Retablo

‘Retablo’ | CRÍTICA

Jéssica Borges

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6 de novembro de 2019

Sensível, doloroso e certeiro. Retablo, drama peruano do diretor Alvaro Delgado-Aparicio, nada mais é do que uma crua e necessária representação sobre a homofobia e como suas consequências podem ser devastadoras tanto para quem sofre diretamente, como para as pessoas ao redor.

Indicado do Peru ao Oscar

A jornada do filme para chegar ao grande circuito comercial é bem parecida com as produções em toda a América Latina. Foram 9 anos de produção e, apesar de ter sido lançado em 2017, só agora conseguiu chegar até a distribuição de massa. Entretanto, se engana quem pensa que isso tem alguma coisa a ver com a qualidade da produção! O longa, além de já ter ganhado diversos prêmios como o “Melhor filme de temática LGBT” do Teddy Award na Berlinale, “Melhor filme peruano” no Festival de Lima, bem como ter vencido na categoria “Novos Diretores” no Vancouver Latin American Film Festival, agora se prepara para voos mais altos e foi indicado pelo Peru com representante na categoria de Melhor Filme Internacional (antiga categoria “Filme Estrangeiro”).

A trama

Com apenas 95 minutos, Retablo trata sobre a relação entre Noé (Amiel Cayo), artesão conhecido por seu belos retábulos (que são como altares feitos de madeira, muito coloridos e ricos em detalhes, que eternizam celebrações familiares e festividades religiosas e culturais da região dos Andes) e seu filho Segundo (Junior Béjar), que foi criado a vida inteira para seguir os passos de seu pai e, um dia, assumir os negócios da família. Em meio a uma das viagens para entregar seus produtos no centro comercial da cidade, Segundo acaba descobrindo que seu pai, na verdade, é homossexual, e isso desencadeia uma série de conflitos familiares, especialmente quando o jovem se recusa a voltar a trabalhar na oficina do pai e sua mãe Anatólia (Magaly Solier) não consegue compreender o motivo, interpretando como ingratidão e rebeldia.

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Retablo (1)
Conflitos adolescentes em uma comunidade rural

Em um segundo arco narrativo, Retablo também destrincha um pouco sobre os conflitos adolescentes em uma comunidade rural, tão diferentes dos dramas urbanos. Segundo se vê oprimido pelos amigos para que saia de casa, encontre mulheres para se divertir e principalmente que largue o emprego de artesão. Isso porque é visto como algo ‘feminino’, incentivando-o a procurar um trabalho na área da pecuária ou de obras em uma cidade maior. Durante toda a trama, violência verbal e física são elementos muito presentes, reforçando o estereotipo de que um ‘homem de verdade’ precisaria ser bruto e estar sempre no comando.

Apesar de o drama da descoberta da sexualidade do pai e de toda a repressão da comunidade parecer um tanto clichê, o filme nos surpreende com uma mensagem muito bonita sobre empatia e amor paternal – especialmente no desfecho da história, que é bastante tocante e desenvolvido de maneira muito natural.

Menos é mais

Para provar que menos é mais, o longa passa sua mensagem não só através das falas, mas com imagens muito simples e repletas de significado. Como, por exemplo, os momentos de silêncio, as escolhas do que seria ou não mostrado, o contato sutil entre os personagens e, claro, uma trilha sonora muito bem estruturada. Evitando o clássico ‘ponto e contraponto’, a direção de Retablo investiu fortemente em imagens em plano aberto e frontais, convidando sempre o espectador a se conectar com o ambiente e suas particularidades. E dessa forma, transmitir uma certa angústia pelo isolamento do vilarejo e a solidão de Noé ao tentar entender seus dilemas internos em meio a um ambiente de tanta intolerância.

Ator não-profissional brilhando

No elenco, destaque para Junior Béjar, ator não-profissional selecionado entre 600 candidatos que desenvolveu seu personagem de maneira muito autêntica, e a maravilhosa Solier, que além de cantora, é um das atrizes peruanas mais requisitadas no exterior.

Por fim, Retablo se mostra como um filme de grande relevância no nosso atual contexto social, trazendo críticas às diversas violações de direitos, não só de pessoas LGBTI como de todo ser humano. O longa é sutil a ponto de não provocar lágrimas ou embargos. Contudo, ao mesmo tempo, é questionador e preciso ao apontar os problemas que, infelizmente, ainda enfrentamos na sociedade. Uma trama aparentemente simples, mas que, com sua execução primorosa, faz com que seja muito válida a reflexão. Vale a pena assistir!

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Retablo
Direção: Alvaro Delgado-Aparicio
Elenco: Junior Béjar Roca, Amiel Cayo, Magaly Solier
Distribuição: Arteplex Filmes
Data de estreia: qui, 07/11/19
País: Peru, Alemanha, Noruega
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 95 minutos
Classificação: 16 anos

Jéssica Borges

Jornalista, cinegrafista de guerrilha e sempre pronta pra um bom debate numa mesa de bar. Parou de planejar a vida e agora só lida no improviso, pelo menos assim não faltam boas histórias pra contar.
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