Ao Seu Lado
Crítica do filme
Quase Memória é um filme dirigido e escrito por Ruy Guerra a partir da ótica da história de um livro de Carlos Heitor Cony, porém, esta não se manteve aos fatos da obra literária, mas somente serviu de inspiração para escrever o roteiro, já que o orçamento era baixo. Apesar da produção ter sido assinada pela Pandora Filmes e pela Globo Filmes, o longa foi feito de forma independente.
Tony Ramos e Ruy Guerra discutem lembranças e civilidade em bate-papo sobre ‘Quase Memória’
O filme começa com um sapo narrador que se encontra em um pântano onde ele diz conter todas as memórias que vão ali ser contadas. A câmera desce do céu ao pântano que está entre uma névoa indicando quase que o mundo dos pensamentos, o nosso subconsciente, ou algum lugar em que nós onde guardamos nossas lembranças. Trata-se de uma história em que o protagonista encontra-se com ele mesmo, em sua versão mais jovem, como se tempo e espaço não existissem e estivessem acontecendo ao mesmo tempo e, como num espelho, o personagem mais jovem reconhece o mais velho pelos traços de seu rosto, pelas marcas, mas o outro não reconhece a si mesmo, pois encontra-se desmemoriado. E assim começa a história: o mais velho e o mais novo juntos compondo suas memórias e resgatando fatos e acontecimentos de infância, que se integram também com momentos vividos por seu pai, de uma forma não-linear e não-cronológica.
O relógio na parede é algo que marca as cenas, que são todas personificadas de maneira icônica e teatral. É quase possível retratar essa trama como uma peça de teatro. Carlos, o protagonista, é interpretado por dois atores: Tony Ramos é o “eu” mais velho. Já o “eu” mais novo é interpretado por Charles Fricks. Os personagens secundários fazem parte das memórias apresentadas pelos personagens principais. Seu pai, Ernesto, é vivido por João Miguel, enquanto Mariana Ximenes interpreta sua mãe, Maria, que aparece nos momentos mais importantes das lembranças para trazer leveza ao pesado roteiro, repleto de uma dramaturgia forte e enigmática que lembra os antigos espetáculos teatrais.
As cenas que demonstram ser lembranças da vida de Carlos ou de seu pai aparecem entre nuvens, com uma nebulosidade que remete aos sonhos, pois quando estão na casa dele, elas são mais reais, o foco da câmera é diferente , mas tudo sempre em close de câmera, talvez para ambientar o espectador nas memórias ali representadas e fazer vivê-lo junto com os personagens.
O tempo entre as falas faz referência a monólogos de teatro e as falas do pai interagem com os diálogos do personagem de Tony Ramos. Aos poucos, outros personagens entram para compor as lembranças. O roteiro foi escrito de maneira quase poética. Repleto de analogias, como por exemplo, a presença do relógio entre cenas e imagens de um balão bem colorido no céu com a narrativa do pai do personagem e a trilha sonora acompanhando geram uma bela poesia. Muita ópera e música clássica ao fundo ditam o ritmo e acompanham a marcação das cenas.
Os dois artistas escolhidos para fazer o papel de Carlos, apesar de nenhuma semelhança física, tem timbre de voz muito parecido, o que faz com que possamos acompanhar a evolução das cenas muito bem e a interação entre os personagens de maneira realista. Eles se perguntam se o que está acontecendo é possível, se seria uma dobra no tempo ou se Deus estaria brincando com eles de alguma maneira. Se questionam se morreram e deixam essas várias perguntas no ar para o espectador responder já que a história se encerra de maneira aberta, e, como falado na coletiva de imprensa, deixam a expectativa se foi uma morte, uma continuidade da vida, um momento de lembranças, e o que realmente teria acontecido na cena final, no sofá.
Quase Memória é uma película reflexiva, que nos faz entrar dentro de nós mesmos em determinados momentos e perceber que essa narrativa representa o ego e o subconsciente de cada ser humano. Seria, na verdade, o confronto entre essas duas partes de cada um?
Direção: Ruy Guerra
Elenco: João Miguel, Charles Fricks, Tony Ramos
Distribuição: Pandora Filmes
Data de estreia: qui, 19/04/18
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2015
Classificação: 12 anos