RESENHA | “Bienvenidos” denuncia escravidão praticada pela indústria da moda

Aline Khouri

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24 de junho de 2018

De acordo com o segundo relatório do Índice de Escravidão Global 2016 da Fundação Walk Free, a escravidão moderna atinge 45,8 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, há 161 mil pessoas consideradas escravizadas. Em 2015, 1010 pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão no país, revela o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS). A temática urgente é abordada no livro Bienvenidos – história de bolivianos escravizados em São Paulo, de Susana Berbert.
O trabalho infantil, a exploração sexual, o recrutamento de indivíduos para conflitos armados e o trabalho em condições degradantes destacam-se como as principais formas de escravidão. Por meio da história de Silvéria, a jornalista se concentra em traçar o panorama de uma sistemática exploração de milhares de pessoas que são vítimas da indústria da moda. A autora ressalta que os meios de comunicação são ineficientes quando se trata de discutir a questão que é abordada superficialmente: “Quase nunca há nomes, rostos, histórias. Na narrativa aqui presente, desafiamo-nos a dar ao imigrante uma voz; ao leitor, uma vida a ser conhecida”, escreve.
Silvéria vivia no altiplano boliviano com os pais e os irmãos. No dia 11 de agosto de 1995, ela viu o pai vivo pela última vez quando ele estava prestes a abandonar a família. Poucos dias depois, ele faleceu. Coube à mãe Julieta o papel de sustentar os filhos, que precisavam trabalhar na roça, enquanto ela enlouquecia.  Aos 12 anos, Silvéria foi mandada para trabalhar com o tio na cidade de La Paz para ajudar a família. Ela não tinha salário e trabalhava em troca de alimento e um lugar para morar.  Com 14, ela veio para o Brasil para trabalhar na oficina de costura de um primo. Foi assim que teve início uma vida de exploração nesses ambientes.
A imigração boliviana para o Brasil começou na década de 80 e os imigrantes passaram a ocupar o lugar que antes era de judeus. Eles são uma mão de obra barata atraída pela promessa de ascensão econômica. Susana conta que muitas meninas de 15 a 25 são recrutadas para atuarem não apenas como costureiras, como também como domésticas. As jornadas são exaustivas, de no mínimo 15 horas diárias, sem descanso semanal.  Silvéria chegou a trabalhar sem salário durante um ano para o primo e, quando disse que iria embora, ele a ameaçou dizendo-lhe que não entregaria seus documentos. Esta é uma prática comum adotada pelos exploradores para intimar seus funcionários. Para agravar a situação, Silvéria tornou-se mãe solteira, o que era considerado vergonhoso.
Bienvenidos mostra quais são os mecanismos que alavancam e perpetuam essa indústria, como os abusos psicológicos e a normatização do trabalho escravo. A produção ocorre em locais pouco arejados e iluminados e os pagamentos são irrisórios. O baixo pagamento faz com que o salário dos trabalhadores seja até quatro vezes menor do que o piso salarial dos costureiros, que é de R$ 1300. Uma jornada diária de 16 horas equivale a apenas R$ 500. O livro enriquece a visão do público conforme apresenta uma série de dados, além de humanizá-los na figura de Silvéria.  Trata-se de uma história que todos deveriam conhecer para refletir sobre uma exploração constante que é subnoticiada  e frequentemente ignorada.
Ficha técnica
Título: Bienvenidos – história de bolivianos escravizados em São Paulo
Autora: Susana Berbert
Editora: Moinhos
Ano:
2018

Aline Khouri

Jornalista, com especialização em Cultura. Adora ler e escrever sobre pessoas e assuntos culturais, especialmente Literatura, Cinema e Teatro.
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