QUEERLAND | A representatividade da mulher negra lésbica

QUEERLAND | A representatividade da mulher negra lésbica

Giselle Costa Rosa

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7 de outubro de 2019

“Ainda que ganhemos salários menores, que estejamos em cargos mais baixos, que passemos por jornadas triplas, que sejamos subjugadas pelas nossas roupas, violentadas sexualmente, fisicamente e psicologicamente, mortas diariamente pelos nossos companheiros, nós não vamos nos calar: as nossas vidas importam!”, escreveu Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, negra e lésbica.

Esse é um trecho do discurso, até então inédito, que foi lido em março de 2018 (treze dias após seu assassinato) pelo vereador Tarcísio Motta do PSOL na Câmara dos Vereadores.

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Diferenças e desvantagens

Em todos os contextos a mulher sempre está em desvantagem em relação ao homem, seja no lugar de fala, no valor do salário recebido, no reconhecimento do trabalho bem feito, até mesmo no direito de viver por apenas discordar da opinião do gênero oposto. E não é só no meio hétero que isso se difunde. Até mesmo no mundo LGBTI+ ocorre. A militância do homem gay, em razão do privilégio masculino, sempre foi hegemônica, formando um abismo entre visibilidade do movimento gay e a visibilidade do movimento lésbico.

Se prestarmos atenção, veremos que a maior parte do que é oferecido em termos de cultura queer está voltado para o público masculino, branco e cisgênero. Vide as boates, bares, festas, revistas, filmes onde público-alvo, proprietários ou produtores/diretores, em sua maioria, também são homens. E isso é fácil de explicar. Se não há igualdade econômica entre os gêneros, poucos estabelecimentos estarão voltados ao público feminino. Isso porque nem todas as mulheres lésbicas poderão frequentar esses espaços por não terem renda suficiente para fazê-lo.

Já por serem homens, os gays, principalmente os brancos mais heteronormativos, por receberem maiores salários e concentrarem maiores recursos, dispõem de verbas para tal. Logicamente, isso também vai impactar no quantitativo de mulheres que possuem renda para investir na abertura de estabelecimentos comerciais, na produção de filmes, peças de teatro, revistas voltados para o público lésbico. Agora, imagina a situação da mulher negra lésbica…

Menos visibilidade, oportunidade e voz na sociedade

No Brasil, como na maioria dos países, a mulher negra acaba tendo menos visibilidade, oportunidade e voz na sociedade. Como se suas vidas, desejos e palavras fossem menos importantes do que dos demais. A mulher negra, independentemente de sua orientação sexual, segue sua vida em uma trajetória de lutas e resistências. Afinal, nossa sociedade tende a empurrá-la para um local de inferiorizarão perante o homem branco, a mulher branca e o homem negro. E ao revelar-se lésbica significa ter que enfrentar uma opressão que envolve ao menos dois estigmas: a negritude e a lesbianidade.

O MEDO DA MULHER NEGRA SE ASSUMIR LÉSBICA

Sair do armário para uma mulher negra significa enfrentar, além da misoginia, machismo, lesbofobia, opressão, omissão, ter que encarar o preconceito de frente. Amar outra mulher quebra a lógica de que ela nasceu e foi criada para servir a um homem. Isso porque, ao posicionar-se como lésbica, traz a implicação também de um posicionamento político, que, mesmo de maneira inconsciente, confronta a dominação masculina.

O racismo permeia todas as esferas da sociedade, estando presente também dentro do feminismo. Os inúmeros conflitos existentes dentro do movimento LGBT, onde a maior visibilidade sempre foi a do homem gay; e dentro do feminismo, onde as protagonistas sempre foram mulheres brancas; mostrou a necessidade da importância de ressaltar as bifurcações dessas lutas, capaz de contemplar corpos que possuem outra história e outros estigmas. Assim, o feminismo negro se fortalece principalmente através das ferramentas do feminismo interseccional, enquanto a comunidade lésbica, de maneira geral, pauta suas especificidades de luta.

O processo de opressão e discriminação interseccional é cotidianamente vivenciado pela mulher negra lésbica; e está presente em todos os lugares que elas transitam. A entrada das mulheres negras no movimento feminista, bem como das negras lésbicas no movimento negro, tornou-se um campo de tensão. Pois, de um lado, existe a questão do racismo dentro dos grupos de mulheres. Por outro lado, há a questão da (homo)sexualidade da mulher negra, colocando-a numa situação de desonra à cor/raça.

Então, essa intolerância para com as mulheres negras lésbicas advém das interconexões entre o racismo, classe, gênero, sexualidade. Isso significa dizer que todas estão interligadas, mas de formas diferenciadas para cada mulher, que, a todo momento, tenta escapar da posição de subordinação aos homens. E é nesse contexto que essas mulheres sofrem mais.

REPRESENTATIVIDADE IMPORTA E MUITO!

O curta-metragem “Minha História é Outra”, protagonizado e produzido por profissionais negras, será lançado entre outubro e novembro no 12º Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul.

O filme aborda a importância de enegrecer o debate sobre sexualidades, bem como encruzilhadas políticas e relações de gênero, trazendo a história de duas mulheres negras vivenciando novas formas de afetividade através de suas histórias que mostram os limites e a potência do encontro entre as mulheres. A saber, a primeira é a da multiartista Niázia, uma moradora do Morro da Otto, que abre a sua casa para compartilhar as partes mais importantes da sua vida na busca por autocuidado. Já a segunda é da estudante de direito Leilane, que enfrenta desafios para construir uma jornada de afeto.

Financiado pelo Edital de Fomento ao Audiovisual de Niterói 2018 e desenvolvido pelo Agô Yá – núcleo de criação e produção audiovisual composto por mulheres negras, “Minha História é Outra” possui uma página oficial no Instagram, criada no dia 29 de agosto, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, que pode ser acessada clicando AQUI.

Aliás, a carência de produções culturais voltados para a mulher negra lésbica é gritante e necessita cada vez mais de representatividade. Então, ampliar o debate e garantir uma maior visibilidade – hoje ainda muito apagada e, por vezes, massacrada por homens e mulheres que ainda não reconhecem os desejos e direitos iguais das mulheres negras lésbicas – é imperante.

Enfim, o 12º Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul ocorrerá de 23 de outubro a 3 de novembro.

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
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