De encontros com a literatura se constitui parte da obra do coreógrafo carioca Renato Vieira, que já tomou para si inspirações em Manoel de Barros, Guimarães Rosa e outros tantos nobres escritores brasileiros. Um dos decanos da dança no Brasil, prestes a comemorar 45 anos de trabalho em 2016, Renato Vieira retoma tal diálogo se orientando por novas searas na realização de no me digas que no, que estreia dia 17 de dezembro, às 21h, no Mezanino do Espaço Sesc, em Copacabana. Após o recesso das festas de fim-de-ano, no me digas que no volta em 2016, de 7 a 31 de janeiro, de quinta a domingo.

A partir da obra do escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez (1927-2014), Renato Vieira captura momentos do realismo fantástico na elaboração de movimentos e gestos. A esta paisagem coreográfica, soma-se a colaboração do bailarino Bruno Cezario que, a partir de uma temporada no México, apontou caminhos para dar texturas ao espetáculo, para o qual também assina trilha sonora e figurinos. no me digas que no tem no elenco,além de Cezario, Soraya Bastos, Fabiana Nunes, José Leandro e Tiago Oliveira. A iluminação é de Binho Schaeffer.

“Criei uma escrita coreográfica usando o realismo fantástico e a obra de García Marquez como inspiração durante o processo de trabalho. A partir daí, me apropriei da linguagem para, de maneira independente, delinear o realismo fantástico com a assinatura da minha companhia de dança”, destaca Renato Vieira. “Por exemplo, durante a narrativa, o elenco dança em meio a diversas pausas aplicadas ao gestual.O realismo fantástico está no corpo. Não se trata de uma obra descritiva, tampouco evoca este ou aquele livro de García Marquez”, completa. Apesar disso, foram fundamentais na elaboração da coreografia a leitura de livros como  “O amor nos tempos do cólera” e “Cem anos de solidão”. “Meu trabalho resulta de tudo o que vivi, num grande intercâmbio seja com o teatro, TV, cinema ou a literatura”, diz.

Quando a ideia de abordar o realismo fantástico surgiu, Bruno Cezario excursionava com a Cie Gilles Jobin – seu segundo grupo, baseado em Genebra – pelo México. Assombrou-se com o deserto. “O vazio foi impactante. Não há barulho, não há sombra, ou animais. Só escutamos. Tem vida na morte e isso remete muito à literatura do Gabriel”, reflete Bruno Cezario. Foram três semanas no deserto de La Rumorosa numa turnê que percorreu também  Chile e Colômbia.  “O grande desafio é não ter uma história linear, nada se fixa, como na areia do deserto”, conclui.

Foto: Bruno Veiga / Divulgação

Foto: Bruno Veiga / Divulgação

Antes, ciclos de vida e morte

Após trabalhar sobre os ciclos de vida e morte e sobre a construção da memória como um artifício de compreensão e de elaboração do tempo em “Poeira e Água”, sucesso de crítica e público em 2014, a Renato Vieira Cia. de Dança celebra 27 anos com no me digas que no pretendendo aprofundar e, ao mesmo tempo, diversificar sua pesquisa ao abordar a obra e as referências do escritor Gabriel Garcia Marquez como fonte de inspiração. Sobre o título, queríamos um título em castelhano, por ser a língua do Gabo. “A frase que escolhemos está em ‘aberto’, podendo acrescentar o que quiser cada um quiser: não me diga que não posso, devo, quero, errei, deveria, te amei, te disse, não disse… E por ser em minúsculas, poderia ter sido tirada do meio de uma frase qualquer. Diria também que seria como  ‘é proibido proibir’, politicamente falando”, contextualiza Bruno Cezario.

Gabo, como o autor colombiano era conhecido, foi um dos pais do realismo fantástico, corrente literária que movimentou e inspirou as letras na América Latina a partir dos anos 1950-60, projetando-a a um lugar de destaque no cenário mundial. A imaginação surge em Gabo como um elemento transfigurador da realidade, mas não divorciada desta. A fricção entre a realidade e a ficção transborda em significados alegóricos, que podemos perceber na natureza e nos fatores ambientais recriados por Gabo, assim como na deformação reflexiva das peculiaridades políticas e coloniais do nosso continente. Podemos afirmar que o fantástico em Gabriel Garcia Marquez fundamenta-se no absurdo da realidade imediata e concreta.

O tema é uma possibilidade de abordar, por outro viés, um campo de investigação da Renato Vieira Cia. de Dança, que é o tempo e a memória – temas visitados, direta ou indiretamente, nos espetáculos “Rizoma”, “Dociamargo” e “Terceira Margem”. Aqui nos seduz o tempo cíclico, não linear, distorcido, assim como o esgarçar da memória até as raias do esquecimento – para, mais uma vez, reconstruí-la através de retalhos de realidade e imaginação. Por fim, as referências cinematográficas que foram tão determinantes para a literatura de Gabriel Garcia Marquez, assim como as inúmeras obras inspiradas em seus livros, servem  à pesquisa do espetáculo, com a possibilidade desafiadora de intersecção entre o cinema, a literatura e a linguagem estética da Renato Vieira Cia. de Dança.

Prestes a completar 45 anos dedicados à dança, dentro e fora dos palcos, Renato Vieira não raro inspira-se na literatura, na dramaturgia e na poesia em seus trabalhos. Seja em seus próprios espetáculos (como “Vanitas” – 2000 e “A voz da imagem” – 1998, “Memória do Corpo – Suíte Jazz” – 2005), seja nos espetáculos em que freqüentemente assina a direção de movimento, área em que foi um dos pioneiros no país. Ganhou Prêmio Cesgranrio pela coreografia e direção de movimento do musical “Samba, futebol clube”, direção de Gustavo Gasparani, parceiro habitual nos últimos anos, além de ter assinado coreografia de espetáculos consagrados como “Simbora, o musical” e “Sambra”. Trabalhou com diretores como Miguel Falabella, Cláudio Botelho e Charles Möeller. Formador de gerações no jazz e na dança contemporânea, Renato Vieira deu aulas até no Japão, além de ter morado na Cité dês Arts para residência artística na década passada. Nascido e criado no Leblon, trocou a publicidade pela dança. Através do Ballet Dalal Achcar, sua primeira porta de entrada para o universo de gestos e movimentos, encontrou o caminho definitivo de sua arte.

SERVIÇO:

Mezanino do Espaço Sesc – Rua Domingos Ferreira, 160. Tel. 21 2547.0156

Temporada: de 17 a 20/12/2015 e de 7 a 31/1/2016, de quinta a domingo

De quinta a sábado às 21h, domingos às 20h. Duração: 60 minutos.

Ingressos: R$ 20, R$ 10 e R$ 5 (comerciários)

Lotação: 100 lugares | Classificação etária: 16 anos

FICHA TÉCNICA:

Direção Geral: Renato Vieira | Coreografias: Renato Vieira e Bruno Cezario | Com Bruno Cezario, Soraya Bastos, Fabiana Nunes, José Leandro e Tiago Oliveira | Idealização do projeto: Renato Vieira e Rodrigo Gerstner | Iluminação: Binho Schaefer | Trilha Sonora e Figurino: Bruno Cezario | Ensaiadora: Denise Mendes | Professora de Balé Clássico: Manoela Cardoso | Cabelos: Emilien Blanchard | Fotos: Bruno Veiga | Programação Visual: Cristhianne Vassão |

Assessoria de Imprensa: Mônica Riani | Administração Financeira: Rodrigo Gerstner | Direção de Produção: Camila Vidal