Pedra Rara é um achado e a humanidade é um grande garimpo. Nesta obra de literatura, João Carpalhau nos presenteia com roteiros de contos poéticos onde talvez o caos não exista, só uma melancólica beleza. A arte viajora e provocativa exibe (ir)realidades diversas.

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A personagem Olinda e seus monstros nos guiam por uma região de periferia. Inclusive, a obra flutuou até minhas mãos durante a Rio Comics, no Imperator, através do desenhista Valu Vasconcelos, responsável pela arte de “O gato preto não existe”. Quando me ofereceu resumiu como um “Além da Imaginação de Duque de Caxias”.

além da imaginação com black mirror

A saber, Pedra Rara apresenta quatro estórias que apresentam um mundo real e imaginário ao mesmo tempo emaranhando paz e corrupção, ludicidade e melancolia. Cada uma delas contém toques de filosofia levadas pelo som do saxofone de Olinda, inclusive, por falar nisso, tem um QR Code na última página que permite escutar essa trilha sonora original.

Realmente, a referência feita por Valu Vasconcelos quando me mostrou a revista logo me chamou a atenção, pois Além da Imaginação é uma das minhas séries preferidas desde garoto e vejo como a mãe de Black Mirror. Valu não poderia ter resumido melhor, a HQ definitivamente poderia resultar em quatro episódios de qualquer uma dessas obras televisivas. A mistura entre realidade e fantasia, o tom de horror e devaneio, sonho e concreto. Policiais, bandidos, políticos, coisas sobrenaturais e o povo no meio.

Ademais, abrindo a revista temos a estilosa arte de Marsal Branco, bem finalizada, com jogo de sombras eficiente em quadros expressivos com um roteiro que faz referências claras à Goya somando a uma melancolia quase musical. Os meandros passíveis de acontecer em uma favela estão ali e permeiam toda a obra.

mundo cão atrás do gato preto

Logo após, na arte abdutora de André Oide: “Pedido de Resgate” mostra que enxergar pode ser perigoso nessa cidade insegura. Prisões e conveniências em uma estória rápida que desperta a reflexão. Seguida por “Arquivo Corrompido”, desenhada com certo realismo fantástico por Pericles Júnior. Sensualidade, surrealidade e soluções interdimensionais.

Afinal, “O gato preto que não existe” é um sobrevivente entre leões humanos. Mundo cão? Não. Mundo dos homens. Valu Vasconcelos brinca com os quadrinhos em assimetrias que enriquecem, um clima de terror, escurecido, lembrando Cemitério Maldito.

Em suma, permanecem perguntas após a saborosa e introspectiva leitura. A HQ tem produção de Alessandra Schimite e Luciana Asada; balões e letras por Alex Genaro. “Arquivo Corrompido” e “O Gato Preto que não existe” tem ótimas cores feitas por Cristiano Ludgerio. Além disso, o prefácio é de Eduardo Marinho. Quadrinho independente nacional de qualidade esplêndida. Uma das melhores que li nesse ano, uma grata surpresa.

Aliás, a parte triste é que o promissor João Carpalhau, quadrinhista, ilustrador e promotor cultural, faleceu aos 38 anos no dia 26 de julho de 2018, vítima de um ataque cardíaco, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Contudo, continua vivo nas suas inebriantes obras. Vale conferir Pedra Rara.