Histórias reais sempre correm o risco de soarem inverossímeis. Por mais contraditória que possa parecer esta afirmação, é só lembrar quantas vezes ouvimos um amigo falar: “Você não vai acreditar no que aconteceu”. E se não fosse pelo fato de escutarmos da boca de alguém que confiamos, desacreditaríamos mesmo. Como filmes não têm este vínculo pessoal com quem assiste, películas baseadas em fatos verídicos sofrem do mesmíssimo mal. Vistas uma vez, às vezes duas, podem soar como exageradas e forçadas. Este é o caso de Apenas Uma Chance, de David Frankel, que estreia esta quinta-feira, dia 24 de julho, em todo o país.

Especialista em biografias cinematográficas, são de sua autoria os sucessos “O Diabo Veste Prada” (2006) e “Marley & Eu” (2008), desta vez o cineasta decidiu contar a história de superação do cantor de ópera britânico Paul Potts. Funcionário de uma loja de celulares, no País de Gales, o tenor despontou para o sucesso ao vencer o Britain’s Got Talents, em 2007, cantando “Nessun Dorma”, ária do compositor italiano Giacomo Puccini. O vídeo de sua primeira participação neste concurso de calouros alcançou, rapidamente, sete milhões de visualizações nas redes sociais e o impulsionou para a vitória.

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Bem de acordo com a vocação do biografado, Apenas Uma Chance contém todos os elementos de uma ópera: drama, comédia, paixões arrebatadoras, mocinhos e vilões. Tudo bastante exagerado. Filho de um operário frustrado por não ter jogado rugby profissionalmente, Potts teve pouquíssimo apoio para ir atrás de seu sonho. No pai, rude e insensível, ele encontrou um dos primeiros vilões de sua vida. O contraponto deste vilão sempre foi a mãe, uma dona de casa nada submissa ao marido na hora de defender os interesses do filho.

Tal qual um cavaleiro desafortunado, em pleno século XXI, depois de uma longa espera pela princesa prometida ele a encontrou através do meio mais comum e impessoal dos nossos tempos: a internet. Mas como estamos falando de uma ópera, este relacionamento não poderia deixar ter seus altos e baixos. Há espaço até para um triangulo amoroso deslocado na trama. Todos estes elementos dificultam a separação do que é verdade do que foi inserido para tornar a história mais interessante para o público e solucionar eventuais problemas de roteiro.

A mistura de realidade e fantasia, onde os episódios bons da vida de Potts são exageradamente bons e os ruins forçadamente ruins, servem a um propósito especifico na trama escrita por Justin Zackham: mostrar que não importa o quão fracassado ou desafortunado você seja, com um pouco de fé e força de vontade é possível, sim, dar a volta por cima e vencer na vida. Como não me recordo de outro exemplo, creio que Frankel e Zackham inauguram com este filme um novo subgênero: ‘musical de auto-ajuda’.

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Deixando de lado a pieguice, existem alguns aspectos que merecem ser elogiados. Repleta de clássicos como “Nessun Dorma” e “O Sole Mio”, este último na voz do ítalo-americano Mario Lanza, a trilha sonora é um primor. As cenas rodadas em Veneza também são belíssimas. Já em relação ao elenco, o destaque vai todo para Alexandra Roach e Mackenzie Crook, que interpretam a esposa e o melhor amigo do protagonista; e para a caracterização de James Corden como Potts.

No conjunto, Apenas Uma Chance é um bom longa-metragem. Existem elementos suficientes para desmentir qualquer veredito contrário. Entretanto, poderia ser ainda melhor se carregasse menos na tinta na hora de retratar as glórias e as derrotas de seu personagem principal. Ele venceu graças ao dom para a música, mas esta é uma história entre milhares e isto não faz de sua existência mais épica do que a de ninguém. Aliás, a vida real é bem diferente da ópera que vemos na telona.

Desliguem os celulares e boa diversão.

BEM NA FITA: A trilha sonora. Algumas atuações e a caracterização de James Corden como Potts. As belas cenas em Veneza e a fotografia de uma maneira geral.

QUEIMOU O FILME: O tom exagerado e forçado que descamba para a auto-ajuda. Incomoda muito.

FICHA TÉCNICA:
Direção: David Frankel.
Elenco: James Corden, Julie Walters, Colm Meaney, Alexandra Roach, Mackenzie Crook, Jemima Rooper, Valeria Bilello, Trystan Gravelle, Stanley Townsend e Ewan Austin.
Produção: Simon Cowell.
Roteiro: Justin Zackham.
Trilha Sonora: Theodore Shapiro.
Direção de Fotografia: Florian Ballhaus.
Duração: 103 min.
Ano: 2013.
País: Reino Unido.