Toc toc toc
Demétrius Carvalho
O interfone toca. 6:38h da manhã. Não que fosse cedo para uma portaria de um edifício de sexta para sábado. Era gente chegando da noite anterior e também sempre tem os que acordam muito cedo. Ou seja, era intenso, moradores passando para lá e para cá, mas quase nunca havia problemas. Quase nunca…
– Porra Antônio, não dá. Não deu 7 da manhã e a dona Sônia está andando para lá e para cá de salto alto. Essa mulher é louca? Avise o síndico. Não agüento mais!
Interfone desligado na minha cara. Isso sim me irritava. Não existia um abrir de porta, uma sacola pesada para ser colocada no carro de alguma senhora, uma ação. Fisicamente não havia esforço, mas o estresse… mesmo por que não tem como adivinhar que viria uma voz berrando do outro lado, mas ok… ligar para o síndico… o interfone toca algumas vezes. De certo que ele dorme…
– Alô!? – fala-me uma voz sonolenta do outro lado.
– Bom dia seu Afonso, é o seu Ciro de novo… dona Sônia…
– Ai meu Deus. Pior que eu desconfiava. Vou tentar resolver.
Pelo menos moravam no mesmo andar. Um sobretudo, um chinelam e uma água na cara para ver se dava uma energizada nos poros.
Campainha e um toc toc toc ainda mais acelerado do lado de dentro da porta. O toc toc toc era o problema…
– Bom dia seu Afonso – segundo bom dia em um minuto para um péssimo começo de dia pensou.
– Bom dia dona Sônia, sabe o que é, o Ciro estava já chamando a polícia por causa do toc toc toc e eu precisei intervir para que não tivesse essa cena desagradável aqui no condomínio. – Mentiu sobre os fatos, mas não sobre a causa, mas funcionou…
Ela baixou a cabeça… toc toc toc e se sentou…com uma voz desanimada disse: – Poxa, seu Ciro é muito chato. Não me deixa ser feliz.
– Não Sônia, ele não é muito chato. Seu toc toc toc é muito chato. Ele incomoda. Ou você procura um tratamento psicológico, ou muda os hábitos, ou eu vou ter que deixar o Ciro ir atrás dos direitos deles.
Ela não falou nada. Toc… toc… toc… e abre a porta para ele. Toc… toc… toc…
Ela sabia que estava com uma certa crise interna. Talvez fosse a idade, talvez a viuvez, talvez a distância dos filhos, talvez o tédio, talvez tudo e talvez nada.
Procurou um psicólogo e duas semanas depois, estava no segundo. Esse até segurou-a por 3 meses e nada do toc toc toc se manifestar, mas ela estava triste. Sentia-se molinhando. Ela podia ter resolvido o problema do Ciro, mas não o seu e pensou que precisava mudar novamente de psicólogo. Que tal tentar uma psicóloga? Elas entendem de toc… toc… toc…
– Por que a senhora me procurou? – pergunta a Dra. Primeira!
– É por causo do toc toc toc e os dr’s primeiro e segundo não me ajudaram.
– Dr. Primeiro é da nova geração. É um sucesso entre o pessoal mais novo. É desses que aparecem na televisão e o Dr. Segundo? Renomadíssimo. Por que motivos acha que eu poderia te ajudar?
– Por causa do toc toc toc.
– Compreendo…
E assim foi o início do tratamento com a Dra. Primeira. Sônia chegou por lá triste, cabisbaixa e ela precisava encontrar o que lhe fazia se sentir feliz. Ela entendia de toc toc toc e rapidamente parecia ter encontrado a solução. Foi simples até para Dra. Primeira, ela sacou… de primeira… toc toc toc
– O problema então é com o seu Ciro não é Dra. Primeira
– Não exatamente Sônia. Toc toc toc pode incomodar e muito. Dependendo a hora então…
– Então, eu preciso me mudar?
– Não exatamente Sônia, afinal, mudar é algo que da muito trabalho e se não resolver?
– Mas isso é fácil. Minha filha tem uma casa no quarteirão de trás. A casa está pronta e mobiliada. Depois que ela casou, se mudou para Curitiba e é só eu ir. Quando eles vierem, tenho certeza que ficam em meu apartamento sem o menor problema. Se quiser, posso já dormir hoje lá.
– Se é fácil assim, experimente e não reprima o toc toc toc. Semana que vem me diz como se sente.
Estava eufórica. Toctoctoc apressadamente. Chegou em casa. Toc… toc… toc… calmamente. Pegou a chave da casa e fez uma pequena malinha de roupa. Alguma coisa para comer e em sua cabeça, estava de mudança.
Por volta de 6:00h da manhã, de uma sexta para sábado novamente, Sônia se levanta, toma banho, café e se sentia eufórica. Toc toc toc. Tudo ok. Ninguém se opôs. Domingo toc toc toc, segunda toc toc toc, terça, toc toc toc, quarta, toc toc toc…
Quinta. Dia de ir na Dra. Primeira. Toc toc toc e um grande sorriso no ar. O sorriso de dona Sônia com um olhar para baixo apontando seu salto alto.
– Dra. Primeira, a senhora estava correta, usar salto alto, me faz acreditar que sou jovem, bonita e capaz…