Ao Seu Lado
Crítica do filme
Estreia no Canal Brasil, nesta sexta (25), às 21h30, a série original de ficção Colônia, de André Ristum. A saber, na mesma data, todos os 10 episódios estarão disponíveis nos serviços de streaming Canais Globo e Globoplay e o primeiro episódio estará disponível para não assinantes por sete dias.
Criada e dirigida por André Ristum, a série é, em suma, inspirada no livro o “Holocausto Brasileiro”, de Daniela Arbex. Aborda, assim, uma página triste da nossa história, o Hospital Colônia de Barbacena, criado em 1903 e desativado no final dos anos 1980. A saber, lá morreram cerca de 60 mil pessoas devido a maus-tratos, eletrochoque, tortura, assim como abandono. O psiquiatra italiano Franco Basaglia comparou os pátios abarrotados a campos de concentração nazistas.
“Colônia” foi lançada com uma coletiva de imprensa virtual, na última terça (22). Conta a história de Elisa (Fernanda Marques), que vai parar no hospício em 1971, internada pelo pai, por se recusar a casar com um rico fazendeiro de Minas.
Em seu decorrer, a série vai falando do dia a dia de outras figuras, o alcoólatra Raimundo (Bukassa Kabengele), a prostituta Valeska (Andréia Horta), o homossexual Gilberto (Arlindo Lopes), assim como dona Wanda (Rejane Faria). Em comum aos personagens, o fato de todos terem sido rejeitados por suas famílias, e, assim, internados lá. Como aconteceu com várias pessoas na vida real.
“Estima-se que na “Cidade dos Loucos” — era também assim chamado o conjunto de sete pavilhões —, 70% dos internos não tinham comprovação de doença mental. Era formada por “pessoas indesejadas”, como prostitutas, gays, alcoólatras, mendigos e até mesmo militantes políticos.
“Lendo o livro da Daniela e tomando mais contato com a história, fiquei muito impactado e quis contar essa história sem disfarces”, conta o diretor da série, André Ristum. Os atores foram, assim, tocados pelos temas e alguns tiveram suas próprias experiências pessoais.
“Na minha família há histórico de pessoas com doença mental. É algo que minha família nunca falou de forma natural. Quando recebi o convite para fazer a série, fui atrás para saber como funcionava o hospital. Uma história terrível”, conta Fernanda Marques que interpreta a protagonista.
Rejane Faria, que é justamente de Barbacena, conta que a princípio, quando escutou falar da história, achava tudo tão drástico que parecia algo vindo de um passado muito distante. “A cidade toda sabia que existia o hospital, onde era o local, mas eu não conhecia a história”, relata ela, explicando que depois descobriu até que sua bisavó materna havia sido internada lá. Em “Colônia”, sua personagem Wanda ajuda os outros internos a passar pelas dificuldades. “Ela descobre uma maneira de viver, escolhe sobreviver, vai criando sua vida com a vida deles”, afirma.
Andréia Horta, que é de Juiz de Fora, lembra que só foi tomar conhecimento do hospital quando deixou a cidade. “Por que não se fala sobre isso? Fiquei chocada como mineira, brasileira, mulher, artista. Era de fundamental importância contar essa história”, diz ela, que interpreta Valesca, uma prostituta que se envolve com o prefeito de uma pequena cidade.
O ator Arlindo Lopes teve que buscar um tom diferente para seu personagem Gilberto, um gay que é indicado para o hospital pelo pároco da sua cidade pois lá encontraria a cura gay.
“Ele gostava daquele lugar, talvez porque lá dentro ele fosse mais livre do que fora”, conta o ator, que se sentiu motivado a falar de homossexualidade na série após observar uma estatística que indicava aumento de 137% de homicídios contra pessoas LGBTQI+ em 2020.
Augusto Madeira, que faz o enfermeiro Juraci na série, diz que o Colônia era “um campo de morte onde as pessoas morriam de inanição, de frio e também de esquecimento”.
“Eu quase não aceitei esse trabalho por ter feito algo semelhante em ‘Nise: O Coração da Loucura’, de 2015. Mas ao ler o roteiro, vi que não tinha nada a ver. Em ‘Nise’, você tem afeto, esperança e em ‘Colônia’, você tem abandono e esquecimento. A Colônia era um lugar em que se colocava o que a sociedade brasileira intolerante não queria ver”, completa o ator.
Já Bukassa Kabenguele, que estava em Montevidéu, no Uruguai para um trabalho, faz um paralelo da série com a vida normal. “A gente fala dos excluídos, há uma ponte direta. Um policial me disse que quem for roubar no Brasil deve roubar milhões. Não adianta roubar pouco, porque quem vai preso é sempre preto, puta e pobre”.
A saber, Colônia foi toda filmada em preto e branco, como resgate de época e com um certo clima de terror e suspense. As gravações foram feitas em locações entre Campinas e São Paulo. O hospício foi reconstituído em um edifício antigo no bairro do Ipiranga, na capital paulista. O projeto foi deixado de lado porque, além de interferir demasiadamente no dia a dia do local, ainda há pessoas que estão lá desde a época retratada na série.
“Quando eu imaginava a série, eu não conseguia enxergar de outra forma que não em preto e branco. A vida dessas pessoas era tão sem cor, sem brilho, que, para mim, não fazia sentido rodá-la colorida”, afirma André Ristum.
Ristum recordou as inspirações da série como as fotos tiradas pelo fotógrafo Luiz Alfredo no próprio hospital, e publicadas pela revista ‘O Cruzeiro’, em 1961, que deram ao local a fama de Holocausto brasileiro pelas péssimas condições onde se encontravam os pacientes. Outra referência foi o documentário ‘Em Nome da Razão’, dirigido no hospital por Helvécio Ratton em 1979.
“Era brutal olhar nos olhos das mulheres internadas lá, nas fotos. Foi o ponto de mergulho inicial tentar entender aquela dor e desesperança”, conta Andréia Horta.
Rejane Faria lembrou sobre como era o contato de afeto entre os internos: tinha certeza que a pessoa estava com você. A gente tinha que descobrir como era, para chegar nesse lugar delicado de atuar”.
Em 1933, o escritor Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas, 1956), que trabalhou brevemente como médico no Colônia, originou a expressão “trem de doido” em um de seus livros, em 1962, para se referir aos comboios que chegavam à estação Bias Fortes, em Barbacena. Eles traziam vários internos amontoados como animais para as Colônia. Assim que atravessavam os portões do hospital, eles deixavam de existir.
Anos depois, o cenário rendeu comparações inevitáveis com os campos de concentração nazistas, já que os trens também levavam os prisioneiros nesse transporte. Apesar de tudo isso, foi apenas na década de 1980 que a história do Hospital Colônia teve fim, encerrando de vez as atividades. Dentre os que sobreviveram durante e depois, adicionando os que fugiram, soma-se um total de 200 pessoas. Em 1996, um dos pavilhões se transformou em museu para manter viva essa lamentável memória da história brasileira.
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