Hoje o BLAH CULTURAL tem a honra de entrevistar a banda Iluminato, banda carioca de Gothic Metal. Formada em dezembro de 2009 no Rio de Janeiro por Pablo Ferreira com a ideia de criar uma banda de Symphonic Metal com muita influência do Gothic Metal e flertando com o Death e o Doom e algumas passagens bem loucas. Nossa equipe teve acesso exclusivo à banda que nos concedeu uma entrevista. Confira:
BLAH CULTURAL – O que levou vocês a criarem uma banda e como foi escolher este gênero dentro do metal? Vocês se consideram uma banda de Gothic Metal?

ILUMINATO (Pablo) – Na época eu criava alguns projetos, geralmente covers, para tocar por diversão e fazíamos alguns shows. Quando eu passei a ter um contato mais profundo com o Gothic Metal eu fiquei com esse desejo de criar uma banda deste estilo com musicas de própria autoria. Apesar de não considerar o Iluminato uma banda de Gothic Metal. Permita-me explicar mais a fundo: A temática gótica e esse estilo envolve um sentimento conflituoso de contemplação com o divino e ao mesmo tempo um luto por não poder alcançar (ou resgatar) o mesmo, como um anjo caído incapaz de retornar. Esse fenomeno pode ser interpretado de forma espiritual ou simplesmente psicológica. Ao contrário do que pensam, esse tipo de postura gótica não começou na musica, sequer no nosso século e não diz respeito apenas a musica. Um desses registros remete ao mal-do-seculo da epoca do Romantismo, passando pela visão de poetas como Goethe e Álvares de Azevedo onde a temática gira em torno de um luto pela infância perdida e uma tentativa de retorno pra esse lugar (o divino perdido, o paraíso inalcansável) e uma idealização da morte, não apenas como uma visão negativista mas também como um portal para o outro lado, o outro mundo. Um fim do fardo que seria viver esta vida em memória de algo que se não remete a infância, remete a algo anterior, uma tentativa de reconexão religiosa (motivo da presença da cruz cristã e símbolos pagãos na temática Gótica). As Gothic Lolitas do japão por exemplo são uma arte que remete a esse fenômeno da infância perdida e o luto da mesma. A simbologia da criança de luto com uma boneca dilacerada representando a infância corrompida. Esse estilo não é incomum de ser visto entre os fãs de Gothic Metal e até mesmo do seu primo, o Symphonic Metal. Não me estendendo muito nessa análise das origens do estilo, que em algum momento se tornou arte através do som no Metal, gostaria de destacar que o divino ou espiritual sempre foi um fator talvez ignorado para quem olha o Gothic Metal de fora, mas presente na essência do estilo. Não se fala sobre Tristania ignorando a presença de passagens críticas da bíblia ou do paganismo nas letras ou de Theatre of Tragedy sem os questionamentos teológicos como presentes na letra de ‘And When He Falleth’ (“Quando Ele Caiu” se referindo a Deus), abordando essa reflexão arriscada que muitas vezes é erroneamente ligada a um satanismo, quando estaria no meu ver mais próximo de uma reflexão Nietzchiana no modo de pensar. Voltando ao Iluminato, nós tivemos uma proposta não de apenas focar nesse lado da lamentação, do luto, do negativismo, do Doom. Mas ao contrário, apontar a bússula na direção Norte que nos leva ao transcedental, ao oculto, nas profundezas onde o ser humano não quer ir, ver ou pensar sobre e nesse sentido nos aproximamos não exatamente das trevas, mas sim de uma luz banida e reprimida. Nossas letras então fogem de certa forma da temática Gótica clássica e se focam em uma temática transcedental, espiritual, filosófica. Desta forma rompemos (sem nunca termos nos unido) com o título de Gothic Metal, levamos algo do estilo mas nos afastamos do centro do conflito mórbido do Gótico pois não focamos em lamentar, mas sim em encontrar uma alternativa. Estamos mais focados em emergir das trevas do que em imergir. A temática e a sensação do Instrumental permanecem com os traços do Gothic Metal porém as letras não são fieis a este estilo. Dessa forma entramos no puro Symphonic Metal, como o Epica e outras bandas fizeram sem nos considerarmos Goticos ou guardiões dessa bandeira.

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BC – Vocês já foram criticados por conta de uma abordagem talvez ateia no disco, ou agressiva em relação a religião, e parece que já tiveram problemas na cena por conta disso. Poderia falar sobre isso?

ILUMINATO (Pablo) – Sim uma vez ocorreu uma situação onde fomos excluídos de um festival de bandas em que o produtor alegou que nossas letras ofendiam aos cristãos. Nós buscamos nas letras adentrar em questões filosóficas, criticando diversos pontos consensuais da cultura ocidental de forma indireta. Um destes pontos por exemplo é a ideia romântica e fechada do que é o amor, falamos em um tom de liberdade enquanto a cultura fala em aprisionamento e apego. Questionamos também a comum irresponsabilidade do homem perante Deus e a religião. Falamos de forma crítica sobre a ideia ocidental de Deus em alguns momentos, não decretando sua morte ou inexistência numa abordagem ateia, mas criticando a interpretação cultural que temos sobre. Temos uma passagem no disco que em particular sempre levanta pontuações de alguns ouvintes que diz respeito a musica Aurea.

No final da letra de Aurea a personagem diz “…Eu posso caminhar por mim, com a minha vida sem este Deus.” muitas pessoas nos acusaram de vangloriar um ateísmo atéia explícito sem respeitar as religiões, o que eu considero paranóia. Por enquanto estas críticas só vieram de Brasileiros, e acredito que isso diz respeito a dificuldade que temos no nosso país de conseguir analisar os conteúdos de um texto. Nunca ouvimos nada semelhante de nenhum estrangeiro, muito pelo contrário. Por exemplo, na passagem anterior da musica, a personagem de Aurea se vê acorrentada por dogmas e religiões e em determinado momento percebe e diz que diversos Deuses nos reprimiram. Porque ela disse “Deuses” no plural? Sabemos que o cristianismo é uma religião monoteísta, isto é, de apenas um Deus. Isso pode ser interpretado de diversas formas. Estaríamos talvez falando de nossos Pais? De nossos Presidentes? Professores? Pastores? Mitos? Contos? Com certeza não estamos falando apenas do Deus cristão. Dito isso, no final da musica se diz “Eu posso caminhar, por mim, com a minha vida sem ESTE Deus”. Já recebemos críticas de ter escritos que as pessoas devem caminhar sem Deus em suas vidas, mas não é isso que esta escrito. Eu preciso clarificar esta questão de uma vez por todas. Vamos interpretar a frase… É dito no final dela “com a MINHA vida sem ESTE Deus”, isto é, estamos apontando para um modelo de Deus específico que esta na mente da personagem, com o dedo indicador para frente. Não esta escrito “Sem Deus” fechando a possibilidade para uma reconexão ou existência. Alguém pode abandonar um Deus Islâmico, ou Hindu, ou Cristão e encontrar uma vida espiritual e sentido em outra interpretação do que é Deus, ou até mesmo em outro Deus, Islâmico, Hindu ou Cristão. Ao se dizer que pode caminhar por si mesma isto representa a auto responsabilização da personagem perante a vida, a si, e me permita arriscar uma argumentação… Qualquer um que tente acreditar em algo sem antes ser livre para pensar por si mesmo, é apenas um escravo da verdade do outro, sendo religião ou não. O Homem precisa ser dono de si mesmo, da própria verdade e usar o livre arbitrio, para poder existir a possibilidade de se entregar para algo. Caso contrário sequer existe a possibilidade de entrega, pois não há nada a se entregar. Uma pessoa aprisionada a uma Religião que lhe vende uma verdade pronta, para ser livre precisa romper essa corrente, para que, caso a Religião faça sentido, possa voltar a se aproximar, por “si mesma”, livremente, para então ser uma relação real. Algo dito na própria Bíblia inclusive, chamado livre arbítrio. É sobre isso que a letra fala, temos claramente um personagem esmagado por dogmas e crenças de outrem. Que em determinado momento se desperta e passa a caminhar por si mesma. Para onde esta estrada vai levar diz respeito a imaginação de cada um, pode ser a um ateísmo, ou para outra religião, o fim da historia não esta escrito na musica.

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BC – Em outra música existe uma passagem também onde parece haver uma menção negativa a Jesus Cristo, poderia falar sobre isso?

ILUMINATO (Pablo) – Em Hell temos uma passagem que ja foi mal interpretada igualmente, novamente por tocarmos em questões tão delicadas para a sociedade. Olhando a historia que se passa nesta musica vemos claramente um personagem em sofrimento, representado pela voz gutural, que implora pelo fim do caos em sua existência. Uma segunda entidade aparece e lhe revela que o que ele busca se encontra dentro dele mesmo, em seu “Ser”. Em crise o personagem berra no interlude, ao ver sua espera pela salvação externa encontrar uma frustração. Então diz, gaguejando, “E então, serei em algum momento o escolhido? Se eu acreditar neste falso cristo eu nunca alcançarei este longínquo céu?” se referindo ao seu antigo salvador, que nunca veio enquanto ele esperava por uma solução externa. Pontuando o fato de que o termo “cristo” não é como muitos pensam o sobrenome de Jesus, mas sim um título espiritual que diz respeito a um nível de consciência e evolução chamado “consciência Crística”, presente em diversas culturas, como na Hindu no avatar KRISHna, como em Jesus CRISTO. O falso cristo seria exatamente um enganador, o anti-cristo, falso cristo, aquele que se diz ser a luz, mas não é. Um discurso encontrado bastante inclusive nas maiores igrejas cristãs. Mas supondo que estamos falando sobre Jesus Cristo e não sobre uma consciência crística. A entidade que lhe guia, ao perceber que o personagem esta em sofrimento e desesperado questionando suas crenças, lhe consola após ouvir que o céu é inalcançável, “O céu está dentro de você” apontando que ele foi enganado em todos aqueles momentos, para não ser mais do que um ser transcedental, um imortal, interprete isso da maneira que quiser. Então as angustias e desesperos de um dos personagens em um dialogo na musica não representa uma mensagem da banda como uma verdade. É o que é, um dialogo, um debate, um questionamento. O personagem agonizando fala com raiva sobre o falso cristo que lhe enganou, não nós. Também somos a voz da entidade de luz que lhe consola, mas sobre essa voz poucos falam sobre correto? De qualquer forma passagens que criticam inclusive de forma severa, que não acredito que tenhamos feito isso, estas crenças padronizadas da sociedade são encontradas também em bandas clássicas do Gothic Metal, e em geral em estilos como o Death Metal, Metal Extremo, Black Metal etc, e raramente carecem de argumentos e valores para se pensar sobre. Não sei se estes mesmos produtores iriam banir uma banda internacional de um evento como o Cradle of Filth por exemplo, uma banda de gothic metal que não só critica como ironiza o cristianismo, e esta presente e idolatrada em diversos festivais pelo mundo.

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BC – Você se frustra com estas críticas e acusações?

ILUMINATO (Pablo) – Em certo nível eu acho injusto e hipócrita. Apesar de tentar não levar para o lado pessoal. Para mim ser metaleiro, estar na cena do Metal é esperar por mudanças, por novas formas de pensar, de analisar, de criticar. Se conter a dizer o que querem ouvir, e não questionar, conflita na minha perspectiva com a ideia e propósito da existência do Rock e do Metal na sociedade. Fazer inquisição com a arte é algo que eu não concordo. Não somos satanistas, nem ateus, somos apenas Metaleiros filosofando sobre diferentes formas de pensar, que muitas vezes podem trazer perspectivas positivas e saudáveis para muitas pessoas, e este é o propósito. Uma coisa que sempre foi clara para mim é que não vamos nos restringir, de qualquer forma, através do medo e intimidação, a nenhuma regra que limite a nossa criatividade no instrumental ou os questionamentos em nossas letras. Se isso incomoda alguém, acho que estes são os perfis de fãs que não estão acostumado a ouvir o Metal europeu, underground ou pesado que são influências nossas. Quando recebemos estas críticas eu também não me fechei e corri atrás de reler diversas vezes nossas letras tentando encontrar algum lugar onde poderíamos ter errado na forma de transmitir nossa mensagem, mas não encontrei erro algum, para mim esta claro. Tudo se resume a uma banda escrevendo livremente sobre questões e pontos de vistas que uma parte da sociedade simplesmente não quer discutir. Assim como se vende Deus em toda esquina e ninguém pode questionar o assunto senão é atacado pela comunidade Religiosa, comunidade que em geral sequer critica a si mesma. Tocar na questão da Religião é delicado, mas somos uma banda proxima do Gothic Metal e essa é a nossa temática. Compreendo os traumas históricos como a inquisição, o nazismo, e banhos de sangue moral que permeiam nossa sociedade. Tentamos fazer isso com cuidado, mas precisamos fazer, alguém precisa falar. Se o incomodo é apenas pela temática, então acho que é um incomodo saudável pois promove mudanças e debate. Estas pessoas deveriam refletir sobre o porque disso as incomodar tanto. Se estivessem seguras com as suas crenças, não encontrariam ameaças em nossas letras. Se são contra a liberdade, algum problema existe lá, não aqui. Theatre of Tragedy escrevia em letras sobre a queda de Deus e ainda assemelhava a queda de Lucifer, nunca os vi sendo banidos de festivais ou perderem fãs por isso. Eles não eram satanistas e nem ateus, nem nós. E como já disse, nunca houve um evento de um gringo tocar nesse assunto. Somente brasileiros, deixo este fato solto aqui para encerrar este assunto.

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BC – As letras no novo disco que vocês estão produzindo seguem a mesma abordagem ou houve alguma mudança nesse sentido?

ILUMINATO (Pablo) – Nós estamos seguindo na mesma direção que começamos e isso nos leva inclusive a outros horizontes. Não queremos fazer mesmice com o primeiro disco com debates conflituosos entre o gutural e o lírico, estamos trazendo conteúdos novos e nos consolidando como banda, isto é, encontramos nesse novo disco a nossa verdadeiro temática. Vou deixar isso aberto para interpretarem como quiserem assim que o disco sair e tiverem a oportunidade de ler as letras. Continuamos sem nos prender e restringir a nenhum dogma, limite, ou proibição. Acredito benefícios podem sair da ousadia, é a direção em que estamos mirando.

BC – Como vocês se sentiram atingindo esta vitória que foi o lançamento do Reflection of Humanity no Brasil depois de 2 anos de trabalho? Como foi produzir um disco de Metal no Brasil?

ILUMINATO (Pablo) – Acho que a vitoria do disco foi uma vitoria sobre nós mesmos, só quem é musico sabe a dificuldade que é construir e lançar um disco no Brasil, principalmente se estamos falando sobre Metal. A determinação que temos de seguir em frente apesar de tudo é o que nos mantem aqui até hoje, e é o que permitiu que o trabalho fosse concluído para os fãs. Encontramos obstáculos em todos os setores de produção do disco, desde o registro das musicas, passando pelos studios de finalização do disco, até a prensagem na fabrica. Burocracias, erros, problemas de prazo em todos os setores. Entregas que foram ditas ser feitas em 2 semanas sendo feitas em 3, 4 meses. Erros com registros, erros com coisas que precisavam ser refeitas, desleixos, etc. Sem dar nomes para não prejudicar ninguém, é algo que precisa ser revelado, pois precisa ser pensado uma solução. Nós gastamos desde o momento em que o disco estava pronto e mixado até o lançamento dele, quase 10 meses só passando por etapas burocráticas nos setores de produção e finalização de fonograma aqui no Brasil. Mas o trabalho foi feito, conseguimos vencer senão todos, a maioria dos grandes obstáculos e lançar o disco, e isso foi uma vitória. Vejo muitas bandas de camaradas que não conseguem lançar um disco, desmoronam no meio da estrada em busca do disco lançado, as vezes por cansaço, as vezes por não saberem como administrar os obstáculos. Companheiros que tenho de outros paises me revelaram como tudo é mais rapido, fácil e barato de se fazer lá fora. Acredito que o problema aqui seja uma mistura cultural de jeitinho brasileiro com o fato dos altos impostos impedirem que o publico do metal (em geral incluso digitalmente) opte em comprar o disco ao invés de baixar fazendo com que uma industria não se consolide. Conseguimos fechar o preço do disco em R$15,00 quando muitos títulos sobem para em torno de R$40,00. Mas não podemos reinventar a cultura do consumidor, que já se acostumou que comprar um CD de Metal não é viavel financeiramente aqui no Brasil. Não vejo mesmo assim os fãs como os vilões do problema e sim a cena. Problemas de pirataria são encontrados também nos paises desenvolvidos que tem cenas de metal, eventos, festivais, gravadoras e distribuidoras. Por que eles conseguem funcionar e nós não? Acredito que seja por conta da postura que infelizmente nós carregamos em diversos setores da sociedade, não só no mundo da musica. Onde se prioriza a vantagem sobre o outro, o meu ganho versus a sua perda. Os selos pensam primeiro em si, os eventos no lucro e não na infraestrutura e nas bandas, as bandas pensam na própria vantagem por cima de bandas companheiras, “concorrentes”, se é que isso existe. Se você não tiver um motor próprio sólido não haverá ninguém acima que o ajudará a lançar o seu disco, e se houver, provavelmente não vai facilitar as coisas para sua banda. Estou me permitindo ser um pouco generalista e pessimista, mas é a situação que vimos. É simplesmente como nos acostumamos a funcionar. É o modelo das empresas, da logística do mercado, da moda, do jornalismo, da musica, dos grandes e pequenos selos. E nós musicos também somos responsáveis por isso, por nos aliarmos ao que é corrupto. Acredito que é possível criar uma cena honesta, com empresas e selos que funcionam dentro da lei, que pague as bandas, que faça shows de forma financeiramente viáveis, como se vê em Boston, em Nova York com shows de metal de domingo a domingo e todas as bandas underground recebendo $ pelo que fazem. Nosso primeiro disco teve alguns furos por conta do percurso esburacado, e estamos tentando corrigir todos estes pontos para o lançamento do segundo disco, até agora com sucesso. Aprendemos bastante, e com certeza estamos repensando nossas alianças profissionais para esse próximo CD. Certas etapas vamos ter que enviar para fora do país infelizmente para não nos arriscarmos mais com algo que pode no final comprometer a qualidade para o fã. Os erros são acidentes, nunca desleixo, não na nossa banda. E os acertos um alivio. Fico feliz que a maior parte dos reviews internacionais do disco foram positivas após tanto trabalho, o importante de um debut é não queimar a banda de vez, para que possamos continuar firmes para melhorar para o futuro.

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BC – Como você encara o pouco espaço dado pela mídia ao Gothic Metal atualmente, uma vez que a maioria das bandas com o passar do tempo ou somem ou simplesmente acabam…?

ILUMINATO (Pablo) – Acredito que o Gothic Metal foi um estilo incrível que começou nos anos 90 com o Tristânia e ao ser pescado pelas grandes gravadoras deu um boost no Metal Sinfônico (estilo derivado) através de grandes títulos como o Nigthwish, Within Temptation, Evanescence, etc… Porém nessa transição para os grandes selos acredito que muitas bandas se venderam e isso acarretou na quase morte do Gothic Metal (apesar do Metal Sinfônico continuar a crescer). Eu sei que me arrisco aqui utilizando esse termo “se venderam” que é muito discutido se sequer algo assim existe na cena, ou o que é, mas sinceramente acredito que foi o que aconteceu. Vender a si mesmo? A si mesmo quem? Acredito que a musica deva ser feita de um lugar autêntico dentro de nós, é algo que vem da nossa própria alma. Com a entrada no mundo profissional e o sucesso, pode vir uma cobrança para se atingir um publico maior, expandir os lucros e crescer no mercado. Nesses momentos as técnicas e meios para se fazer isso se apresentam, e de repente a musica não é mais feita de forma autêntica, pura, sem cobiça. Ela é feita mentalmente, estrategicamente para vender mais. Para mim a Alma sai do palco nesse momento e o egoísmo domina a cena, e isso é uma presença ruim que se não for gerenciado de forma ”maestral” pode acarretar ao fim da banda ou na queda do seu sentido. E mesmo que faça sucesso para mim é um sucesso vazio, frio, cheio de luzes e dinheiro mas sem vida, verdade, propósito. Alguns estilos de musica como o Pop tem essa proposta de ser Popular, grande, ser o que querem que seja, para vender. Mas o Metal em si é uma criança pura que vem se renega a seguir esse modelo (ou pelo menos era assim no passado) e esta ai para representar a manada rebelde que quer ter sua voz ouvida na sociedade. No histórico do Metal nós não costumávamos ter apoio da mídia, inclusive eramos bastante atacados por falar sobre assuntos e agir de forma que belisca os poderosos que querem a manada quieta e condizente. Olhe para o Iron Maiden em The Number of The Beast, o Metallica em 1991, e verá como eles cresceram apenas pelo underground, pelo mérito da qualidade do trabalho, da autenticidade da banda. Sem apoio das rádios, da mídia, e ainda sendo atacados conseguiam lotar estádios, coisa que fazem até hoje. O Gothic Metal também começou de modo bastante puro, tínhamos o gutural explícito, as temáticas pagãs, não havia limitação para o quanto de voz feminina ou do gutural era presente nos discos. A própria abertura do estilo, Midwinter do Tristania só apresenta a voz da Vibeke durante um leve trecho no interlude, algo que hoje em dia incomoda os fãs porque o que vende é a voz da vocalista, ou o inverso, o excesso de gutural para o metal mais pesado. Mas foi o que fez deles grandes na época e o que permitiu que o estilo nascesse. Nós particularmente não seguimos essa tendencia, já tivemos fãs que vieram exigir menos gutural no próximo disco, reclamando da presença dele, e mantivemos o gutural que achamos que a musica pedia no novo disco, de forma pura, sem medo, sem regras. Voltando a questão do Gothic Metal, com certeza em algum momento as bandas começaram a limar os guturais, os instrumentais geniais para fazer um som mais digerível ao grande público, e em alguns casos se arriscando de outras formas misturando certos estilos que ao meu ver não foi feito de forma autêntica, mas sim artificial. Não incluo aqui grandes bandas de Metal Sinfônico como o Nigthwish e o Evanescence, que claramente não são bandas góticas. Estou falando explicitamente do Gothic Metal dos anos 90. Uma parte destas bandas acabou, outra parte não fez mais sucesso, outras saíram completamente da origem do Gothic Metal. Ironicamente uma das únicas bandas que se manteve bastante próximo da proposta original foi o Epica, e sobreviveram até hoje hoje sendo uma das bandas que mais cresce, e se consolidaram no mercado. Eles aumentaram a violência do instrumental, resgataram os guturais após o Consign to Oblivion, e não abandonaram o Symphonic Metal apesar de romper com as raizes que os conectavam (talvez) ao Gothic Metal. Mas sem perder a abordagem espiritualista que sempre tiveram, suas críticas e novas perspectivas, nesse sentido eles vão através das letras numa direção paralela ao Iluminato, como vemos no single The Essence of Silence trazendo uma abordagem indiretamente budista onde culpa a mente pelos problemas e remete ao silêncio como uma solução, uma proposta claramente de pensamento oriental ao inverso do entendimento ocidental, este tema também abordamos em letras no Reflections of Humanity como em Hypocrisy e Helm of Blindness.

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BC – Você acha que vocês se arriscam entrando em uma cena que pode ter um futuro morto?

ILUMINATO (Pablo) – Já nos disseram que o Gothic Metal é um estilo morto e que fazer uma banda assim é pedir para se afundar. Acredito que isso seja falácia. Acho que se as bandas do estilo tivessem se gerenciado melhor eles estariam fazendo sucesso até hoje, da mesma forma que o Epica sobreviveu. Se o Tristania lançasse hoje um disco semelhante Beyond the Veil eu compraria, e iria no show, não acho que seria um estilo morto. Teria orgulho de ter uma banda assim no mercado na ativa hoje em dia. Digo o mesmo para o The Sins of Thy Beloved, para o Theatre of Tragedy, para o After Forever. Só me convenceria dizer que existe um problema com o estilo se eu visse as bandas sendo fiéis com seu som, compondo sem medo os seus hits desde o começo do Gothic Metal até hoje e então acabando, mas só vi as crises quando tentaram fugir de suas origens. Não estou fazendo um discurso anti-inovação, acredito que inovar também é qualidade de ser autêncio. Mas pra mim claramente certas bandas se perderam, e o estilo desabou juntamente. Nós acreditamos no estilo, por isso nos mantemos fiéis a quem somos.

BC – Quais as vantagens e desvantagens de se ter uma banda de metal, em especial Metal Sinfônico?

ILUMINATO (Pablo) – É muito simples para mim, tocar um som underground como o Gothic Metal ou o no nosso caso o Symphonic Metal, é ter o prazer de fazer o que você gosta, fazer arte sendo verdadeiro. A arte pela arte. Poder botar a guitarra que eu sinto que deve entrar, o violino que eu sinto que deve cantar, o berro de gutural que eu sinto que deve aparecer sem amarras. Isso é ser livre. Mas a liberdade na nossa sociedade tem um preço as vezes, essa seria talvez uma das desvantagens. As pessoas não sabem lidar com as “trevas”, sempre fogem pra luz e evitam o Todo. Por conta disso por exemplo nós não podemos sair mostrando para os nossos familiares, vizinhos, etc, nossa musica com gutural, pedal duplo, escalas sombrias, sem assustar ou sermos crucifixados. Todo metaleiro sabe o que é isso, e como no Gothic Metal temos guturais e passagens sombrias isto entra com um tempero a mais. Sempre existe esta cobrança de se fazer um som puritano, eliminar tudo de malvado e feio e deixar apenas a voz da Liz e 4 power acordes na musica para vender e agradar a todos. Infelizmente ou felizmente ser autentico para mim é trabalhar com os 2 lados, as 2 energias, o masculino e o feminino, a sombra e a luz, unir a agressividade e poder do gutural e dos acordes pesados e rápidos com a leveza e carinho da voz lírica feminina com violinos harmônicos. Essa é a nossa arte, é quem somos e as vezes somos crucifixados por isso, estando no Brasil onde não existe publico financeiro pro estilo e nem industria especializada, essa condenação pesa em dobro pois espelhamos um lado interior das pessoas que em geral elas condenam. Talvez se estivéssemos na Europa as coisas já estariam diferentes por conta da industria e do histórico da cena. Mas de qualquer forma, o ponto positivo de ser livre para compor e fazer um som autêntico não se vende por nenhum preço. É algo que não posso sequer conceber a ideia de eliminar um traço natural da musica para agradar um contrato ou um publico específico. Falando pela banda, através de mim, sou o que sou, estou no mundo para isso, ouça meu som quem vibrar comigo e o resto é livre para seguir o seu caminho e encontrar sua própria vibração, sem julgamento. Algum lugar no mundo temos, e é ai onde quero que estar. Mesmo que não seja um castelo com pilhas de ouro.

BC – Obrigado pela entrevista Pablo, você quer deixar alguma ultima mensagem?

ILUMINATO (Pablo) – Obrigado, Leandro. Foi um prazer você nos dar essa liberdade para falarmos abertamente e de forma livre e profunda sobre estas questões. Existe muito a se dizer e pouco espaço para falar, seu portal é um desses poucos lugares que nos permite conceder uma entrevista integra desta forma. Sobre a mensagem, tenho uma para o público e mercado Brasileiro… Se unem mais, conflitem menos, é possível criar uma cena, é possível fazer como a Holanda, a Noruega, a Inglaterra, os USA fazem com o Metal nacional deles. Só é preciso vencer a mesmice, trabalhar com honra, servir mais e cobrar menos. Os estúdios, os produtores de evento, produtores de estúdio, selos, fábricas, as bandas trabalhando em conjunto com outras bandas, os fãs criticando as bandas que se esforçam também. Todos podem servir mais, ajudar mais, e assim criar uma cena forte. Essa é a única diferença dos Brasileiros pros Europeus e Norte Americanos, não é o talento, é só a postura. Se formos mais humildes, com certeza teremos senão igual, mais potencial até. Por enquanto seguimos com o Iluminato firme e forte, e quem quiser se aliar conosco nessa batalha profissional e sonhos sintam-se livres para entrar em contato e fazer parcerias. Vamos mostrar que os sul-americanos também são capazes de fazer Metal de qualidade com profissionalismo. Valeu, Leandro! Abraço!