Ao Seu Lado
Crítica do filme
“Em Beijing, havia várias categorias de puxadores de riquixá: os jovens vigorosos e de pés ligeiros, que só alugavam riquixás vistosos e trabalhavam a qualquer hora, pegando e largando passageiros a seu bel-prazer. Eles estacionavam na parada de um riquixá ou na porta de uma mansão e ficavam à espera de algum passageiro apressado. Quando tinham sorte, logo arranjavam uma ou duas moedas de prata, caso contrário não conseguiam nem ao menos o dinheiro para pagar o aluguel do veículo”.
Este é um dos trechos do início de “O garoto do riquixá”, traduzido pela primeira vez no Brasil e escrito por Lao She, um dos mais prestigiados autores modernos da China. Desde o início, o autor se preocupa em contextualizar o universo em que ambientará sua obra que tem como protagonista o personagem Xiangzi. A história ocorre em Beijing, entre os anos 1920 e 1930, em um momento de grande efervescência cultural do país, e retrata a dura realidade dos puxadores de riquixá, que consiste em uma carroça com duas rodas usada para o transporte humano.
No texto inserido no fim do livro, Lao She comenta que uma de suas prioridades era discutir como era a vida desses puxadores, aproximando-os do leitor e mostrando seus anseios, suas dificuldades e seus sonhos. Nesse universo, insere-se Xiangzi, um personagem nascido no campo e que decide partir para a cidade para transformar sua vida.
Ainda jovem, ele acredita que ser puxador de riquixá o fará feliz e detentor de uma vida plena. Xiangzi alimenta seu sonho de ser proprietário de um riquixá, algo visto como a solução para todos os seus problemas. Sua ingenuidade o faz acreditar que seu trabalho duro lhe trará a recompensa e a paz tão deseja, mas uma série de acontecimentos mostra justamente o contrário.
O mundo é demasiadamente cruel com as camadas sociais mais pobres e, no caso de Xiangzi, isto não é uma exceção. Ele se envolve repetidamente em situações de trapaça – que são agravadas por sua inocência – com oficiais, patrões, entre outros personagens. Somente para comprar o riquixá que tanto almeja possuir, Xiangzi precisa trabalhar durante três anos. Pouco tempo depois, ele o perde e precisa recomeçar novamente. A linguagem do livro é fluída, mas é angustiante acompanhar a trajetória do jovem que têm suas ilusões destruídas continuamente, mas que ainda persevera, pois genuinamente acredita que o êxito o aguarda.
Conforme mostra o autor, as condições dos puxadores de riquixás são terríveis. Além da exaustão pela própria natureza do trabalho, esses indivíduos atuam sob condições extremas de temperatura em troca de pagamentos escassos que, frequentemente, mal atendem às suas necessidades mais básicas, como ter uma nutrição adequada, por exemplo. Nesse universo praticamente selvagem, valem diversos tipos de artifícios desonestos para garantir a própria sobrevivência.
Esta visão utópica da metrópole com um lugar de oportunidades é personificada em Xiangzi, que retrata a injustiça enfrentada pelas camadas sociais mais desfavorecidas em um mundo árduo. “O garoto do riquixá” é uma das obras mais conhecidas de Lao She e expõe as fissuras de uma sociedade doente.
Ficha técnica
Título: O garoto do riquixá
Autor: Lao She
Tradutora: Márcia Schmaltz
Editora: Estação Liberdade
Especificações: Brochura, 336 páginas