Sobre Ser Natural
José Danilo Rangel
1.
Gente natural, que é porque é!
Mas o que é isso de ser natural,
de ser como é, ponto?
Não entendo…
Há quem diga: nasci assim!
Não sei se algum animal
nasce para algo diverso de
atender à fisiologia:
comer, defecar,
continuar a espécie…
As pessoas nunca são as mesmas,
não vão do berço à cova, iguais,
vão se tornando, vão mudando,
conquanto mudem coisas
de dentro e de fora,
Mas aí, se pegam num momento
e dizem: sempre fui assim!
2.
Por esses dias, entediado
ou com o trabalho, ou com as aulas,
perdi um bom tempo imaginando
como seria o “homem natural”
(tal como o concebo
– mais animal que homem)
vivendo nos dias de hoje.
Fiquei me perguntando
como seria vê-lo comer de garfo e faca,
ou abrindo a porta para alguém passar,
ou cedendo o lugar para um idoso
no ônibus.
Fiquei me perguntando
se ele se preocuparia com os pelos
do peito ou do suvaco, se iria
ao banheiro aparar os pentelhos,
talvez não.
3.
Talvez seja medo, o medo
de se olhar e encarar a possibilidade
(apenas a possibilidade),
considerar, por um momento que seja,
a possibilidade de ser invento.
A quem agrada a ideia
de ser produto?
Entender-se criatura,
mas não cria divinal,
cria do mundo,
talvez doa…
Talvez seja só preguiça,
um grande cansaço antecipando
a grande trabalheira que seria
se aceitar invento, posto
que daí surgiria a necessidade
de se inventar, ou de se reinventar,
não sei…
Talvez,
aqueles que se acreditem naturais,
naturais como uma flor é natural,
naturais como um lobo é natural,
naturais como as estações,
tenham aprendido a se ver
do modo que se veem
E não pensando e não se pensando
(exigência da naturalidade presumida),
hoje, estejam apenas sendo o que são,
o que podem ser, o que lhes é permitido ser,
nem mais, nem menos que isso.
Aí, você me pergunta:
Se ninguém é natural,
como pode alguém
ser o que é?
4.
Quando digo “ninguém é natural”,
não digo que ninguém não é o que é,
digo apenas, que não sendo natural,
este ou aquele indivíduo é o que é
no momento em que está sendo.
Mas ele pode mudar
tanto quanto ser mudado,
pode mesmo chegar a negar
quem é, num certo dia de mal humor
e intensa insatisfação,
ou num dia de grande euforia
e autoconfiança…
Vê como é esquisito?
Imagine alguém que nasceu para ser
algo e para (a certa altura
deste sendo) negar-se
e ser outro. Isso é que é
relógio biológico…
Não é mais lógico imaginar
que este ser não nasceu
nem para isso, nem para aquilo
que seja, mas que aprendeu a ser,
que fora moldado e que, tal como é,
seu ser, é sustentado por fatores
conquanto estes se sustentem.
5.
Já falei sobre o assunto
com muitas pessoas e a maioria delas
sempre se incomoda, acha
que a ideia da não naturalidade
retira de cima do indivíduo
tudo o que é dele, atribuindo o mérito
(ou o demérito) a outrem.
Não é assim.
O que é do indivíduo é dele!
Ora, tudo o que ele pegou
para si, à força, ou sorrateiramente,
ou porque estava ali, disponível
como uma fruta no mercado,
é dele.
Assim, como tudo o que a ele
foi imposto, toda a carga
que lhe puseram às costas
e ele ou aceitou ou foi obrigado
a aceitar, ou ainda aquilo
que sobre ele depuseram
sem qualquer opção.
O que ele absorveu é dele,
cada marca e curva e relevo
e buraco nele esculpido
pelas vicissitudes da vida,
é dele.
O que ele se tornou é ele,
cada escolha que fez, ou deixou de fazer,
cada ato praticado e omissão,
cada alegria ou dor,
é ele.
Mas, por mais pronto que se sinta,
quem não está exposto a mudanças?
Este ser que é não vai de novo e de novo,
enquanto seja e viva,
arrecadar e abandonar coisas?