Proposições para a Completude
José Danilo Rangel
1.
Eu sei, também leio o que escrevo,
e igualzinho a você, estranho, percebo,
tão diversas são as minhas falas,
são os seus humores, meus modos de falar.
Não quero alinhar,
perfeitamente, na palavra
o que tenho em mim como desalinho,
nem elaborar, em prol do estilo,
um alguém todo coerente.
Não seria eu…
Escrevo para falar,
e se minha fala tem humores
e diversidades, é porque também
os tenho, por que os sufocar?
Na verdade, desde cedo,
ando a procura de meios
com que me libertar dos limites
que não são meus, mas que tentam
pôr às minhas costas.
Eu poderia me fazer de bêbado,
de sabidão maluco, de ingênuo,
de sensível, de cínico, de cético,
poderia ouvir a alguns e aceitar
para mim as suas expectativas,
mas não quero, me cansa
a possibilidade de ser um,
sendo apenas parte do que sou
quando inteiro.
2.
A vida é desigual, meu amigo,
e nos agride ou afaga, e nos pune ou nos premia,
segundo sei lá que ordem, sei lá com que intentos,
mas em tudo ela se faz diversa
e diversamente é que respondemos
às coisas que os dias e noites
trazem às nossas portas.
Você luta, entanto, para dotá-la
da mesma organização que a ela falta,
e se ilude, porque acha-se capaz de submetê-la
ao desejo que você tem, de tranquilidade,
embora todo santo dia a desordem
se mostre bem diante dos seus olhos.
Luta, cotidianamente, para não perder
esse conceito pequeno onde cabe,
onde você se faz caber,
as certezas que não mantém a ninguém
o mesmo, ano a ano, década a década,
e assim, pensa em você mesmo
como menor do que de fato é.
Eu não tenho medo de me desdobrar,
nem de pagar o preço por ser desigual,
nem de despir-me, pouco a pouco,
de mim.