Ao Seu Lado
Crítica do filme
Sem estardalhaços, A Montanha Matterhorn, ganhador do prêmio do público no Festival de Roterdã, é um filme próprio para sentar e relaxar. Essa comédia dramática perpassa por pontos nevrálgicos de forma leve e até mesmo lúdica, com belas cenas da natureza local.
Um pouco depois da abertura do filme vemos Fred (Ton Kas) sentado numa poltrona, ouvindo a ária Erbarme dich (“Tende misericórdia”) de Bach – luterano devoto, conhecido por suas peças sacras -, sendo cantada por uma bela voz. A música que ele ouve está numa fita e num take seguinte vemos escrito “Johan (8 anos de idade)” nela. Sua introspecção é interrompida por um burburinho do lado de fora. Ao ir checar o que ocorria, temos o início da relação de Fred, um solitário e metódico homem de 54 anos, morador de um lugarejo afastado onde as regras sociais são ditadas pela igreja local, com Theo (René van ‘t Hof), um completo estranho que transforma sua rotina.
Fred tenta enquadrar Theo em sua rotina, e por um curto período se sai bem. No entanto, é o desconhecido que consegue trazê-lo definitivamente para o seu lado, para um mundo mais leve, sem preocupações, solto, sem regras e lúdico, fazendo com que Fred saia da mesmice e explore o mundo ao redor.
O diretor Diederik Ebbinge, em seu primeiro longa para o cinema, mostra bem o lado obsessivo do protagonista através de seus hábitos. Fred tem dia certo de ir à igreja, o horário determinado para fazer as refeições, pontualmente às 6 horas, praticando sempre o mesmo ritual antes de dar a primeira garfada: rezar e olhar para foto de sua mulher com seu filho pequeno na parede. No interior de sua casa tudo é muito limpo e asseado. Não existe luxo, os móveis são clássicos e cada item está em seu devido lugar. Vemos todo o cuidado na construção da cenografia, fazendo transparecer o quanto o personagem leva a organização ao nível máximo, até mesmo a disposição dos itens na mesa e da comida no prato. Tudo muito organizado.
Assim como Fred, Dieddrick Ebbinge também é rigoroso na construção das ações no filme, todo ele bem amarrado. A religiosidade de Fred beira o puritanismo. Cuidar de Theo talvez seja visto pelo protagonista como um ato cristão, uma prática religiosa depois de passar tanto tempo orando. Bem, no início pode até ser, mas o relacionamento entre dois se estreita de tal forma que ele não se vê mais sem a presença de Theo em sua vida.
Fora dos padrões que estamos acostumados a ver em produções hollywoodianas, A Montanha Matterhorn traz a diversidade sem levantar bandeiras, mesmo não se tratando de um filme sobre relações homoafetivas. E justamente por sair dos padrões que Fred sofrerá as consequências nada agradáveis onde vive. Situações adversas surgirão, desestabilizando sua rotina já modificada por um elemento. Viverá na pele algo que ele mesmo enfrentava dentro de casa, mas que deixou soterrado por anos, mas que terá que enfrentar de um jeito ou de outro. O encontro com seu filho será inevitável.
As mudanças, a reviravolta na vida de Fred, pode ser vista na falta de ordem e no mini caos que se instala em sua casa e no seu modo de vida. Ele passa a beber cotidianamente, a ter itens espelhados na mesa e pelo chão. Não somente, estremece sua relação com a igreja ao deixar de frequentá-la. As verdades dos personagens vêm à tona: os acidentes que marcaram tanto Fred como Theo, e o conflito com o vizinho Kamps (Porgy Franssen), demasiadamente cristão e conservador, o antagonista de Fred.
O roteiro traz a velha fórmula de redenção cuja solução é enfrentar os erros do passado e aceitar o presente, vivendo da melhor forma possível, sem se acovardar atrás de uma vida miseravelmente reclusa ou ficar preso um mundo conservador e religioso. A relação que Fred estabelece com Theo quebra o maniqueísmo do lugarejo. Por fim, temos uma produção bonitinha, com passagens engraçadas, cativantes, com as esquisitices do cinema holandês que pode emocionar, mas que não é marcante.
BEM NA FITA: roteiro, bem estruturado, a quebra de um maniqueísmo, a cenografia detalhada e a trilha sonora com Bach e bela fotografia.
QUEIMOU O FILME: não se trata de um filme marcante.
FICHA TÉCNICA
Título Original: Matterhorn
Gênero: Drama/Comédia
Direção: Diederik Ebbinge
Roteiro: Diederik Ebbinge
Elenco: Ton Kas, René van’t Hof, Porgy Franssen, Ariane Schluter
Fotografia: Dennis Wielaert
País: Holanda
Ano de produção: 2013