Ao Seu Lado
Crítica do filme
Na última sexta-feira, 06, ocorreu a coletiva de imprensa do filme Quase Memória, no Cine Caixa Belas Artes, em São Paulo. O ator Tony Ramos e o diretor Ruy Guerra conversaram com os jornalistas para promover a estreia do longa que que ocorrerá no dia 19 de abril nos cinemas brasileiros.
Com humildade e alegria, Tony Ramos falou sobre interpretar um protagonista em um longa-metragem absolutamente autoral de Ruy Guerra. Ele destacou a dificuldade de se fazer cinema no Brasil: “A importância sempre será essa. De se botar um filme numa tela. Já é uma vitória. O cinema fica feliz em ter uma obra de Ruy Guerra. É uma luta! Fizemos um filme de baixo orçamento. Um filme absolutamente acreditando numa história linda que é o romance do Cony” (fazendo menção a Carlos Heitor Cony, membro da Academia Brasileira de Letras falecido em janeiro deste ano e escritor da obra literária que inspirou o roteiro da película), disse o ator. “Se estivesse no lugar do personagem, não falaria consigo mesmo, mas se perguntaria se valeu a pena e se foi feliz”, completou o artista.
Em relação à perda de memória, Tony Ramos diz que se mantém bem lúcido e que não sabe o que é passar por isso. Ele brinca que se assusta com uma pergunta dessas: “Meu sustento vem disso. Sustento minha família com isso. Um ator com falhas graves de memória seria hora de jogar o caniço e pescar. Tenho meus sonhos ainda. É tão óbvio o que respondi, mas não tem outra resposta senão essa”. A memória, segundo ele, vai ficando seletiva com o tempo. O ator espera não ter que passar pelo mesmo problema pelo qual atravessa o personagem na trama.
FOTO: Giovanna Landucci / BLAH CULTURAL
Ruy Guerra, por sua vez, brinca que se comprometeria em perder a memória caso Tony também perdesse, assim fariam um filme juntos sobre a memória de suas vidas. Janaína, sua filha e produtora do longa, faz mais uma piada dizendo que gostaria que perdessem a memória pois seria uma produção interessante: “Estou quase querendo que eles percam a memória!”
A respeito da história de Quase Memória e sobre o seu do passado poder conversar com o eu do futuro, o diretor menciona que “é melhor apenas ficar calado” com relação ao que o Brasil do futuro falaria ao Brasil do passado caso fosse esse o personagem do longa com esse momento atual pelo qual atravessa o país. Já sobre a prisão do Lula, prefere não se pronunciar, apenas expressar indignação: “Eu passei a vida inteira sendo considerado um sujeito que dominava bem minhas emoções. O fato é que passei a ter que manter o choro por algumas coisas. O público aplaude. Eu apoio ele em todas as circunstâncias (sobre Lula)”.
Tony Ramos compara as diferenças de pensamentos entre Ruy e ele, inclusive religiosas: “Isso é civilidade. Saber conviver com as diferenças. Sou são-paulino, sei sofrer”, brinca o ator. “Meu Antonio, eu me perguntaria varias coisas. Comecei a trabalhar muito cedo, de 13 para 14 anos, e sem a presença de um pai no bairro da Vila Maria de operários. Talvez eu fizesse essa pergunta, valeu a pena”, afirmou o ator.
“Nesses país falta civilidade. Discordar e poder dizer eu penso isso e outro entender aquilo. Eu prefiro sempre a serenidade da tristeza. É triste ver um presidente na situação de prisão. Eu já vi vários brasis. Esse Brasil que eu tenho perguntaria ao futuro se é possível resgatar a civilidade. Sou cristão, católico, o Ruy não é. Pensamos diferentes para muitas coisas. Ele sabe disso. Mas respeitamos. Para o país é possível sair dessa. Eu quero entender o país a partir de agora. Qual pergunta eu faria àquele passado? E eu fiz o silêncio de propósito. O silencio é o que pode nos responder nas reflexões diárias.”
Voltando ao tema da participação de Cony na elaboração do roteiro e direção, Tony, Janaína e Ruy dizem que a esposa dele foi à estreia de Quase Memória no Festival de Cinema do Rio. O ator disse que foi comovente vê-la emocionada, mas que não teve contato com o autor. Ruy só teve contato com o acadêmico quando foi pedir para ceder os direitos, que não o conhecia pessoalmente. Janaína acrescenta que a ideia de transformar a obra literária em um longa-metragem foi quando viu um exemplar do livro e enviou para ele em Portugal. Foram, ao todo, 25 anos de espera. Ele queria muito que o Ruy Guerra fosse o diretor e esperaria o tempo que fosse. No entanto, infelizmente, Cony não conseguiu fez o resultado final da obra cinematográfica. “Ele foi um super parceiro nessa longa gestação em trazer o livro para as telas e muito respeitoso em não interferir no processo criativo do Ruy”, revelou a produtora.
O encontro entre os dois Carlos não está no livro. São linguagens distintas e a transposição de uma coisa sobre outra não é literal. Ruy completa que o eixo da obra não é o tema memória. Ao longo desses 25 anos não foi somente por estar ocupado com filmagens, mas teve adaptação de roteiro: “Fiz quatro adaptações sucessivas do filme para chegar em um orçamento que fosse adequado para produzir. O livro fala mais sobre a história do jornalismo. O pai do personagem é jornalista. Houve redução das histórias maravilhosas que estão contidas no livro para poder ter redução de orçamento”, explicou o diretor.
Tony Ramos finaliza a entrevista respondendo minha pergunta sobre o final aberto e reflexivo, se ele acredita que o personagem consegue compor suas memórias ou se fica preso em lembranças não cronológicas. Qual seria a opinião dele sobre o final.
“A maior reflexão esta na cena final do sofá. Ruy me disse fique aí. E eu disse que as costas falam. Dê tempo a você, não se apavore, entenda seus silêncios. Quando houve um delírio, a cena de delírios não teve nem plano de cobertura. Eu tenho esses delírios, só que em silêncio. E são coroados com o plano final no sofá. Reflexão absoluta.”
O personagem conseguiu compor suas memórias e lembranças? Ficou claro pra você em algum momento o final? Ou fica como no filme que são várias lembranças sem cronologia? Para Tony Ramos essa é uma excelente pergunta e que realmente fica no ar: “Acho que é isso mesmo. Eu, quando li e reli o roteiro, tive que imaginar em um set de filmagem o Ruy dizendo ‘você pode esperar no sofá’”.
O ator diz que ficou lá parado ouvindo os sons do set dos maquinistas e no seu próprio silêncio. “Depois do filme pronto no caso dessa cena. A pergunta não vai ser respondida a você (espectador)”. Ele (o personagem) entra em um emaranhado de perguntas. “Lembra que perguntei a você, Ruy? Eu cheguei a pensar que ele estava se entregando naquele momento, que a vida estava se esvaindo. Ou não. Simplesmente ele foi dormir e tocar a vida no dia seguinte. Também pode. Se foi. Mas quando vi o final não se foi, foi só dormir. Eu gosto desse final em que ficaremos em um café ou comendo uma pizza discutindo se ele morreu. E o cinema te possibilita isso”.
Veja abaixo a galeria de fotos do evento:
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