar durante a pandemia inteira, como eu nunca trabalhei a minha vida inteira.

Como vê o futuro do cenário musical?

Paulo Neto: Cara, eu acreditava que fôssemos melhorar muito, mas logo vi que não vai ser assim tão simples. Eu acho que algumas pessoas que estiveram atentas, isoladas, por terem privilégios, acesso à internet… tinha gente que eu ia cantar que não tinha telefone, que teve que atender na vizinha. Então, a gente fica longe de uma outra realidade que não temos acesso.

Eu acho que muitas pessoas vão entender de um outro jeito esse novo momento daqui para frente. Eu espero – como artista – que muitas pessoas vão enxergar de outro jeito. Porque, por exemplo, eu lancei “Uma Canção para Alguém Como Você” ontem (a entrevista foi realizada no dia 02/09) e várias pessoas que receberam ela durante a pandemia me mandaram mensagem dizendo que choraram quando ouviram a música porque lembraram da emoção do dia em que recebeu.

Assim, de certa forma, a gente tem uma memória poderosa. A memória afetiva fica guardadinha e, quando alguém dá uma cutucada, acende uma coisa. Então eu vou ficar com essa sensação. Eu quero acreditar que as pessoas estiveram mais atentas, que estiverem dispostas, vão, de fato, enxergar as coisas de um outro jeito.

Ainda dentro desse assunto pandemia, como vê a Lei Aldir Blanc? Muitos artistas têm tido dificuldades para receber o auxílio.

Paulo Neto: A gente tem um país muito desorganizado, né? Então, essa lei não surge de uma pesquisa, de outros tempos, sabe? Portanto, claro que ela vai chegar desestruturada, como o país está, como a gente está, como os artistas estão. Está todo mundo desestruturado. Ela precisa ainda passar por processos, como tudo. Teve muita gente que não conseguiu nem o auxílio emergencial. Tantas pessoas que tinham condições também se aproveitaram disso. Então não vai ser diferente com a Lei Aldir Blanc.

Óbvio, todas as leis que sejam de fomento à cultura são muito importantes, porque a gente vive numa carência absurda. Então é muito bem-vinda. Mas ela precisa de um processo para poder crescer madura e entender como será distribuído o auxílio. Enfim, até a gente entender quem são esses artistas, até criar esse banco de dados para fazer esses termômetros de quem pode e quem não recebe tem um abismo grande.

Eu torço para que, cada vez mais, a gente se engaje. Eu falo por mim também, não sou engajado politicamente. Então eu tive que aprender na marra, tentar acompanhar. Ainda bem que deram esse suporte, mas ainda tem muita coisa para elaborar.

Falando um pouco sobre a sua carreira. Com foi a sua participação em ‘Ídolos’? Esses programas de auditório podem ser um bom pontapé na carreira musical?

Paulo Neto: Acho que cada um tem o melhor jeito para seguir. Costumo dizer que o “Ídolos”, para mim, foi a passagem para São Paulo. Eu saí do interior de Pernambuco, uma cidade muito pequena, e o programa me proporcionou conhecer essa grande metrópole. Mas eu tinha uma vó que era muito realista que dizia que era só um passo, que eu tinha muito o que andar ainda para chegar em qualquer lugar na sua vida, que eu era muito novo. Ali eu entendi que era mais um passo artístico na minha vida.

Então, como toda experiência de grande repercussão, você também aprende muita coisa. Para mim, principalmente, ficou claro o que eu não gostaria para a minha vida. Ali ficou claro. Tanto é que saí do programa e quis voltar para a estaca zero de novo. Eu queria voltar para a realidade porque era um processo que precisava ser maturado artisticamente falando.

O “Ídolos” me deu essa grande possibilidade de conhecer mais pessoas, de ser visto, ter reconhecimento e acreditar que, sim, eu era um artista e poderia dar outros passos maiores. Porque a gente tem uma fragilidade, precisa de aprovações. Portanto, nessa esfera, o programa foi importante.

Você disse que, em ‘Ídolos’, viu o que não queria para a sua carreira. O que exatamente seria isso?

Paulo Neto: Primeiro que eu não queria o que não fosse de mérito meu e exposição, por exemplo. De ter a oportunidade de estar sendo visto, mas não ter nada aprofundado, ser uma coisa muito genérica. Eu acho que a gente tem que ser visto e reconhecido pela nossa história, sabe?

Ali, se algo que entendi de um reality show, de exposição, foi que tinha que falar de assuntos que nem sempre eu gostaria de falar. Eu ainda estava entendendo a minha vida, por exemplo. Então pensei que tudo tinha um limite.

Além disso, no reality show você é julgado por uma coisa pontual. Não dá para você julgar um artista por um evento pontual. Você julga um artista por uma trajetória. E isso, para mim, ficou muito claro. Você é humano, pode dar um deslize e ser julgado por aquilo.

Ainda no programa, você cantou músicas que iam de Cazuza a Ivete. Você se define como um artista multicultural? Quais são as suas principais influências na música?

Paulo Neto: Quando eu fiz o programa, tinha uma cabeça onde pensava em levar Milton Nascimento, Cazuza, Lulu… e aí os diretores falavam que eu tinha que cantar algo mais pop. Eu pensava: “cara, mas esse não sou eu”. Aí falavam que assim seria eliminado. Então que eu seja eliminado sendo eu, sabe? Se a gente tem que pagar por algo na vida, que paguemos sendo quem nós somos.

Eu ouvia o que tocava no rádio do interior. A Ivete… eram artistas populares. Não tinha acesso a discos de Caetano, Gil, esses artistas considerados mais intelectuais, com obras muito ricas. Aquilo mexia muito comigo. Eu cresci ouvindo Fernando Mendes, Fábio Júnior, Roberto Carlos, Luiz Gonzaga, Odair José (o cantor tem uma versão de “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”)… o Odair, inclusive, foi uma das regravações do meu primeiro disco, onde eu lembrava da minha vizinha, já que uma das primeiras vezes que aprendi a ouvir música foi na radiola dela, de parede conjugada. Ali começava o meu acesso à música e a minha formação como artista.

Então, Wil, eu sempre gosto de construir a minha história lembrando de todas as minhas referências. Eu acho lindo todo artista que consegue chegar a um grande número de público. Porque você atravessa muitas fronteiras, barreiras. Na verdade, não é nem você, mas a música que faz isso. A gente só é usado como instrumento.

Você lançou recentemente ‘Uma Canção para Alguém Como Você’, uma música bem intimista, onde você aparece nu. É uma composição mais pessoal?

Paulo Neto: Em “Uma Canção para Alguém Como Você”, eu tenho um disco com muitas referências de músicas, muito elaborado artisticamente falando. Quando eu conheci o Dudu (Borges, produtor), ele me fez um convite para ir para esse lado intimista, como se eu tivesse começando de novo. Eu adoro esse tipo de trabalho. Acho que cada trabalho você começa do zero, sabe? E, assim, começa um novo caminho.

Então, em “Uma Canção para Alguém Como Você”, eu estava com vontade de desconstruir tudo que tem acontecido na minha vida e voltar para esse cerne que falei. Já o clipe estava sendo feito num momento muito adverso, no meio de uma pandemia, dentro de um apartamento e chegando para muitas pessoas com uma canção simples em um violão, sem nada espetaculoso. Enfim, o clipe traz um pouco esse lugar: o meu sonho e essa nudez.

Isso porque eu não tocava violão e tive que aprender durante a pandemia. Eu aprendi pra sobreviver. Foram cinco meses tocando sem parar, me obrigando a aprender. Então, eu acho que esse clipe traz todos esses signos. Essa nudez de coragem, de renascimento, esse voo leve. Cada chamada que abria, era difícil. Eu ainda estava inseguro com o violão, uma canção inédita, estava vulnerável para o trabalho. É uma nudez.

Portanto, o vídeo traz isso, essa vulnerabilidade que me deixa tão leve, me faz flutuar. Assim, mesmo nessa realidade dura, de vulnerabilidade, eu também estou vivendo um sonho no meio de tudo isso.

Você tem dois álbuns lançados ao todo. Esse novo single é sinal de que vem outro por aí?

Paulo Neto: Ah, eu espero, viu? São muitas canções. Já estou conversando com o Dudu (Borges). Eu comecei a compor muito, dentro da pandemia. Eu amo fazer algo, gosto de demarcar um momento da minha vida contando minha história. É o que acontece em “Dois Animais na Selva Suja da Rua” (2015), um álbum que nasce depois que eu saio de um reality show como intérprete e ganho o Prêmio da Música Brasileira como intérprete também. E aí, meritoriamente, eu gravo um disco de intérprete.

A partir desses compositores, começo esse intérprete começa mergulhar num universo de conhecimento. Para me encontrar, faço o “Rosário de Balas” (2017), que é uma volta para casa, um disco que eu ainda tenho todas as minhas memórias afetivas. E aí, quando eu chego em casa, que reencontro com as pessoas, lembro de tudo que me fez chegar nesses lugares todos, que é quando vem “Uma Canção para Alguém Como Você”.

Então, provavelmente, mais pra frente vai vir um disco que conte um pouco desse novo momento. Mas ainda não há previsão de nada. A gente acabou de lançar música nova e não sabe nem o que vai acontecer ainda. Espero que seja em breve.

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Além disso, claro, o (a) cantor(a) ou a banda precisa ter algo gravado com uma qualidade razoável. Afinal, só assim conseguiremos divulgar o seu trabalho.

Enfim, sem mais delongas, entre em contato pelo e-mail wilson@ultraverso.com.br! Aquele abraço!

Guilherme Farizeli

Músico há mais de mil vidas. Profissional de Marketing apaixonado por cinema, séries, quadrinhos e futebol. Bijú lover. Um amante incondicional da arte, que acredita que ela deve ser sempre inclusiva, democrática e representativa. Remember, kids: vida sem arte, não é NADA!
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