O paganismo selvagem na jornada do herói.

Em O Herói de Mil Faces, Joseph Campbell analisou o papel do herói nas mais diversas mitologias da Antiguidade e sua influência na formação de padrões de narrativas e personagens. Seu apanhado de ideias, com base nos arquétipos (modelos de personalidade) de Carl Jung, foram assimilados com sucesso pela indústria cinematográfica e gerou sucessos que se tornaram clássicos, como Star Wars, de George Lucas.

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Não demorou muito para que Chistopher Vogler adaptasse tais conceitos em sua obra A Jornada do Escritor, guia fundamental para ensinar roteiristas a usar os arquétipos mitológicos na elaboração de narrativas audiovisuais. Na obra, Vogler formula seus próprios modelos que podem ser usados em um ou mais personagens de acordo com a trama: O Herói, o Mentor, o Guardião do Limiar, o Arauto, o Camaleão, a Sombra e o Pícaro.

Baseado em conto de Stephen King e Joe Hill

Em Campo do Medo (In The Tall Grass), filme de Vincenzo Natali baseado em um conto de Stephen King e seu filho Joe Hill, vemos uma narrativa de terror psicológico em que um grupo de pessoas, em momentos diferentes, são atraídas para dentro de um mar de grama alta, não por acaso em frente a uma igreja abandonada.

Campo do Medo Netflix

O aspecto mais interessante do roteiro é começar com a aparência de uma narrativa linear comum para, aos poucos, inserir personagens que acumulam as funções dos arquétipos de Vogler, com destaque para o Herói, protagonista do filme; bem como o Guardião do Limiar, que estabelece o limite que aquele deve ou não ultrapassar; e a Sombra, o inimigo à espreita.

Para que tudo funcionasse, seria preciso uma ligação imediata com o público, não apenas através de momentos de tensão, o que levaria apenas a uma sucessão de sustos fáceis, mas nos aspectos mais primitivos de nossa psiquê, bem como no uso do campo do título como um labirinto que afeta a percepção do próprio tempo e do espaço, tornando-se imutável e tragando todos aqueles que nele adentram.

Campo do Medo Netflix (2)

Execução oscilante, mas narrativa circular

Para enquadrá-lo, o diretor faz bom uso de tomadas aéreas e internas de locação, delineando imediatamente um ambiente claustrofóbico durante o dia e aterrador à noite, com uso de efeitos digitais e práticos sem exagero. Mas a fotografia de Campo do Medo, que acerta ao filmar a igreja em uma iluminação verde, como se de alguma forma tivesse sido apodrecida pelo campo, em determinados momentos, peca ao deixar visível o uso de imagens sobrepostas.

Por outro lado, a escalação do elenco se revela bem acertada, com exceção da deslocada Rachel Wilson. O cast é formado por atores desconhecidos e esforçados em seus papéis. Vale destacar a canadense com ascendência brasileira Laysla de Oliveira e o garotinho Wiil Buie Jr. (sinistro ao anoitecer). Aliás, o único nome famoso é Patrick Wilson, já conhecido no gênero pelos filmes da série Invocação do Mal.

Por fim, com suas virtudes e defeitos, Campo do Medo poderia ter sido bem melhor na sua execução. Entretanto, sua narrativa circular, auxiliada pela boa montagem de Michele Conroy, não deixa que o espectador se confunda, bem como aprecie uma história tensa e profundamente arraigada em nosso inconsciente.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: In the Tall Grass
Direção: Vincenzo Natali
Roteiro: Vincenzo Natali, baseado em conto de Stephen King e Joe Hill
Elenco: Patrick Wilson, Harrison Gilbertson, Rachel Wilson
Distribuição: Netflix
País: Canada
Gênero: terror
Ano de produção: 2019
Duração: 101 minutos
Classificação: 16 anos