Trans Negras enfrentam conservadorismo brasileiro em suas músicas

Giselle Costa Rosa

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8 de outubro de 2020

Sexualidade no universo da periferia

A música exerce uma importante função na construção de identidades na sociedade moderna.  Nesse contexto, ela conseguiu quebrar várias barreiras culturais, sendo considerada uma das artes que mais impacta a nossa sociedade (para além do bem e do mal). Diante de um cenário social desfavorável para as trans negras, a música vira ferramenta para o enfrentamento de um Brasil conservador.

Segundo o novo boletim divulgado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), entre janeiro e 31 de agosto deste ano, o Brasil já superou o total de 124 pessoas trans assassinadas em 2019. Em 2020, até o mês de agosto, foram totalizados 129 assassinatos. Assim, o estado de São Paulo lidera o ranking com mais assassinatos em 2020, com 19 homicídios.

País da contradição e da falsa moralidade

Todavia, o Brasil é o país que mais consome pornografia trans no mundo, de acordo com o Relatório do Pornhub sobre tendências de buscas de material pornográfico no Brasil em 2019. Tamanha violência indica como há pessoas com enormes conflitos internos. No afã da autoafirmação heteronormativa, em uma tentativa de apagar o rastro de seus desejos “antinaturais”, acabam por querer exterminar seu objeto de desejo. 

Em virtude disso, muitas vozes têm se levantado na música brasileira. Vozes de pessoas trans escancarando e colocando o dedo na ferida cada vez mais aberta do preconceito e violência contra trans. Uma luta irônica de Davi contra Golias. Porque só tendo fé em algo pra seguir de cabeça erguida. Assim conseguir renovar diariamente a coragem para enfrentar o prelúdio da violência física e psicológica que a sociedade impõe para pessoas trans, sobretudo negras.

Artistas trans negras se posicionam

Admiro a coragem de todos os artistas que se colocam no centro da roda e expõem em sua arte vivências pessoais e comunitárias. Mas meu enfoque aqui é sobre o trabalho das trans negras, como Linn da Quebrada, Jup do Bairro e Raquel Virgínia, integrante  da banda As Bahias e a Cozinha Mineira. As duas primeiras militam claramente em suas canções. Já a Raquel segue a linha lowprofile, não fugindo à discussão. No entanto, não a trata como aspecto central em sua produção musical. 

Sendo assim, a banda prefere emplacar canções mais românticas, sem tanta ênfase na crítica social. Até porque nem só de militância se vive, né, meu bem? Nesse aspecto, o álbum ‘Tarântula’ é o que mais se aproxima de uma pegada com cunho social. Preste atenção às faixas como ‘Mátria’, ‘Carne dos meus versos’ e ‘Pipoco e Pipoca’. Bem como a simples existência da banda, com duas trans em sua composição, já faz a diferença em nossa sociedade. Afinal, quanto mais representatividade, melhor!

Como se combate o ódio às trans negras?

Linn da Quebrada e Jup do Bairro tentam romper um discurso de ódio de forma mais enfática. Nesse sentido, todas enfrentam uma luta dupla: contra o racismo e a transfobia. Se os espaços já são tão restritos para pessoas negras, imagine o quão mais estreitos é para uma trans negra. Linn deixou isso bem claro em seu primeiro álbum ‘Pajubá’. Em geral, suas letras mesclam humor gay e crítica social que, junto com suas performances nos shows, metem o pé na porta da nossa sociedade conservadora.

Igualmente, Jup do Bairro sacode o conservadorismo e padrões de beleza. Ela prega em suas músicas a libertação dos corpos e a reafirmação da própria identidade. Por conseguinte, também parte pro enfrentamento ao abordar em suas letras o perigo que as ruas representam para as trans. Ambas falam das dores e dificuldades que perpassam os moradores da periferia.

A luta é diária e elas são fortes!

Portanto, ser artista trans negra é um duplo desafio em nosso país. Requer estômago, força e coragem diária para o enfrentamento de covardes travestidos de cidadãos de bem. Além das patrulhinhas da falsa moral e dos bons costumes e a asfixia imposta por alguns religiosos vociferantes – dentro e fora das redes. E, no meio disso tudo, ainda ter voz em meio à sigla LGBTQIA+, dialogar com feministas radicais e falar de amor. 

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
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