Quero me encontrar

Demétrius Carvalho

“Quero me encontrar, mas não sei onde estou…”

Acho que foi essa música que deu o start que faltava para eu procurar-me. Me lembro vagamente dos meus pais e as vezes penso que posso ter construído em minha mente aquilo que penso que lembro, afinal de contas, eu era muito novo quando ocorreu o acidente. Para ser bem sincero, creio que lembro bem não do acidente, mas do monte de luzes ofuscando meus olhos. Eu sentia medo apenas. Não tinha como eu saber que aquelas luzes é que me resgatariam do acidente sofrido por meus pais. Eles faleceram e eu, como que por um milagre, tive apenas pequenas escoriações pelo corpo.

A questão é que com a morte de meus pais, tinha uma morte em minha história. Não conheci os meus avós, ou se conheci, não me recordo. A questão era que cresci no meio de uma família da qual eu não fazia parte de fato. Para ser bem sincero, eu era tão pequeno que isso não me incomodava de jeito nenhum, mas chega-se uma idade em que você quer se conhecer um pouco melhor, mas as pistas não eram nada fáceis. Meus avós moravam em Minas Gerais, isso se vivos ainda fossem. O acidente ocorrido no Paraná, foi durante uma viagem de férias de meus pais e como fui adotado por uma família de Maringá, é como se eu tivesse nascido ali. Aliás, o acidente sempre foi colocado como o meu renascimento.

As parcas pistas surgidas, morriam rapidamente. Não me recordava de um nome que fosse de um parente. Embora eu acredite que tenha espasmos visuais de meus pais, talvez eu saiba dos nomes deles apenas por que foram bastante citados em jornais na época do acidente e a minha atual família guardou por algum tempo alguns jornais. O resto da família, não tem espasmos visual que eu possa minimamente acreditar como possam ser, mas a lembrança dos jornais acabou sendo uma esperança que finalmente mostrou-se eficaz.

O ano do acidente, até eu sabia e a data precisa, embora ninguém em casa soubesse, sabiam que era começo de março, logo após o carnaval. Foi relativamente fácil de achar na sede do jornal. Tive que voltar à Maringá. A desculpa era visitar a então minha família pós acidente, mas o que me motivava era me encontrar em um passado desconhecido. Após encontrar o nome completo de meus pais, pensei que tudo seria mais fácil, mas não. Passaram-se longos dez meses e eu nunca tinha certeza absoluta de nada que achava que tinha descoberto, mas os avós já haviam falecido. Todos os 4. Vô Bento havia sido o último a falecer. Semana passada para ser mais preciso e foi muito estranho sentir a morte de uma pessoa que eu não conhecia. Talvez fosse frustração por não o ter encontrado(-me) a tempo…

Soube do falecimento dele em contato com o que seria um primo meu direto e também neto do vô Bento e optei em ir para Poços de Caldas mesmo assim. Embora ele, todos os outros primos e já seus filhos, mais tios e tias que conheci, tenham sido super calorosos comigo, senti-me mal. Estranho dentro daquela família. Da minha família. Era uma confusão de sentimentos tão grande, que eu já estava arrependido de estar ali apenas 40 minutos depois. Não era culpa deles… nem minha… acho… era desconforto.

Fotos: Ivan Silva

Foto: Ivan Silva

Tentei manter-me atento e sorridente já de noite no café-janta-espetáculo que tinha se tornado a minha presença ali no início da noite. Já tinha conhecido ainda mais parentes, fora alguns vizinhos, mais gatos e cachorros. Não era por mal, mas era tanta gente que foi mais fácil me recordar o nome dos animais e claro que como eu era o único que eles (re)conheceram naquele momento, sabiam o meu nome, já eu, notei grande dificuldade em lembrar-me de todos os nomes.

E esse fusca? Perguntei Um silêncio ensurdecedor se fez e senti ter tocado em algo diferente. Após um tempo, o primo nº 3 que eu não lembrava o nome disse: – Foi o carro do acidente do tio Berto. Não associei de imediato, mas falavam do meu pai Roberto. Quando finalmente entendi isso, meu interesse havia mudado vertiginosamente. Eu já havia estado ali dentro…

– Posso entrar nele? Outro silêncio, olhares… – Sim, mas é apenas uma lata velha. O vô trouxe ele de volta e usou por muito tempo. Agora é apenas um peso morto entre os tios. O ideal era vender e dividir o troco entre os tios. – Quanto é? – No estado que está, se alguém der R$ 1.800,00 nele, seremos muito felizes. – Está funcionando? – Em perfeito estado – repetiram 3 ou 4 parentes imitando uma voz que devia ser a de meu avô.

Entrei no carro e senti-me em casa. Sei lá se era em casa, no ventre de minha mãe, em um portal cósmico, mas senti-me aconchegado. Acho que entrei em uma relação com o tempo diferente. Só sai quando a prima nº2 chamou-me e percebi que todos, inclusive os animais (só os cachorros, os gatos haviam sumido), estavam em volta do carro e me olhavam.

Desci do carro e perguntei: – Vocês aceitam cheque? – Sim, mas… você vai comprar essa relíquia aos pedaços? – Sim, uma caneta por favor. – Olha, sendo para você, R$1.500,00 resolve tudo.

Peguei a caneta, preenchi o cheque e meu tio retrucou: – R$5.000,00? Não, você entendeu errado meu filho. Para você é R$1.500,00 – Uma relíquia em pedaços pode valer R$1.500,00, mas relíquias e pedaços da minha história valem muito mais…

De alguma casa vizinha vinha uma música…. “Quero me encontrar, mas não sei onde estou…” Sei sim, pensei…

Demétrius Carvalho

Demétrius Carvalho é músico, multi-instrumentista e produtor musical de origem, mas anda com frequência em outras artes passando pela literatura, fotografia. Blogueiro, da suas impressões ainda sobre cinema, artes plásticas e definitivamente é multimídia adorando sobrepor arte sobre arte.
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