Crítica de Filme | Spotlight – Segredos Revelados

Bruno Giacobbo

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6 de janeiro de 2016

Ao longo de quase 30 anos, alguns padres da Arquidiocese de Boston desempenharam livremente funções que não faziam parte de suas atribuições como clérigos católicos. Pastores de almas, eles se dedicaram, também, a pastorear a vida sexual de meninos e meninas. Os ‘escolhidos’ tinham um perfil pré-determinado: membros da camada mais humilde da sociedade, com um histórico de problemas familiares e, muitas vezes, filhos de pais ausentes. Como bons cordeiros desamparados, estas crianças, devido a uma fragilidade emocional latente, eram mais suscetíveis ao consolo espiritual e corporal oferecido pelos sacerdotes. Quem pensa que o comportamento permissivo destes homens de fé passou despercebido, está enganado. Em 1984, ao assumir o comando da Igreja local, o Cardeal Bernard Law foi reiteradamente alertado sobre a prática de seus subordinados. No entanto, em vez de promover investigações internas e afastá-los até a comprovação ou não da veracidade das denúncias, ele nada fez a não ser, no máximo, trocar os envolvidos de paróquia. Uma atitude complacente que gerou um dos maiores escândalos religiosos de todos os tempos.

Dirigido por Tom McCarthy, Spotlight – Segredos Revelados retrata os bastidores da investigação jornalística que jogou luz e revelou ao mundo esta história escabrosa. O filme começa em 1976 e em sua cena inicial uma cadeia. Dois policiais estão de plantão. Em uma sala, uma mulher com duas crianças entretidas por alguns brinquedos. Um homem chega e pergunta pelo padre John Geoghan. Ele se encontra isolado em outra saleta. Um sacerdote mais velho também já está por lá. Ele conversa com a mulher, fala sobre importância do trabalho que a Igreja realiza e vai embora com o religioso que estava sozinho. Há um corte e a trama vem para o ano de 2001. O cenário, agora, é a redação de um grande jornal. The Boston Globe. Alguém está em vias de se aposentar e os colegas estão se despedindo. É aqui que somos apresentados a Walter “Robbie” Robinson (Michael Keaton), Mike Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d’Arcy James), respectivamente, o editor e os repórteres da editoria que batiza o longa-metragem e é responsável pelas matérias especiais.

A partir desta rápida introdução, o roteiro, escrito a quatro mãos pelo próprio cineasta em parceria com Josh Singer, faz o público mergulhar no dia a dia de uma grande redação. É quase uma aula prática de Jornalismo ao mostrar todo o trabalho de apuração que existe antes de publicar qualquer matéria, das mais simples até as mais importantes, que, diversas vezes, acabam se tornando um grande furo investigativo; as negociações de poder que ocorrem em uma reunião de pauta (que não diferem tanto assim do jornal, para o radio ou a televisão) e o exercício ético que é tentar ouvir sempre os dois lados da notícia. Além disto, os autores utilizaram expressões jornalísticas como ‘suíte’ (o desdobramento de um fato publicado anteriormente), por exemplo, sem soar pedante ou comprometer o entendimento do que está acontecendo na história por parte dos espectadores leigos.

Spotlight - Segredos Revelados Meio

Um dos grandes méritos do filme é mostrar com clareza o poder da Igreja Católica. Desta forma, temos uma noção aproximada do que aqueles jornalistas enfrentaram. Proporcionalmente, Boston é uma das metrópoles norte-americanas com maior número de fiéis católicos. Assim, a religião está tão arraigada na cultura popular quanto o baseball, esporte mostrado em uma cena onde Rezendes aparece no Fenway Park, o estádio do Red Sox. Já em algumas passagens, a maneira de agir da cúpula eclesiástica, através de seu exército jurídico, é parecida com o da Máfia, outra ‘instituição’ tradicionalíssima na cidade: intimidação e ameaças veladas. Críticas à parte em relação a este comportamento institucional, outro acerto é não apelar para generalizações do tipo, “todos os padres são pedófilos”. Como diz, lá pelas tantas, um personagem: “Estas pessoas passarão”. O foco é, precisamente, no escândalo e nas investigações que o desnudaram. E, em meio a tudo isto, há ainda espaço de sobra para todos os atores brilharem um pouquinho que seja, em um dos melhores desempenhos de elenco da temporada, com especial destaque para Ruffalo e Keaton.

Herdeiro de um longo filão de filmes sobre atividades jornalísticas, Spotlight – Segredos Revelados desponta como um dos principais candidatos à láurea máxima da Academy of Motion Picture Arts and Sciences (AMPAS). Ao guardar grandes semelhanças com o excepcional “Todos os Homens do Presidente” (1976), ele talvez seja o mais patriótico dos concorrentes, pois retrata como os norte-americanos, neste caso, especificamente, os cidadãos de Boston, encararam de frente uma situação bastante traumática e viram a justiça triunfar com a ajuda de uma imprensa livre, independente e atuante. Reunidas em um único longa-metragem e realizadas de forma competentíssima, estas são características que o pessoal de Hollywood costuma apreciar e, na hora agá, podem fazer a cabeça dos eleitores.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

FICHA TÉCNICA:
Direção: Tom McCarthy.
Produção: Blye Faust, Steve Golin, Nicole Rocklin e Michael Sugar.
Roteiro: Tom McCarthy e Josh Singer.
Elenco: Mark Ruffalo, Michael Keaton, Rachel McAdams, Liev Schreiber, John Slattery, Brian d’Arcy James, Stanley Tucci, Gene Amoroso, Jamey Sheridan, Billy Crudup, Maureen Keiller, Richard Jenkins, Paul Guilfoyle, Len Cariou, Neal Huff, Michael Cyril Creighton e Laurie Heineman.
Trilha Sonora: Howard Shore.
Direção de Fotografia: Masanobu Takayanagi.
Montagem: Tom McArdle.
Duração: 128 minutos.
País: Estados Unidos.
Ano: 2015

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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