Qual é o seu plano de vida? Quando e por que seu sentimento acaba e o do outro inicia? Você está onde gostaria de permanecer daqui a dez anos? Está se deixando em segundo plano pelo outro ou simplesmente vive no modo automático? Pode ser que a vida esteja passando debaixo do seu nariz e existe grande probabilidade de já não sentir mais o aroma de nenhuma excitação além daquilo que já se tem ao redor. O primeiro longa de Gustavo Galvão, Nove Crônicas para um Coração aos Berros, que assina o roteiro junto com Cristiane Oliveira, joga a todo o momento na tela questões como essas.

De repente nos vemos questionando onde estamos e o que queremos realmente fazer. E se aquilo que se vive está valendo o movimento do seu diafragma neste instante. O fato é que estar insatisfeito é uma boa prerrogativa de arcar com uma verdadeira mudança. Algo estrutural. Nada de ajustes ou contenções.

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O filme nos conta em 93 minutos os dissabores do cotidiano de diferentes pessoas através de um formato bem parecido com sketches; aforismos talvez. Traz uma dinâmica arrastada como a vida de cada personagem que nos é apresentado ao longo do filme. Todos, jovens ou idosos, estão imersos num cotidiano sem perspectivas, presos em círculos viciosos. Essa realidade, como bem disse Nietzche, tem um devir renitente; um eterno retorno. O diretor faz questão de marcar bem isso na escolha do modo de filmagem. Já o roteiro nos traz boas surpresas na construção dos diálogos. Sorrir diante de situações enfadonhas, que foram tratadas com um humor preciso, não será surpreendente. Assim como, depois de meia hora, sentir-se cansado e inquieto por entrar em sintonia com os personagens.

Os cenários, em sua maioria em ruínas, remetem à ideia de destruição pra que haja um possível recomeço. Longe do caótico, as interposições nos forçam a repensar o posicionamento diante de nossas vidas e semelhantes (queridos ou não). O destino que assola os personagens testa os limites de cada um. Bem, nem todos conseguem ultrapassá-los; nem todos se libertam do desespero de existir. Quando o corpo manda e nossa mente não capta ou se recusa a fazer o que lhe foi colocado, paga-se um preço alto.

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Uma viúva e dona de casa (Denise Weinberg), que cuida do filho (Julio Andrade) – um quarentão formado em administração (por imposição de seu pai) -, passa a recusar pagar o preço de não fazer aquilo que se deseja. E assim, um belo dia, deixa um bilhete sobre a mesa da cozinha e segue sem destino certo. Finalmente obedece ao chamado de conhecer novos lugares e pessoas, fato há muito abdicado por ter se casado com um acomodado e, posteriormente, ter se dedicado a criação do filho que, definitivamente, não entendeu como uma pessoa pôde mudar tanto. Não compreendeu que ela não mudou, apenas deu passagem à voz de seu corpo, ação às suas pernas e braços. Apenas foi viver. Ele continuou a ser apenas um crachá.

Nove Crônicas para um Coração aos Berros ganhou prêmio de Melhor Direção no 10º Festival de Cinema de Maringá (2013).

BEM NA FITA: O trabalho do diretor e a forma como foi filmado. Trouxe inquietação necessária para reflexão.

QUEIMOU O FILME: O áudio deixou a desejar. Não deu pra entender algumas passagens do diálogo.

FICHA TÉCNICA:

Gênero: Drama
Direção: Gustavo Galvão
Roteiro: Cristiane Oliveira, Gustavo Galvão
Elenco: André Frateschi, Cacá Amaral, Carolina Sudati, Charly Braun, Cristiano Karnas, Denise Weinberg, Eucir de Souza, Evelyn Ligocki, Felipe Kannenberg, Júlio Andrade, Larissa Salgado, Leonardo Medeiros, Marat Descartes, Marcelo Coutelo, Mário Bortolotto, Paula Cohen, Plínio Soares, Ramiro Silveira, Rejane Zilles, Rita Batata, Rodrigo Bolzan, Simone Spoladore, Vanise Carneiro, Vinícius Ferreira
Produção: Gustavo Galvão
Diretora de arte: Valeria Tovar Verba
Fotografia: André Carvalheira
Montador: Marcius Barbieri
Trilha Sonora: Assis Medeiros
Duração: 93 min.
Ano: 2012
País: Brasil
Cor: Colorido
Estreia: 04/10/2013 (Brasil)
Distribuidora: Vitrine Filmes
Estúdio: 400 Filmes / Ludo Filmes