Rolling Stones Brown Sugar

Os Rolling Stones deixam de tocar “Brown Sugar”: Por que isso é importante?

Cadu Costa

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15 de outubro de 2021

Os Rolling Stones deixaram de tocar o clássico “Brown Sugar” nos shows da atual turnê “No Filter” nos Estados Unidos. E o motivo é nobre porém tardio. Envolve a letra da canção de 1971 que contém referências bem objetivas sobre a escravidão e o estupro de corpos pretos.

O assunto veio à tona durante uma entrevista com Mick Jagger e Keith Richards ao Los Angeles Times: “Você percebeu isso, hein?”, disse Richards quando foi questionado sobre a ausência da música no setlist. “Eu não sei. Estou tentando descobrir exatamente qual é o problema. Não percebem que esta é uma canção sobre os horrores da escravidão?”. Ele continuou: “No momento, não quero entrar em conflito com isso, mas espero que possamos voltar a tocar em algum momento no futuro”.

Já Mick Jagger tentou colocar panos quentes e não descartou sua volta: “Tocamos ‘Brown Sugar’ todas as noites desde 1970, então às vezes pensamos, ‘vamos tirar do repertório e ver no que vai dar’ mas escolher um setlist em um show de estádio é meio difícil, pode ser que a música volte. Toquei ‘Let it Bleed’ no último show, com uma guitarra de doze cordas”.

Os Stones tocaram “Brown Sugar” 1.136 vezes, segundo o portal setlist.fm. A única música mais apresentada é “Jumpin’ Jack Flash”, com 1.171 performances.

A canção

A história da letra começa com um traficante de escravos que chicoteia uma escrava que é sua propriedade. Progride para um encontro entre uma britânica e o jovem e vigoroso escravo que é seu amante. E conclui com o narrador se gabando de suas próprias habilidades de estupro com uma mulher preta.

O refrão inclui o verso “Brown Sugar, how come you taste so good“, ou “açúcar mascavo, por que você é tão saboroso“, embora Jagger às vezes substitua ‘saboroso’ por ‘talentoso’. Já a referência ao ato de chicotear ele parou de cantar anos atrás.

Em inglês, açúcar mascavo também têm um outro significado além da alusão à sua cor pois remete a uma gíria para heroína.

Questão já foi abordada anteriormente

Nunca escreveria essa música agora“, Jagger disse uma vez em 1995. “Provavelmente me autocensuraria. Pensaria, ‘não posso passar desse ponto. Não posso escrever algo rude desse jeito’“.

Mesmo assim, o vocalista continuou a cantar a música em praticamente todos os shows que a banda deu até 2019, quando aconteceu a última turnê deles, em Miami. Mas o assassinato de George Floyd, um jovem preto americano, por um policial em maio do ano passado provocou uma onda de protestos e mais uma reflexão de como são tratados hoje, em especial nos Estados Unidos e no Reino Unido, a população preta no mundo. Estátuas foram tombadas e referências culturais datadas sobre pretos e a guerra civil americana foram expurgadas. Isso tudo na esteira do #MeToo, movimento contra o assédio sexual que eclodiu em 2017.

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Mas, afinal, por que uma simples retirada de “Brown Sugar” dos shows dos Rolling Stones incomoda tanto?

Simples, porque o mundo se concentra ainda numa bolha racista, xenófoba e patriarcal que elege Trumps e Bolsonaros e criminaliza a imigração no mundo. Basta ver que o rock tem sido abraçado por reacinhas e qualquer outro sentimento colocado numa letra traz o velho discurso de “mimimi” e “politicamente correto”. Mas esse mesmo povo acha completamente aceitável escutar há 52 anos uma música que prega estupro, drogas e escravidão.

Onde isso vai levar, não sabemos. Os Stones estão longe de ser qualquer coisa diferente da época deles, são lendas do rock e viveram uma outra era. Mas agora estão num novo mundo e entenderam que precisam se adaptar. Cabe aos reacinhas aceitarem. Podem surtar também que a gente gosta.

Cadu Costa

Cadu Costa era um camisa 10 campeão do Vasco da Gama nos anos 80 até ser picado por uma aranha radioativa e assumir o manto do Homem-Aranha. Pra manter sua identidade secreta, resolveu ser um astro do rock e rodar o mundo. Hoje prefere ser somente um jornalista bêbado amante de animais que ouve Paulinho da Viola e chora pelos amores vividos. Até porque está ficando velho e esse mundo nem merece mais ser salvo.
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