Ao Seu Lado
Crítica do filme
Desde o lançamento de “Rocky: Um Lutador”, em 1976, de tempos em tempos, Hollywood nos presenteia com boas histórias de boxeadores. Com finais alegres ou tristes, baseadas em fatos reais ou na imaginação inventiva de um roteirista, estas narrativas costumam retratar seus protagonistas como pessoas que passam por uma série de privações e superam reveses até emergirem como heróis. Ou anti-heróis, em alguns casos. Eles são personagens do nosso tempo, modernos, mas este é o roteiro clássico do heroísmo na Grécia Antiga. Nomes como Jake LaMotta, Maggie Fitzgerald, Micky Ward, Rubin Carter e o próprio Rocky Balboa estão gravados no imaginário de qualquer cinéfilo. Apesar das semelhanças, o que faz este tipo de filme ser um sucesso e não parecerem meras repetições, é a capacidade de seus realizadores em criarem tramas sempre atuais, emocionantes e que cativem o público.
Dirigido por Antoine Fuqua e estrelado por Jake Gyllenhaal, Nocaute tenta seguir este script ao contar a história de Billy “The Great” Hope, uma lenda do boxe mundial, dono de um cartel de 43 vitórias e nenhuma derrota como campeão dos meio-pesados. Depois de uma infância dura passada nas ruas do violento bairro nova-iorquino de Hell’s Kitchen e entre os muros de um orfanato, ele chegou a uma fase da vida onde não precisa se preocupar com quase nada. Casado com a linda Maureen (Rachel McAdams) e pai da adorável Leila (Oona Laurence), o futuro lhe sorri com franqueza. No entanto, a partir de uma grande tragédia, todas as privações e os reveses que pareciam fazer parte do passado voltarão para testá-lo na jornada rumo ao posto de herói.
Com lutas muito bem coreografadas, o grande problema do filme está na forma maniqueísta como o diretor e o roteirista Kurt Sutter tentam conquistar a simpatia do público em relação ao drama vivido pelo protagonista. Do Olimpo ao inferno, a queda de Hope é exagerada, brusca demais. É difícil acreditar que alguém possa descer tão fundo e em tão pouco tempo do jeito e pelos motivos que tudo acontece. Só para efeito de comparação, o ex-campeão mundial dos pesados, Mike Tyson, um ícone real do boxe nos anos 80 e 90, precisou de muito mais, inclusive ser acusado do estupro de uma jovem de 18 anos, para sofrer uma queda tão profunda. Se faltam lágrimas, há um exagero premeditado na maneira como tudo é retratado para que os espectadores torçam por um personagem que se revela, gradativamente, bastante errático. E este não é o único problema.
Em sua composição do personagem, Gyllenhaal carrega todo o maneirismo que esperamos de um boxeador. Logo, uma caricatura viva. Ele é o campeão desmiolado, com apenas dois neurônios em pleno funcionamento (há controvérsia), controlado pela esposa, por mais que esta esteja longe de fazer o gênero megera, e pelo empresário. Afinal, por que todo lutador precisa ser assim? Não, definitivamente, não precisa e isto acaba encobrindo o ótimo trabalho de caracterização física feito pelo ator. Na telona, o resultado final em nada lembra Louis Bloom, o sociopata de olhos esbugalhados de “O Abutre”, excelente longa lançado aqui no Brasil no final do ano passado.
As melhores atuações acabaram reservadas aos personagens secundários. Ainda que ninguém tenha dúvida da capacidade de Forest Whitaker, vencedor do Oscar de melhor ator por “O Último Rei da Escócia”, em 2007, ele, mais uma vez, nos surpreende ao encarnar o treinador linha-dura Titus “Tick” Wills. Sua performance é intensa, assim como é intenso o relacionamento dele com Hope. Quando este suplica por sua ajuda, ele reluta. Existe uma história mal resolvida no passado dos dois. O que nos faz pensar que as condições impostas na hora que, enfim, decide estender a mão ao boxeador seja um castigo. Não. São apenas exigências de um homem reto que não se desvia de suas convicções.
Já McAdams, recém saída da segunda temporada de “True Detective” (2015), está tão bem e sexy na pele da esposa controladora, de um jeito nunca visto antes, que nos faz lamentar o pouco tempo em cena. Como escrevi, não chega a interpretar uma megera, senão em vez de amá-la a odiaríamos. Contudo, isto não atenua o fato de que tudo na vida do campeão passa por ela. Quem luta, apanha e ganha dinheiro é ele. Mas é ela que decide com quem ou o quê. Ela e o empresário Jordan Mains, em atuação excessivamente sóbria para um papel espalhafatoso do dublê de músico e ator Curtis “50 Cent” Jackson. A adorável Oona, intérprete da filha capaz de dobrar o pai com um sorriso, também merece aplausos, pois, nos ‘rounds’ com o “veterano” Jake, a pequena leva a melhor.
Com estreia marcada para esta quinta-feira (10/09), Nocaute foi feito tendo o Oscar em sua alça de mira, assim como um boxeador busca incessantemente o cinturão de campeão em sua categoria. O histórico de filmes do gênero na grande festa da Academia, pelo menos no quesito indicações, é favorável. Contudo, o resultado do equilíbrio entre boas cenas de luta, atuações destacadas de coadjuvantes, um protagonista caricato e uma narrativa maniqueísta, não é mais do que mediano. Assim, dificilmente será desta vez que veremos um filme de boxe repetir as vitórias de “Rocky” e “Menina de Ouro”, em 1977 e 2005; ou Gyllenhaal ser recompensado por causa da injustiça de não ter sido indicado na última premiação.
Desliguem os celulares e boa diversão.
FICHA TÉCNICA:
Direção e produção: Antoine Fuqua
Co-produção: Alan Riche, Jason Blumenthal, Peter Riche e Todd Black
Roteiro: Kurt Sutter
Elenco: Jake Gyllenhaal, Rachel McAdams, Forest Whitaker, Oona Laurence, Curtis “50 Cent” Jackson, Beau Knapp, Clare Foley, Grace Marie Williams, John Cenatiempo, Miguel Gomez, Naomie Harris, Rita Ora, Rowdy Brown, Skylan Brooks, Victor Ortiz
Direção de Fotografia: Mauro Fiore
Edição: John Refoua
Duração: 124 minutos
País: Estados Unidos
Ano: 2015